Os debates sobre a proteção eficaz de dados pessoais no Brasil precisam ser retomados. Embora diversos países, inclusive nossos vizinhos da América do Sul, há anos já possuam legislação que trata da matéria, o Brasil ainda parece engatinhar quando qualquer tema relacionado à internet vem à baila.
Recentemente, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor, capitaneou a consolidação de proposta a ser levada e inserida nos necessários debates do Congresso. Falta, no entanto, celeridade na tramitação do tema.
Ao que tudo indica, o texto sugerido tem clara inspiração nas diretivas europeias existentes sobre a temática, o que é excelente, por serem regras já utilizadas amplamente no cenário internacional.
O projeto estabelece, entre outros, o direito do cidadão a ser informado sobre a existência de seus dados pessoais em qualquer banco de dados e autorizar ou não sua permanência e uso. Além disso, fixa sanções administrativas em caso de infração.
Outro ponto a destacar na proposta é a possibilidade de formulação futura de um código de boas práticas pelas empresas responsáveis pelo tratamento de dados. Essa previsão sugere que um conjunto de regras adicionais, debatido por quem tem a experiência do dia a dia, independentemente dos trâmites legislativos, possa auxiliar na atualização permanente do assunto.
O texto também propõe a criação de uma autoridade de garantia, cujos detalhes serão especificados na regulamentação da lei. Parece que a ideia inicial é que esse órgão analise as medidas preventivas mínimas de segurança, devendo ser informado a respeito de eventuais acessos indevidos, perda ou difusão acidental de dados pessoais.
Por evidente, a proposta de instituição de regras aliadas às ferramentas garantidoras de seu cumprimento demonstra notória evolução, já que o país tem a sofrível tradição de, primeiro, criar direitos/deveres, para depois, em segundo e muitas vezes tardio momento, estudar as forma de cumprimento, fiscalização e atualização.
O projeto está bem elaborado; no entanto, o encaminhamento da temática precisa de agilidade, dada a indiscutível adesão em massa dos brasileiros aos canais da internet.
O governo é, inclusive, um dos maiores representantes da nação nesse mergulho de cabeça na rede. Nesse sentido, considerando que muitas informações altamente sigilosas relacionadas a um indivíduo são manipuladas pelo Poder Público, parece-nos lógico e transparente que este, prioritariamente, impulsione a celeridade dos debates e contribua para o deslinde da questão.
Não podemos admitir que a proposta de proteção de dados se arraste durante anos nas casas legislativas, como ocorreu com a lei de crimes eletrônicos.
O fato social em torno da matéria --evidente insegurança no tocante à manipulação de dados pessoais-- é incontestável. A importância que a sociedade dá ao tema também é patente. Portanto só falta mesmo a norma efetiva para que a matéria venha à luz no mundo do direito.
Logo, sendo impossível conceber qualquer retrocesso tecnológico (o cidadão de hoje não aceitaria menos), conclui-se que a fixação de regras claras sobre a manutenção de banco de dados, compartilhamento de informações, sigilo e responsabilização em caso de desconformidade é o alicerce mínimo para que se possa prosseguir, de forma saudável, nessa imersão tecnológica que tanto fascina a nação brasileira.
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** Este artigo foi originalmente publicado na Folha de S. Paulo.
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* Renato Opice Blum é CEO do escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados.