Migalhas de Peso

A discussão dos royalties do petróleo e o domínio jurídico-constitucional do mar no Brasil

A caracterização do mar ao longo da história constitucional brasileira e a sua identificação como objeto de exploração econômica a partir da questão dos royalties do petróleo.

27/5/2013

O presente art. versa sobre a caracterização do mar no histórico constitucional brasileiro e a sua identificação como objeto de exploração econômica a partir da discussão dos royalties do petróleo.

Parte-se da análise das constituições brasileiras e suas identificações (ou omissões) do mar como bem da União, notando a caracterização gradual do mar como bem de interesse nacional, em especial por sua potencialidade econômica, após as conferências das Nações Unidas sobre direito do mar.

Logo após, adentra-se à polêmica dos entes federados e a distribuição das indenizações decorrentes da atividade de exploração petrolífera (royalties) na plataforma continental brasileira, inclusive analisando a ADin 4.917 de autoria do governo do Estado do RJ em face da lei 12.734/12 que previu nova distribuição dos royalties – também analisada nas principais alterações que traz à legislação tradicional.

Por se tratar de tema delicado envolvendo o princípio do pacto federativo, reflete-se a também a prioridade entre o atendimento do direito adquirido dos entes produtores e o direito à distribuição social e regional de riquezas.

A proteção constitucional do Mar nas Constituições brasileiras

Apesar da extensa costa marítima que divisa o território nacional, pode-se observar que, historicamente, a tutela específica e a preocupação relacionada à proteção da zona marítima no Brasil é relativamente recente. Uma das principais questões relaciona-se com temas político-estratégicos militares além da possibilidade de exploração dos seus recursos, elevando o mar à condição de bem da União somente na CF/67.

O Mar apresenta-se da seguinte maneira nas Constituições brasileiras:

1824 – As únicas referências situam-se no âmbito militar:

Da Força Militar.

Art. 145. (...)

Art. 146. Emquanto a Assembléa Geral não designar a Força Militar permanente de mar, e terra, substituirá, a que então houver, até que pela mesma Assembléa seja alterada para mais, ou para menos.

Art. 147. (...)

Art. 148. Ao Poder Executivo compete privativamente empregar a Força Armada de Mar, e Terra, como bem lhe parecer conveniente á Segurança, e defesa do Imperio.

Art. 149. (...)

Art. 150. Uma Ordenança especial regulará a Organização do Exercito do Brazil, suas Promoções, Soldos e Disciplina, assim como da Força Naval.

1891 – Força militar e navegação de cabotagem:

Art 13 - O direito da União e dos Estados de legislarem sobre a viação férrea e navegação interior será regulado por lei federal.

Parágrafo único - A navegação de cabotagem será feita por navios nacionais.

Art 14 - As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior.

1934 – Não há menção ao mar nos domínios da União:

Art 20 - São do domínio da União:

I - os bens que a esta pertencem, nos termos das leis atualmente em vigor;

II - os lagos e quaisquer correntes em terrenos do seu domínio ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam a território estrangeiro;

III - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas fronteiriças.

Art 21 - São do domínio dos Estados:

I - os bens da propriedade destes pela legislação atualmente em vigor, com as restrições do art. antecedente;

II - as margens dos rios e lagos navegáveis, destinadas ao uso público, se por algum título não forem do domínio federal, municipal ou particular. “

1937 – Não há menção ao mar nos domínios da União:

Art 36 - São do domínio federal:

a) os bens que pertencerem à União nos termos das leis atualmente em vigor;

b) os lagos e quaisquer correntes em terrenos do seu domínio ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam a territórios estrangeiros;

c) as ilhas fluviais e lacustres nas zonas fronteiriças.

Art 37 - São do domínio dos Estados:

a) os bens de propriedade destes, nos termos da legislação em vigor, com as restrições cio art. antecedente;

b) as margens dos rios e lagos navegáveis destinadas ao uso público, se por algum título não forem do domínio federal, municipal ou particular.

1946 – Também não há menção ao mar nos bens da União:

Art 34 - incluem-se entre os bens da União:

I - os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos do seu domínio ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limite com outros países ou se estendam a território estrangeiro, e bem assim as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países;

II - a porção de terras devolutas indispensável à defesa das fronteiras, às fortificações, construções militares e estradas de ferro.

Art 35 - incluem-se este os bens do Estado os lagos e rios em terrenos do seu domínio e os que têm nascente e fez no território estadual.

1967 – Inclui a plataforma continental entre os bens da União:

Art 4º - Incluem-se entre os bens da União:

(Omissis)

III - a plataforma submarina;

III - a plataforma continental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969)

(Omissis)

1988 – Fez a divisão conforme a Convenção das Nações Unidas de Direitos do Mar, excetuando a Zona Contígua:

Art. 20. São bens da União:

(Omissis)

V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;

VI - o mar territorial;

(Omissis)

Foi partindo das I e II Conferências das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ocorridas em Genebra nos anos de 1958 e 1960, respectivamente, que se pôde, enfim, dar maior importância ao mar como território soberano e potencial área de exploração econômica além da pesca1. Isso resultou, como referido, em sua inclusão no texto constitucional de 1967 como domínio da União.

Entretanto, é na década de 1980 que se pode notar mais ênfase no tratamento econômico e jurídico do mar, visto sua especificação em "mar territorial", "zona econômica exclusiva" e "plataforma continental" na CF/88. Além disso, o surgimento de legislação específica e de estudos realizados pelo IBGE referente às linhas de projeção das fronteiras dos entes federados à plataforma continental, em meados da daquela década, constituiria relação intensa entre os royalties do petróleo e a extensão marítima.

A soberania marítima brasileira e a nova regulamentação da exploração de petróleo

A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar ("Convenção de MontegoBay"), de 1982, originada da III Conferência das Nações Unidas sobre Direito do Mar, de 1973, foi ratificada pelo Brasil em 22 de dezembro de 1988, após ser referendada pelo Congresso Nacional em dezembro de 1987 (decreto legislativo 05/87), entrando em vigor efetivamente em 16 de novembro de 1994, conforme decreto 1.530, de 22 de junho de 1995.

Sua importância para o tema é ímpar porque estabeleceu distinções na compreensão que se tinha da extensão da soberania marítima brasileira até a CF/88, promulgada já sob os auspícios da referida convenção.

O antigo decreto-lei 1.098, de 25 de março de 1970 estabelecia 200 milhas náuticas para o mar territorial brasileiro. Esse entendimento, contudo, foi sendo substituído após a ratificação da Convenção de MontegoBay, que estabeleceu em até 12 milhas náuticas2 a largura do mar territorial, além de estabelecer novas limitações e divisões das águas marinhas como a Zona Contígua (ZC) – até 24 milhas desde a linha de base; Zona Econômica Exclusiva (ZEE) – até 200 milhas desde a linha base; Plataforma Continental – em princípio, até 200 milhas desde a linha de base; e prezar pela proteção dos fundos marinhos e recursos naturais3.

Deveras, o tema foi finalmente internalizado e adentrou o ordenamento jurídico nacional com a edição da lei 8.617/93 que regulamenta as três zonas mais a plataforma continental e revoga o decreto-lei 1.098/70.

Como a CF/88 estabelece no art. 20 serem bens da União, respectivamente, os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva, e o mar territorial, foi editado o decreto 98.145/89 que instituiu o LEPLAC - Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira para confecção de análises que pudessem estabelecer o real limite da Plataforma Continental, conforme autorização do art. 76 da Convenção – limitação máxima de até 350 milhas da Plataforma Continental.

O Brasil pleiteou na Comissão de Limites da Plataforma Continental da ONU uma área total de 960.000 Km², além do limite de 200 milhas. Entretanto, em 2007 a Comissão não aceitou o pedido integralmente e, hoje, ainda se estuda nova proposta a ser apresentada4.

Para se ter mais clara a relação entre os royalties petrolíferos e a denominada "Amazônia Azul"5 (acepção dada aos limites jurídicos extremos do território marítimo brasileiro), constata-se que as áreas petrolíferas compreendidas nos grandes campos de petróleo e gás como "Tupi", "Carioca", "Guará" e "Júpiter", localizados na costa sudeste-sul do Brasil, estão em área limítrofe da ZEE, e mais outras áreas além desse limite têm formação geológica semelhante às já descobertas6 , o que torna enfática a defesa de ampliação de limites da plataforma continental.

A questão dos royalties da exploração do petróleo ocupa espaço intenso dos meios de comunicação, do Congresso Nacional e das Assembleias e Governos estaduais desde a divulgação da descoberta, pela Petrobras, do petróleo da camada do pré-sal, em 2008.

Como dito, a Constituição estabelece o mar como limitado nessas condições à pesquisa e lavra da União, permitindo-lhe conceder os direitos de exploração a empresas, nacionais e estrangeiras (art. 177 e §1º), e assegurar participação no resultado da exploração aos Estados, Distrito Federal e Municípios (§1º do art. 20).

A alta quantidade a ser explorada, a boa qualidade do petróleo (“petróleo leve”) e a produtividade que se espera nos próximos anos levaram os entes federativos a ampliar a já antiga7 “guerra das linhas de projeção”8 para uma guerra entre “produtores” e “não-produtores”, resultando na edição da lei 12.734/12.

Sancionada a princípio sob vetos presidenciais, a lei das “novas regras de distribuição entre os entes da Federação dos royalties e da participação especial devidos em função da exploração de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos” teve os vetos rejeitados pelo Congresso Nacional e foi promulgada integralmente pela Presidenta da República em 25 de março de 2013.

A lei 12.734/12 modificou as lei 12.351/10 e 9.478/97 e teve como principais alterações, em síntese:

1. Previu a transferência dos royalties e da participação dos Estados e Municípios confrontantes à plataforma continental, reduzindo as percentagens sobre a produção sucessivamente até os anos de 2018 e 2019, para um fundo especial constituído destinado a redistribuir os recursos oriundos dos royalties aos Estados e Municípios não confrontantes ou não produtores – em realidade são dois fundos especiais, um para os Estados e outro para os Municípios;

2. Esses fundos especiais terão como objetivo a destinação de recursos para: educação, infraestrutura social e econômica, saúde, segurança, programas de erradicação da miséria e da pobreza, cultura, esporte, pesquisa, ciência e tecnologia, defesa civil, meio ambiente, em programas voltados para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, e para o tratamento e reinserção social dos dependentes químicos, conforme o art. 50-F incluído na lei 9.478/97;

3. A redistribuição far-se-á desta maneira: os Estados e Municípios confrontantes ou produtores à plataforma continental poderão escolher entre o fundo especial e a percentagem proveniente da produção dos royalties e da participação especial a serem distribuídos, após ter conhecimento dos respectivos valores. Escolhendo a divisão do fundo especial, que se fará conforme a divisão já existente do Fundo de Participação dos Estados ou do Fundo de Participação dos Municípios, o ente federativo não poderá obter a parcela compensatória dos royalties e da participação especial que será acrescida automaticamente ao fundo especial;

4. Aqueles entes confrontantes que receberão recursos dos royalties e participação especial não poderão receber suas parcelas do FPM ou FPE que serão redistribuídas entre os que não o são, proporcionalmente às suas participações;

5. Mais: há um teto para perceber os valores somados dos royalties e da participação especial. Conforme a nova lei, o teto é limitado para os entes ao maior valor: ou o total arrecadado em 2011 ou por meio do cálculo de duas vezes o valor per capita distribuído pelo FPM multiplicado pela população do Município – o mesmo para o FPE. Isto é, a quantia que for mais alta dentre os dois meios. A parcela (seja de royalty, seja de participação especial) que contribuir para ultrapassar esse teto (limite de pagamento ao Município) será transferida para o fundo especial criado; e

6. O art. 4º e seus incisos da lei 12.734/12 trataram de revogar seis dispositivos das lei 9.478/97 e 12.351/10 que dispunham sobre: (i) a constituição dos royalties como recurso do Fundo Social, previsto na lei. 12.351/10, este destinado a custeio do desenvolvimento social e regional, das medidas sociais contra a pobreza e miséria, da ciência e da tecnologia, etc.; assim como, (ii) dispunham outros sobre a destinação específica, dos recursos provenientes dos royalties, de 40% do recebido pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação para o desenvolvimento técnico-científico das regiões Norte e Nordeste. Em suas razões para o veto, a Presidenta da República o justificou para garantir a destinação dos recursos ao desenvolvimento regional.

Após a publicação da lei em 30 de novembro de 2012, com todas as alterações referidas vetadas, foi editada a MP 592, de 03 de dezembro de 2012.

