O novo regime automotivo Inovar-auto (lei 12.715/12) é política industrial de longo prazo para atrair investimentos no setor em inovação, engenharia de veículos e manufatura e compras de peças e insumos de produção no Brasil e região. Entre as principais exigências do novo Inovar-auto, lançado em 2012 e referente ao período de 2013 a 2017 estão investimentos mínimos em engenharia e inovação, além do compromisso de alcançar metas de eficiência energética nos modelos em 2017.
Para conseguir o abatimento de até 30 pontos percentuais no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), os grupos de montadoras também precisam cumprir índices de nacionalização nos modelos. Os fabricantes de carros deverão realizar seis das 12 etapas fabris necessárias no Brasil e ao menos 80% da produção. Este patamar será válido para 2013, mas subirá para sete etapas em 2014 e 2015, e para oito etapas em 2016 e 2017.
As empresas devem apresentar um projeto de investimento ao governo Federal com a capacidade de produção planejada para futura concessão de cota-crédito de IPI correspondente a 50% da capacidade de produção de veículos no documento. Isso significa, segundo a Anfavea - Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, que a empresa poderá importar, sem aumento no IPI, um modelo que pretenda fabricar no país, enquanto a produção dele não começa aqui.
O novo Inovar-auto é a clara manifestação, portanto, de interesse do governo brasileiro em incentivar a produção e competitividade nacional no setor. O Brasil é o quarto maior mercado consumidor de veículos no mundo, mas apenas o sétimo em volume de fabricação.
Alguns fatores como o atual potencial de consumo do mercado brasileiro, notadamente no setor automotor, principalmente quando comparado ao dos Estados Unidos e demais países da Europa, além da provável intenção das montadoras em se utilizarem dos investimentos no Brasil para adentrarem no Mercosul, utilizando-se de suas vantagens, são extremamente relevantes. Com todo esse cenário, no período de 2011 a 2015, a previsão é que 22 bilhões de dólares sejam gastos por montadoras que planejam ampliar a produção ou construir novas fábricas no Brasil, segundo a Revista Exame.
A chegada de grandes montadoras no país, consequentemente, acarretará uma produção em massa e o oferecimento, para o mercado consumidor, de diversas novas opções de veículos, equipamentos e acessórios. Nesse contexto, dada a elevada concorrência que se formará entre os fabricantes, o nível de exigência do consumidor automaticamente aumentará. O que se verá serão veículos saindo de fábrica bem equipados, com diversos acessórios, que antes despendiam custos adicionais ao consumidor. É o caso do ABS, dos air-bags e da direção hidráulica, por exemplo. Na Europa, há muito, esses equipamentos já saem de fábrica e os consumidores europeus optam, como acessórios, por diversas outras tecnologias.
Em resumo, ter-se-á mais concorrência entre as montadoras, mais opções de veículos, sendo estes bem mais equipados de fábrica e, certamente, uma briga por quem oferece melhores preços ou formas diferenciadas de pagamentos. Em um país onde a carga tributária eleva mais que o dobro o preço de alguns veículos, ao que parece essa nacionalização da fabricação de veículos e peças automotivas é benéfica para os consumidores.
As montadoras que se instalarem no Brasil, por outro lado, passarão a atuar em um mercado onde, segundo a Revista Exame, boa parte da população ainda anda a pé: há 155 carros para cada mil pessoas no Brasil, enquanto a proporção na Itália é de 690 para mil pessoas e, nos Estados Unidos, 815. Tudo isso leva a projeções bastante otimistas de vendas.
Além disso, não deixa de ser um bom negócio para as montadoras financiar os próprios veículos, como já fazem praticamente todas as montadoras do país, por meio de seus bancos. Os bancos das montadoras são fundamentais para otimizar o negócio, impulsionando e auxiliando nas vendas das montadoras e concessionárias, bem como para fidelizar os clientes, através de um atendimento diferenciado.
Como os juros oferecidos pelos bancos das montadoras são menores quando comparados aos bancos comerciais, tem-se aí um nicho de atuação com novas opções de ganho, considerando, novamente, que no Brasil o potencial de consumo do mercado é consideravelmente crescente.
Nesse contexto, porém, ao se analisar a realidade econômica do país, os bancos das montadoras se deparam com o grande problema da inadimplência. Segundo o jornal Valor Econômico, dados do BC mostram que os atrasos acima de 90 dias no crédito de veículos passaram de 2,5%, em dezembro de 2010, para 5,9%, em dezembro de 2012.
Para os bancos das montadoras, esse resultado da inadimplência em 2012 foi reflexo direto das concessões do ano anterior, já que com uma produção recorde de veículos em 2011 (3,4 milhões de unidades), os bancos de montadoras se viram obrigados a afrouxar os requisitos de crédito, para fomentar as vendas.
De acordo com notícia da Automotive Business, a taxa de inadimplência dos financiamentos de automóveis deve continuar a recuar lentamente em 2013, para 5% ou 4,9% até o fim do ano, permanecendo, porém, muito alta. Portanto, segundo a mesma notícia, o cenário do crédito para aquisição de veículos deve continuar restritivo em 2013, já que o total de contratos inadimplentes (em todas as modalidades) já atinge R$ 44 bilhões e mais de 20% da renda das famílias estão comprometidos. A perspectiva das instituições financeiras para a taxa de calotes em 2013, segundo a Febraban, é de 5,3%.
Entre outros fatores, a inadimplência também teve sua participação no aumento de 20% da média de contratos recebidos entre abril de 2011 a abril de 2013 pela equipe de recuperação de crédito da Ivan Mercêdo Moreira Sociedade de Advogados. Em 20 anos de atuação para bancos comerciais e, recentemente, para bancos de montadoras, o crescimento no volume de contratos recebidos tem sido significativo e representou, inclusive, novos investimentos na equipe e na estrutura física.
Por outro lado, a produção acelerada com o aumento de montadoras no Brasil pode aumentar os riscos de erro envolvendo manufaturas e montagens o que, certamente, eleva o número de recalls e problemas com consumidores. De 2009 a 2012, por exemplo, segundo o Boletim Recall do Ministério da Justiça, o número de recalls envolvendo veículos automotores e motociclos aumentou 62,8%. Para os fabricantes, o procedimento de recall é sempre custoso e desgastante, apesar de mostrar respeito pelo consumidor e evitar demandas judiciais por acidentes causados por defeitos nos veículos.
Em suma, a realidade do cenário econômico do mercado brasileiro tem incentivado a vinda de diversas montadoras para o país. Com isso, uma série de consequências surgem, envolvendo tanto o mercado consumidor quanto as estratégias adotadas pelas montadoras para superar a concorrência e para obter novos diferenciais lucrativos, como a própria criação de bancos para financiamento de veículos. Por último, dado o elevado índice de inadimplência no país, os bancos das montadoras precisam estar atentos às condições de financiamentos de veículos oferecidas e, também, à gestão estratégica da recuperação de crédito com relação a devedores.
Além disso, o aumento da produção e o acirramento da concorrência servem de alerta às montadoras para evitarem defeitos de manufaturas e montagens e, inclusive, exigem delas uma preparação estratégica para enfrentar novas demandas judiciais, de modo a diminuir os impactos em suas contas.
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* Igor de Souza Mercêdo Moreira e Ivan de Souza Mercêdo Moreira são membros do escritório Ivan Mercêdo Moreira Sociedade de Advogados