Como já noticiou a mídia reiteradamente, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de emenda constitucional 37/11, de autoria do deputado Lourival Mendes que, ab initio
A pretensão legislativa tem por objetivo inserir mais um parágrafo ao artigo 144 da CF/88, cuja redação é a seguinte:
Art. 144 -.....................................................
Parágrafo 10 – A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às policiais federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente.
Da simples leitura da pretensão em questão constata-se que o projeto visa apenas, se é que assim se pode dizer, eliminar o Ministério Público das investigações nas hipóteses contidas nos §§ 1º e 4º do mesmo artigo 144 nas situações que envolvam membros do poder público e interesses da União.
Independentemente das disposições previstas em legislações esparsas o citado parágrafo afronta os artigos 128 e 129 da Magna Carta, como bem preceitua o ilustre professor José Afonso da Silva: “Esses atos só podem ser praticados na forma de lei complementar respectiva. Não pode ser praticados senão em função de algum procedimento administrativo instaurado, sejam inquéritos civis, outras medidas ou procedimentos administrativos de competência do Ministério Público da União ou dos Estados e Distrito Federal. As notificações são expedidas como o fito de colher depoimentos u esclarecimentos. As requisições de informações, de exames periciais ou de documentos são dirigidas às autoridades federais, estaduais e municipais, assim como aos órgãos da Administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observadas- claro está – as regras de competência e autonomia das entidades públicas. Esse dispositivo configura os limites investigatórios dos membros do Ministério Público, que não podem fazer mais do requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. Requisitar a que órgãos? Àqueles que a Constituição deu competência para a apuração de infrações penais, que são a Polícia Federal e a Polícia Civil (art. 144, §§1º, I, e IV, e 4º).” ( Comentário Contextual à Constituição, 7ª., Ed., 2010, p. 615).
Esse entendimento não é pacífico, como se vê nas palavras de José Miguel Garcia Medina: “A atribuição constitucional não impede o reconhecimento do poder investigatório do Ministério Público, em matéria penal (cf. STF, HC 87.610, rel. Min.l Celso de Mello, 2ª T., j. 27.10.1009), ainda que de forma subsidiária e excepcional (STF, HC 84.965, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª t., j. 13.12.2011).”(Constituição Federal comentada, 2ª., edição, 2013, Revista dos Tribunais, p. 598).
Oportuno a nosso ver ainda que resumidamente o posicionamento de alguns ministros do STF, muito embora desde já adiantar não haver decisão definitiva sobre o mérito.
No HC 97.969 o rel. Min. Ayres Brito assim se manifestou: “1. Legitimidade do órgão ministerial público para promover as medidas necessárias à efetivação de todos os direitos assegurados pela Constituição, inclusive o controle externo da atividade policial ( incisos \ii e VII do art. 129 da CF/88). Tanto que a Constituição da República habilitou o Ministério Público a sair em defesa da Ordem Jurídica. Pelo que é da sua natureza mesma investigar fatos, documentos e pessoas. Noutros termos, não se tolera, sob a Magna Carta de 1988, condicionar ao exclusivo impulso da Polícia a propositura das ações penais públicas incondicionadas, como se o Ministério Público fosse um órgão passivo, inerte, à espera da provocação de terceiros. 4. Duas das competências constitucionais do Ministério Público são particularmente expressivas dessa índole ativa que se está a realçar. A primeira reside no inciso II do art. 129 (II – zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública caos direitos assegurados nesta constituição , promovendo as medidas necessárias à sua garantia). É dizer que o Ministério Público está autorizado pela Constituição a promover todas as medidas necessárias à efetivação de todos os direitos assegurados pela Constituição. A segunda competência está no inciso VII do mesmo art. 129 e traduz-se no “controle externo da atividade policial. Noutros termos, ambas as funções ditas institucionais são as que melhor tipificam o Ministério Público enquanto instituição que bem pode tomar a dianteira das coisas, se assim preferir.” (www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia, 18/4/13).
Por sua vez n o HC 87.610, rel. Min. Celso de Mello, transcrevemos algumas passagens de seu voto: “A outorga constitucional de funções de polícia judiciária à instituição policial não impede nem exclui a possibilidade de o Ministério Público, que é o dominus litis, determinar a abertura de inquéritos policiais, requisitar esclarecimentos e diligências investigatórias, estar presente e acompanhar, junto a órgãos e agentes policiais, quaisquer atos de investigação penal, mesmo aqueles sob regime de sigilo, sem presidência do inquérito policial, que traduz atribuição privativa da autoridade policial. Precedentes. A ACUSAÇÃO PENAL PARA SER FORMULADA NÃO DEPENDE NECESSARIAMENTE DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. Ainda que inexista qualquer investigação penal promovida pela Policia Judiciária, o Ministério Público, mesmo assim, pode fazer instaurar validamente, a pertinente persecutio criminis in judicio, desde que disponha, para tanto, de elementos mínimos de informação, fundados em base empírica idônea, que o habilitem a deduzir, perante Juízes e Tribunais, a acusação penal. Precedentes. A QUESTÃO DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE EXCLUSIVIDADE E A ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA.” (www.jusbrasil.com.br/juriusprudencia, 18/4/13).
Muito embora possa haver entendimentos contrários, a pretensão legislativa é incoerente, pois se o legislador entende que o MP não teria legitimidade, qual a razão da presente proposta de emenda constitucional?
A conclusão é muito simples, no sentido de que a nosso ver o MP tem e deve continuar a ter competência e legitimidade para investigar e apurar o que for necessário, sem prejuízo, por óbvio da ação policial, pois em última análise o que se pretende o projeto é que políticos não sejam investigados pelo MP.
Em outras palavras, a pretensão legislativa é primária e com fim específico.
As ações conjuntas são salutares “e aumentam o poder de fogo contra a corrupção”, pois tanto as policias como MP estarão mais fortes na busca da verdade e acima de tudo exercendo a plena democracia.
Qualquer tentativa legislativa em sentido contrário viola a nosso ver a essência da democracia.
E ainda que assim não fosse, porque somente políticos e pessoas ligadas aos governos estariam protegidos, imunes (sic).
Efetivamente quem denominou essa PEC de impunidade acertou, pois o que vemos com certa freqüência são projetos dos mais estapafúrdios visando enfraquecer o Poder Judiciário e agora o MP-, o que é inaceitável.
Manipular o MP é fragilizar a democracia.
_______
* Luiz Fernando Gama Pellegrini é desembargador aposentado do TJ/SP.