De acordo com a Exposição de Motivos dos Ministérios da Fazenda e de Minas e Energia enviada juntamente com a Mensagem da Presidência ao Congresso Nacional, a MPV surgira:

1. Para respeitar o direito adquirido dos entes produtores que tornaram a receita dos royalties objeto de securitização ou operação de antecipação de recebíveis. Isto é, para garantir “a estabilidade das relações jurídicas já estabelecidas”, anteriores a 03 de dezembro de 2012 – algo que a lei 12.734/12 não respeitou (note-se que a exposição refere-se à lei, já publicada no dia 30 de novembro de 2012, como PL 2.565/11);

2. Para garantir a mesma distribuição de receitas concebida na lei. 12.734/12, mas com correção de cálculo total;

3. Para garantir a destinação integral dos recursos de contratos de concessão assinados após o dia 03 de dezembro de 2012 para a educação;

4. Para destinar 50% dos recursos do Fundo Social criado pela lei. 12.351/10 à educação e, inclusive, destinar toda a receita advinda dos contratos de exploração da camada pré-sal para o Fundo Social (disposição revogada pelo art. 4º da lei. 12.734/12).

5. Como medida de urgência, porquanto a realização de novas licitações de blocos e a produção de petróleo com base em regras claras e firmes era uma necessidade premente. Com efeito, o início da 11ª Rodada de Licitação de Blocos ocorreu no dia 14 de maio de 2013, algo que não acontecia desde a última rodada em 20089.

Os vetos opostos pela Presidenta foram rejeitados pelo Congresso Nacional, resultando na promulgação em 25 de março de 2013 da segunda parte da lei. 12.734/12. A MP 592 perdeu sua vigência em 12 de maio de 2013, mas, antes disso, sua discussão no Senado Federal foi sobrestada em abril até que fosse julgada a ADin 4.917 no STF.

Observe-se que do diálogo entre Poder Legislativo e Executivo sobressai o seguinte: a redução das percentagens destinadas aos Estados e Municípios confrontantes e o consequente aumento da participação da União, junto com a constituição dos fundos, são pacíficos, como bem demonstra a Exposição de Motivos da MP 592 no parágrafo 6,

6. Ao mesmo tempo, para restabelecer as relevantes proposições do Congresso Nacional, formuladas no mais elevado espírito de interesse público, encaminha-se proposta de distribuição mais equitativa entre os entes federados dos recursos a serem arrecadados com royalties e participações especiais oriundos de novos contratos de concessão. Nesse sentido, estão sendo sugeridas alterações na lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, garantindo a distribuição de royalties e participações especiais da produção em mar, na proporção aprovada no PL 2565/11 aplicável, contudo, apenas para os contratos de concessão futuros.

A grande polêmica gira em torno dos critérios de distribuição desses recursos focalizados em dois fundos (Social e Especial). Não é por acaso serem esses critérios, e não a distribuição de percentagens, os objetos de veto.

Os royalties do petróleo e a tensão entre o Legislativo e os outros poderes

Após a promulgação da lei. 12.734/12 o Estado do RJ protocolou por meio de seu Governador, ADin, ação que foi seguida pelo Estado do ES e pelas Assembleias Legislativas do RJ e de SP. Apesar do veto presidencial ter sido derrubado pelo Congresso, a MP 592/12, segundo relatório da Controladoria-Geral da União, não foi revogada, restando o ponto conflitante sobre a questão da distribuição dos royalties.

A ADIn com pedido de medida cautelar foi ajuizada pelo Rio de Janeiro em 15 de março de 2013. Foi julgada pela Ministra Cármen Lúcia em 18 de março de 2013, a qual entendeu procedente a medida cautelar, perante o risco à segurança jurídica, política e financeira dos Estados e Municípios que passariam a experimentar indeterminação em relação a quais regras deveriam orientar a distribuição dos royalties. Por isso, a Ministra suspendeu em caráter liminar, os efeitos de diversos dispositivos da lei. 9.478/97, que haviam sido alterados pela lei. 12.734/12.

Na sequência, além do Agravo Regimental interposto pelo Senado Federal em 25 de março de 2013, foram realizados vários pedidos de ingresso no feito na condição de Amicus Curiae por diversas entidades envolvidas como a Confederação Nacional dos Municípios, o Instituto dos Auditores Fiscais da Bahia, a OMPETRO, a ABRAMAT, a OAB do Rio de Janeiro, a AMPROGÁS, além dos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Tocantins, Alagoas, Bahia, Mato Grosso do Sul e Paraíba.

O Estado do Rio de Janeiro, além de aditar a Petição Inicial, apresentou resposta ao Agravo Regimental apresentado pelo Senado Federal, defendendo a manutenção da Liminar, contraditando os argumentos apresentados pelo Congresso na defesa da manutenção da lei. 12.734/12. Em 14 de maio o processo encontra-se concluso ao Relator e aguarda julgamento pelo Plenário do STF, momento em que deverão ser julgadas em conjunto as quatro ADIs que versam sobre a matéria (4916, 4917, 4918, 4920).

Algumas questões devem ser consideradas sobre o trâmite político e jurídico da presente questão. Primeiro, há considerável intervenção política dos três Estados do Sudeste (Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo) na presente matéria, sobressaindo-se o Estado do Rio de Janeiro, o mais afetado com as alterações legislativas promovidas. A intervenção política acabou por repercutir no uso do veto presidencial, que veio de ser derrubado pelo Congresso. Há de ser observado, também, uma deferência constante ao veto, tanto no parecer da AGU, bem como na liminar da Ministra Cármen Lúcia.

Os argumentos jurídicos que se tornaram objeto do debate foram o da “segurança jurídica” e do “direito adquirido”. Contudo, entende-se que não pode haver segurança jurídica ou direito adquirido sobre algo que não lhe pertence pacificamente.Para se tratar de direito adquirido, seria necessário que o fato aquisitivo tivesse se realizado por inteiro, não podendo haver direito adquirido sobre fatos geradores futuros, como no caso da extração de petróleo. Ainda, a segurança jurídica é elemento importante do ordenamento jurídico brasileiro, mas não pode ser usado como argumento que venha a obstar mudanças legislativas realizadas democraticamente pelos representantes do povo, sob pena de completa imobilização da prática legislativa. 10

Apesar de constar no art. 20 § 1º o seguinte: "É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.", não se pode dizer que este tema seja uma cláusula pétrea constitucional, ou que a alíquota não possa ser objeto de mudanças dispostas de acordo com a vontade política democrática.

No caso, não se entende como adequada a adoção de postura mais ativa do Judiciário no sentido de revogar legislação que, mesmo sendo objeto de disputas políticas e econômicas acentuadas, não fere qualquer dispositivo constitucional. Recomenda-se, nestas circunstâncias, uma postura deferente, de auto-contenção (self-restraint) por parte do Supremo Tribunal Federal, mesmo porque não atinge matéria sensível à democracia, não obsta a participação política de qualquer minoria ou parcela da população em sua autodeterminação, além de não atingir parte sub-representada ou minoritária política.Em verdade, trata-se do oposto: aqueles que foram atingidos pela nova legislação estão acostumados a usufruir de sua preponderância econômica e estratégico-política para continuar em posição avantajada em relação aos outros Estados da Federação.

Aquilo que pode ser observado, ainda, é a atuação por parte dos Estados como atores econômicos e não necessariamente públicos, preocupados estritamente com a destinação de recursos para si ou para seus municípios, independentemente da estrutura política que subjaz ao pacto Federativo nacional ou das consequências que a nova forma de distribuição dos royalties pode promover no cenário nacional, inclusive, temas muito sensíveis como o destino das verbas dos royalties.

Com razão, portanto, a MP 592/12 que procurou destinar as arrecadações dos royalties para a Educação, além da partilha específica do Pré-sal. O cenário de debate é importante devido àquilo que acontece atualmente, que implica na inserção destas verbas em receita corrente líquida, o que possibilita ampla liberdade para a destinação destas preciosas arrecadações e o atual uso não vinculado e nem sempre responsável por parte dos Estados produtores.

De qualquer maneira, fatores de ordem pragmática foram mais importantes no julgamento da Liminar do que a consideração dos direitos envolvidos. Deve-se reconhecer que os direitos estão em diálogo necessário e constante com o plano fático, contudo, o pragmatismo não pode ser o único critério para a avaliação da adequação dos direitos, bem como não pode ser motivo que obste determinações democráticas estabelecidas pelo parlamento, não consubstanciando, por isso, o fundamento maior para a realização do controle de constitucionalidade por parte do STF.

Ademais, conforme disposto pelo art. 20, da CF/88, o petróleo pertence à União, que garante para si este bem tendo em vista a proteção estratégica de recursos limitados, o que subjaz é uma compensação para os produtores que recebem percentuais proporcionais à produção, além de parcela destinada a possíveis danos ambientais, acidentes ecológicos que possam vir a ocorrer; no caso, trata-se do fator do risco da exploração do petróleo e uma compensação em decorrência dele.

Sugere-se que deva haver uma presunção de legalidade por parte do STF ao tratar a presente matéria. No caso de dúvida por parte do magistrado quanto à constitucionalidade da matéria legislativa a opção a ser realizada deveria ser em prol da manutenção da lei, ante o seu fundamento de legitimidade mais direto ou do in dubio pro legislatore. Assim, para que a presunção de constitucionalidade seja afastada, devem ser apresentados argumentos suficientemente robustos que possam justificar a convicção do magistrado no sentido de que há uma contradição expressiva entre o dispositivo legal questionado e os valores constantes na Carta constitucional. 11

Outro ponto que mereceria reflexão mais aprofundada seria uma leitura substantiva do Art. 3º, III da Constituição, no sentido da redução das desigualdades regionais, e a adoção de critérios de justiça para a redistribuição das verbas que acabam por ser concentradas na União. Perceba-se que, no caso, o embate se coloca sob diferentes prismas. De um lado, o Estado do Rio de Janeiro demanda, oportunisticamente, um fortalecimento do Federalismo, mesmo tendo sido historicamente muito beneficiado pela União; a União, por sua vez, procura conferir alguma destinação para as verbas dos royalties, ante o temor justificado do uso desvinculado e irresponsável por parte dos Estados destas verbas; e, por fim, os Estados e Municípios não-produtores, que demandando sua parcela na distribuição dos royalties formaram maioria no Congresso e reformularam a distribuição dos mesmos.

O federalismo fiscal e critérios para a distribuição de riquezas

Ao se tratar do federalismo fiscal, nota-se que ele é definido por três características.(i) O governo central adota o papel de líder político, buscando exercer estabilização macroeconômica, ao introduzir medidas básicas para a redistribuição de renda, além de promover a gestão dos bens públicos nacionais; (ii) trata das entidades subnacionais: a elas cabe a prestação eficaz dos serviços públicos locais; (iii) o terceiro ponto trata da arrecadação, em que as espécies tributárias devem ser analisadas a partir da competência. No plano local, entende-se que os impostos deveriam ser prevalentemente territoriais. Quanto à União, esta deveriacuidar datributação progressiva, tutelando a redistribuição de renda. Aos entes federados, devem existir mecanismos de subsídios. Logo, com a repartição da renda,tornar-se-ia possível corrigir problemas de desigualdades sociais. Trata-se do chamado “Federalismo Cooperativo”. 12

Outra perspectiva a respeito do assunto toma como base a Teoria da “PublicChoice”.13 Neste modelo está compreendido o “Federalismo Competitivo”, ou seja, baseado no conceito de concorrência. Tem como fundamento a tese de que a concorrência entre os diferentes Estados pode ser produtiva por duasrazões: (i) com o escopo de limitar o poder tributário do governo central, fortalecendo os Estados federados e, como consequência, possibilitando que as leis de mercado comandem a economia;(ii) as políticas públicas devem ser aprimoradas, garantindo a liberdade para os Estados atrair investidores, desenvolvendo sua economia e infraestrutura. Ainda, no caso do “Federalismo Competitivo”, o papel do político limita-se a de um administrador, que tem como objetivo atender não mais ao interesse público, mas aos interesses do mercado. Trata-se da ruptura da divisão entre o público e o privado, sendo que os fatores econômicos passam a figurar e determinar abertamente o contexto político.14

A centralização – inicialmente adotada pelo “New Deal” – foi colocada de lado quando se percebeu a necessidade de colaboração dos Estados da Federação para a execução das políticas públicas. Trata-se da cooperação ou do “Federalismo Cooperativo”. O federalismo a partir deste momento tornou-se um “instrumento da promoção do bem-estar coletivo”.

No Brasil,o “Federalismo Cooperativo” foi adotado pela CF/88 em seu art. 23 (competências comuns).15 Por isso, procurou dispor as matérias de competência comuns para todos os entes: União, estados-membros e municípios. Este modelo justifica-se pelo fato de que Brasil incorporou os valores relativos a um Estado robusto, interventor, que procura promover o bem estar social.

