O Brasil é hoje, segundo dizem, a sétima economia do mundo. Somos, paradoxalmente, uma das nações socialmente mais injustas, conforme levantamento da ONU.
As elites que nos governaram desde a Independência, passando pela República, falharam. Apesar da redistribuição de renda iniciada há onze anos, nosso déficit social em educação, saúde e habitação continua imenso. Para resolvê-lo, serão necessárias décadas de desenvolvimento sustentável, controle da inflação, além da continuidade e implemento de políticas sociais de resgate da população mais carente.
Em decorrência dessa dramática situação, a criminalidade violenta, inclusive juvenil, vem aumentando; nossas cadeias medievais são universidades do crime às avessas; a corrupção continua enorme, gerando uma sensação de impunidade, por vezes explorada pela mídia que se alimenta de escândalos ... Por outro lado, há poucas semanas a alta popularidade da Presidente e do Governador de São Paulo, apontando para suas reeleições já em primeiro turno, e o baixo índice de desemprego, um dos menores do mundo, mostravam uma aparente calma.
Eis que de repente, o aumento de apenas vinte centavos no transporte público da capital paulista, abaixo da inflação, leva a uma grande manifestação que, como um rastilho de pólvora, se espalha pelo país. A estudantes, professores e pessoas idealistas de todas as idades, a maioria da classe média, se juntam anarquistas, extremistas de esquerda e de direita, "punks" e delinquentes, em um complexo amálgama. As reivindicações aumentam, indo do "passe livre" ao protesto contra a Copa de 14, antes comemorada. Protesta-se contra tudo e contra todos, e as passeatas terminam quase sempre em bloqueios de avenidas e estradas, pichações, depredações, tentativas de incêndio e saques, sob o olhar de uma polícia que oscila entre a violência e a inação.
Até onde tais protestos irão e quais os benefícios ou malefícios que poderão trazer ao país e ao nosso sofrido povo, ainda não sabemos. Todavia, como disse uma conceituada criminalista e professora da USP, imediatamente censurada pelos politicamente corretos de ocasião, é preciso muita reflexão e cautela para que, no meio dos atuais movimentos, não surja o ovo da serpente da ditadura.
Os que passamos por ela sabemos que não existe nada pior, e quantas mortes, torturas e desaparecimentos causou.
Como afirmou Winston Churchill, a democracia é um péssimo regime, mas não se inventou nenhum melhor do que ela; e, parodiando o que o grande líder disse sobre a luta contra o nazismo, precisamos lembrar que nossa redemocratização também custou "sangue, suor e lágrimas" ...
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* Roberto Delmanto é advogado do escritório Delmanto Advocacia Criminal.