Recentemente, o STJ manifestou-se sobre tema bastante importante para o contencioso de propriedade industrial.
Após anos de debates e incertezas, com decisões contraditórias proferidas no âmbito dos TRFs, o STJ, por maioria de votos, entendeu pela impossibilidade da cumulação, numa mesma ação, do pedido de nulidade de registro de marca com o pedido de indenização por perdas e danos decorrentes da utilização ilegal da marca (Rel. Min. Luis Felipe Salomão, REsp 1.188.105-RJ).
Nesta ação, a parte autora formulou dois pedidos perante a Justiça Federal: a nulidade de registro da marca e a concessão de indenização por perdas e danos, em razão do uso ilegal da marca. O primeiro pedido foi formulado contra o INPI - Instituto Nacional da Propriedade Intelectual e contra a sociedade que havia obtido, indevidamente, o registro da marca, enquanto o segundo foi dirigido apenas contra essa última.
De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, como o pedido de indenização por perdas e danos foi feito apenas contra a sociedade que havia obtido o registro, e não contra o INPI, a competência para apreciar e julgar o pedido seria exclusiva da Justiça Estadual, em razão do art. 109, I, da CF, que prevê a competência da Justiça Federal exclusivamente nas causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal figurarem como autoras, rés, assistentes ou opoentes (com exceção às ações falimentares, de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e do Trabalho).
Assim, em que pese o pedido de nulidade do registro da marca ter sido formulado contra o INPI e contra a sociedade, o pedido de indenização por perdas e danos pelo uso indevido foi dirigido apenas à sociedade empresária, o que não seria suficiente para atrair a competência da Justiça Federal para analisar esse pedido específico. Tratar-se-ia, segundo o ministro Luis Felipe Salomão, de cumulação indevida de pedidos, já que a cumulação só é admitida quando o mesmo Juízo é competente para conhecer de todos (CPC, art. 292, § 1º, II), o que não seria o caso.
A ministra Maria Isabel Gallotti proferiu voto divergente, no sentido de que a Justiça Federal poderia, na hipótese, decidir sobre o pedido indenizatório, na medida em que a indenização seria mera consequência da procedência do pedido de nulidade de registro de marca. Nas palavras da ministra, o pedido indenizatório “é uma consequência necessária do uso indevido da marca”, sendo que “a ausência de danos apenas ocorreria se se comprovasse que não foi usada a marca colidente”.
Se essa recente decisão do STJ vai encerrar a controvérsia sobre o tema, apenas o tempo vai dizer. No entanto, é inegável que a impossibilidade de cumulação dos pedidos de nulidade de registro de marca com o de indenização pelo uso ilegal da marca representará, na prática, um retrocesso, na medida em que dificulta sobremaneira a efetiva tutela dos direitos marcários pelos particulares. De fato, em que pese o artigo 292, § 1º, II, do CPC, restringir a possibilidade de cumulação de pedidos, admitindo-a apenas quando o mesmo Juízo é competente para conhecer de todos, entendemos que tal norma deve ser interpretada em conjunto com as demais disposições legais existentes e, ainda, de forma a viabilizar o acesso à Justiça e a efetiva prestação jurisdicional.
O art. 175 da lei de Propriedade Industrial (lei 9.279/96) prevê a competência da Justiça Federal para julgar a ação de nulidade de registro concedido pelo INPI, evidenciando o intuito da norma em trazer para a competência desta, exclusivamente, os conflitos decorrentes do registro marcário.
Sob outro enfoque, o pedido de indenização (assim como o pedido de abstenção de uso) é mera consequência lógica do pedido de nulidade de registro irregularmente deferido. Nesse contexto, parece-nos que separar as competências para julgar os pedidos de nulidade de registro de marca e de indenização pelo uso ilegal poderá causar o risco de decisões conflitantes e incompatíveis, o que deve ser evitado.
Finalmente, conforme constou do voto divergente da ministra Gallotti, negar a competência da Justiça Federal ao julgamento do pedido indenizatório representaria, na prática, deixar “para decisão em outra ação na Justiça Estadual simplesmente a liquidação dos prejuízos causados pela utilização ilegal da marca”.
Isso porque, decidida a questão da nulidade de registro de marca de forma definitiva, por decisão transitada em julgado, só faltaria à Justiça Estadual liquidar o dano incorrido pela sociedade autora. Afinal, como já se decidiu em reiteradas ocasiões, inclusive pelo STJ, uma vez constatada violação a direitos de propriedade industrial, presume-se a ocorrência de danos ao detentor do direito, independentemente da demonstração do efetivo prejuízo pecuniário, em decorrência da própria natureza do ilícito praticado (Rel. Ministra Nancy Andrighi, REsp. 466.761/RJ).
Em conclusão: em que pese a decisão proferida pelo STJ, parece-nos que há bons argumentos para se atribuir à Justiça Federal a competência para também julgar o pedido indenizatório, quando a ação versar sobre nulidade de registro concedido pelo INPI, uma vez que, nessas circunstâncias, o pedido indenizatório é mera consequência do acolhimento do pedido principal de nulidade de registro.
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* Andrea Zoghbi Brick e Gustavo Loureiro são advogados e, respectivamente, sócia e associado da área de Contencioso Cível de Trench, Rossi e Watanabe Advogados.