Logo, faz sentido identificar a proposta de um “Federalismo Cooperativo”, com a de um Estado de bem-estar social, pois se procura desenvolver uma homogeneização, através da qual os entes da Federação, em conjunto,16 buscam de forma progressiva a redução das desigualdades regionais e sociais, com fundamento, especialmente, no princípio da solidariedade.

Entende-se, portanto, que um debate sobre os temas acima suscitados se faz necessário em escala mais ampla no Brasil, envolvendo um maior número de atores sociais, que apresentem argumentos que guardem coerência com as práticas histórico-institucionais das entidades envolvidas, de modo a reestruturar o modelo de distribuição de distribuição das riquezas produzidas contemporaneamente em solo pátrio, diminuir as desigualdades regionais, proteger de maneira integral aos recursos naturais, equacionando o desenvolvimento e a sustentabilidade, além de procurar redefinir as linhas que definem o Federalismo no país, como no caso atinente à Reforma Tributária.

Propõe-se, por isso, remodelar a instrumentos do planejamento que equilibrem as forças políticas e econômicas da União e dos entes subnacionais, além da promoção da preservação da autonomia orçamentária, reformulando a política Fiscal exercida nos últimos anos, em que os Estados e Municípios passaram à condição política subserviente em relação à União, em razão dos mecanismos de controle da dívida pública, da gestão do seu orçamento, demandando, por isso, uma descentralização da União e a promoção genuína do federalismo.

A oportunidade em relação à divisão dos royalties do petróleo apresenta-se como ponto de viragem para desenvolvimentos necessários a serem realizados em todo o País, e não apenas em regiões que tiveram a sorte, com base na “loteria natural” de possuírem mais recursos naturais, conforme a divisão das linhas de projeção territoriais, do que outras. A reconsideração de tais temas poderia promover, em um cenário otimista, uma emancipação genuína dos Estados federados e dos Municípios, com sua entrada em uma “maioridade” política e econômica.

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Referências

1 GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional Público, 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 202.

2 1 milha náutica = 1.852 metros.

3 GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional Público, 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 204-214.

4 CAVALCANTI, Vanessa Maria Mamede. Plataforma continental: a última fronteira da mineração brasileira. Brasília: DNPM, 2011, p. 15-18. Nova proposta, autorizada pela Lei n. 11.824/2008, está sendo estudada a partir de novos dados geofísicos realizados até 2010, de acordo com a Marinha do Brasil. (LEPLAC. Disponível em: <_https3a_ www.mar.mil.br="" dhn="" ass_leplac.html="">. Acesso em 16 de maio de 2013).

5 Expressão cunhada pelo Comandante da Marinha Roberto de Guimarães Carvalho.

6 O ESTADO DE S. PAULO. A nova fronteira marítima. In: Editorial de opinião. Disponível em: https://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-nova-fronteira-maritima,608963,0.htm. Acesso em: 16 de maio de 2013.

7 A discussão estaria adstrita na interpretação da lei n. 7.525/1986 e suas previsões sobre as linhas ortogonais e retas (o que causaria desigualdade territorial nos estados do Piauí e Paraná), e possíveis alternativas como o traçado por meio de meridianos e paralelos.

8 Instituídas pelo IBGE na década de 1980 (Decreto n. 93.189/1986), as linhas de projeção territoriais estabelecem a área de influência triangular de um Estado até o limite plataforma continental, o que lhe autoriza a requerer os recursos compensatórios da exploração petrolífera no mar.

9 Disponível no site da Agência Nacional do Petróleo (ANP) (“11ª Rodada tem arrecadação recorde” <_https3a_ www.anp.gov.br="" pg="65961&m=&t1=&t2=&t3=&t4=&ar=&ps=&cachebust=1368813723078">. Acesso em: 16 de maio de 2013).

10 Com relação ao direito adquirido Gilmar Mendes lembra que: “É bem verdade que, em face da insuficiência do princípio do direito adquirido para proteger tais situações, a própria ordem constitucional tem-se valido de uma ideia menos precisa e, por isso mesmo, mais abrangente, que é o princípio da segurança jurídica enquanto postulado do Estado de Direito. A revisão radical de determinados modelos jurídicos ou a adoção de novos sistemas ou modelos suscita indagações relevantes no contexto da segurança jurídica. A ideia de segurança jurídica torna imperativa a adoção de cláusulas de transição nos casos de mudança radical de um dado instituto ou estatuto jurídico. Daí por que se considera, em muitos sistemas jurídicos, que, em casos de mudança de regime jurídico, a não adoção de cláusulas de transição poderá configurar omissão legislativa inconstitucional grave.” MENDES, Gilmar. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.p. 429.

