Migalhas de Peso

Quando a desobediência beira a má-fé

Uma febre deve ter acometido os empresários das operadoras, para que continuem enviando boletos com valores indevidos aos clientes ou deixem de pagar reembolsos de tratamentos de alto custo, mesmo com execução de multa diária.

16/5/2013

O mercado da saúde suplementar cresceu muito nos últimos anos, são 32 milhões de novos usuários com acesso a planos de saúde, enquanto que, inversamente, houve uma diminuição de 36% da quantidade de operadoras em atividade. O resultado dessa conta e a falta de políticas governamentais de fiscalização dos mesmos, vem provocando inúmeras reclamações sobre as más atuações das operadoras em órgãos de defesa do consumidor, como o IDEC -Instituto de Defesa do Consumidor – que registra a liderança do setor no ranking das queixas há mais de uma década - e na própria ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar. Dados da Agência apontam um aumento de 362% nas reclamações. Além disso, crescem nos tribunais as pilhas de processos para obtenção de liminares para atendimento ou tratamento e, ainda, contra abusos cometidos pelos planos. Os mais comuns dizem respeito a reajustes indevidos das mensalidades, negativas de procedimentos que estão previstos no rol da ANS, etc. Tudo indica que os planos perderam o controle de sua carteira de clientes na ganância de conquistar mais "vidas", como são chamados os que ingressam ou já são usuários. As operadoras não se importam com a saúde ou morte dos usuários, muito menos com a morte simbólica de suas reputações. As que têm maior número de clientes são também as que lideram as reclamações e problemas nos tribunais.

Mesmo considerando as dificuldades da Justiça em agilizar processos, em casos críticos ou crônicos, ela vem cumprindo sua função social ao conceder liminares para cirurgias ou tratamentos. Ocorre que os planos, agora, além de desrespeitar os clientes, com quem têm um contrato de prestação de serviços, também decidiram desrespeitar a Justiça. Uma reflexão mais demorada sobre essa desobediência, que vem sendo registrada cotidianamente, faz pensar no ditado "manda quem pode, obedece quem tem juízo". Considerando que juízo quer dizer bom-senso, estar em perfeita ordem mental, estariam os planos loucos?

E que tipo de loucura seria esta, a doença teria extrapolado suas barreiras de cuidador/cuidado? Uma febre deve ter acometido os empresários das operadoras, para que continuem enviando boletos com valores indevidos aos clientes ou deixem de pagar reembolsos de tratamentos de alto custo, mesmo com execução de multa diária de R$ 61.335,85, por descumprimento, como em recente caso da Sul América. Também não é incomum que pacientes em tratamento de câncer da Bradesco Saúde ou da Medial se vejam obrigados a custear seus procedimentos para que não haja a descontinuidade das terapias. Recentemente, a Unimed Rio deu mau exemplo ao comercializar planos que haviam sido cancelados pela ANS com outros nomes. A Agência, por sua vez, que deveria coibir o recurso ilícito, fez vistas grossas, autorizando o registro de 40 "novos"/velhos planos.

Quando a desobediência à Justiça, que já é um segundo recurso para que as empresas cumpram seu papel civil na sociedade, beira a má-fé e quando o órgão fiscalizador não fiscaliza, o mercado e a sociedade vão mal. Haverá tratamento para a falta de ética e do cumprimento da lei? Que homens são estes que agem como crianças, desobedecendo as ordens? Me parece que essa desobediência está ligada à falta de limites num país permissivo que não pune a corrupção como deveria, não considera crime e delito a negligência à saúde, o bem maior de uma população para que uma sociedade possa ser construída de forma sadia.

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* Renata Vilhena Silva é sócia-fundadora do escritório Vilhena Silva Sociedade de Advogados.

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