11 COMELLA, Víctor Ferreres. Justicia constitucional y democracia. Madrid: CEPC, 1997.

12 OATES, Wallace. Toward a Second Generation Theory of Fiscal Federalism.Disponível em: <_https3a_ www.studistato.unifi.it="" upload="" sub="" rapallini="" oates2005.pdf="">Acesso em 15 de maio de 2013, p. 350-355.

13 A teoria da Escolha Pública (PublicChoiceTheory) surgiu como uma teoria independente da Economia Política. Trata-se de uma análise do campo político a partir “de uma extensão da aplicação de ferramentas e métodos econômicos para decisões coletivas ou tomada de decisões fora do mercado. Em resumo, a Escolha Pública não é nada mais do que a aplicação de ferramentas econômicas à política. Esta abordagem redireciona a ênfase do campo econômico para além do mercado, ou seja, para todos os processos de acordo voluntário entre as pessoas. Modelando a ação coletiva em termos de tomadores de decisões individuais como unidade Basica (...), os economistas podem analisar a política e o processo político em termos do paradigma da catalática. A perspectiva da Escolha Pública estuda o processo político de uma maneira diferente da Ciência Política. Enquanto esta estuda os processos políticos sob ponto de vista do poder e da força, aquela considera os processos de troca que emergem dentro de um processo político. (...) O postulado homo economicusdiz que os indivíduos agem conforme os seus próprios interesses no sentido de maximizar a sua utilidade de acordo com as restrições que encontram. As decisões públicas sobre as alternativas existentes são feitas dentro das restrições existentes no conjunto de regras vigentes (....) análise de “PublicChoice” de um comportamento político: os eleitores gostam de receber benefícios com os gastos públicos e detestam pagar tributos; por outro lado, políticos eleitos procuram satisfazer seus eleitores”. FERREIRA, Ivan FecurySydrião. A Economia política do endividamento público em uma federação: um estudo comparativo entre o Brasil e os Estados Unidos. FAZENDA, Ministério. Finanças Públicas III Prêmio de Monografia – tesouro nacional. Brasília DF, 1999.p. 1569

14 OATES, Wallace; Toward a Second Generation Theory of Fiscal Federalism,op. cit., p. 356-340.

15 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…) Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

16 Segundo Gilberto Bercovici, não existindo supremacia de nenhuma das esferas da Federação, todas devem colaborar. Há dois momentos da cooperação: o primeiro é federal, quando se determina, em conjunto, as medidas a serem adotadas pelos poderes competentes. O segundo, por sua vez, refere-se à adaptação da decisão.BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004. p. 60-61.

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Bibliografia

AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO. 11ª Rodada tem arrecadação recorde. Disponível em: <_https3a_ www.anp.gov.br="" pg="65961&m=&t1=&t2=&t3=&t4=&ar=&ps=&cachebust=1368813723078">. Acesso em: 16 de maio de 2013.

BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004.

CAVALCANTI, Vanessa Maria Mamede. Plataforma continental: a última fronteira da mineração brasileira. Brasília: DNPM, 2011.

COMELLA, Víctor Ferreres. Justicia constitucional y democracia. Madrid: CEPC, 1997.

FERREIRA, Ivan FecurySydrião. A Economia política do endividamento público em uma federação: um estudo comparativo entre o Brasil e os Estados Unidos. FAZENDA, Ministério. Finanças Públicas III Prêmio de Monografia – tesouro nacional. Brasília DF, 1999.

GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional Público, 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

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OATES, Wallace. Toward a Second Generation Theory of Fiscal Federalism.Disponível em: <_https3a_ www.studistato.unifi.it="" upload="" sub="" rapallini="" oates2005.pdf="">Acesso em 15 de maio de 2013p. 350-355.

O ESTADO DE S. PAULO. A nova fronteira marítima. In: Editorial de opinião. Disponível em: https://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-nova-fronteira-maritima,608963,0.htm. Acesso em: 16 de maio de 2013.

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* Bruno Meneses Lorenzetto e Pedro Henrique Gallotti Kenicke são advogados do escritório Clèmerson Merlin Clève - Advogados Associados

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