Publicada a lei federal (n°11.187, de 19 de outubro de 2005) que altera a sistemática do recurso de agravo (artigos 522, 523 e 5237) do Código de Processo Civil
Maurício Traldi*
Ricardo Ferreira Pastore*
Para a implementação da Reforma Constitucional do Judiciário foi promulgada a Emenda Constitucional nº 45, no final de 2004. Para a reforma infraconstitucional, o Ministério da Justiça, através da Secretaria de Reforma do Judiciário, apresentou diversos Projetos de Lei com objetivo de alterar dispositivos do Código de Processo Civil, Código de Processo Penal e do processo trabalhista, para dar completa efetividade aos compromissos assumidos no Pacto e viabilizar as inovações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45.
Em 19.10.2005, foi sancionado pelo Presidente da República o Projeto de Lei nº 72/2005 (o primeiro Projeto de Lei do chamado pacote republicano a ser aprovado2), dando origem à Lei nº 11.187/05, que dá nova redação aos artigos 522, 523 e 527 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, relativos ao agravo de instrumento e ao agravo retido.
Nos quadros abaixo, confrontamos a redação atual dos artigos 522, 523 e 527 do CPC com a nova redação introduzida pela Lei nº 11.187/05, como forma de facilitar a identificação e compreensão das alterações propostas:
Redação atual do art. 522 do CPC |
Nova redação do art. 522 do CPC |
Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez), retido nos autos ou por instrumento. Parágrafo único. O agravo retido independe de preparo. |
Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento. Parágrafo único. O agravo retido independe de preparo. |
Nos termos da exposição de motivos apresentada pelo Ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, “a proposta tem o escopo de alterar a sistemática de agravos, tornando regra o agravo retido, e reservando o agravo de instrumento para as decisões suscetíveis de causar à parte lesão grave e de difícil reparação”, além dos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida3.
Redação atual dos §s 3º e 4º |
Nova redação do §3º do art. 523 do CPC e revogação do § 4º | |
Art. 523. Na modalidade de agravo retido o agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação. (...) §3º Das decisões interlocutórias proferidas em audiência admitir-se-á interposição oral do agravo retido, a constar do respectivo termo, expostas sucintamente as razões que justifiquem o pedido de nova decisão. §4º Será retido o agravo das decisões proferidas na audiência de instrução e julgamento e das posteriores à sentença, salvo nos casos de dano de difícil e de incerta reparação, nos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida. |
Art. 523. Na modalidade de agravo retido o agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação. (...) §3º Das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento caberá agravo na forma retida, devendo ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele expostas sucintamente as razões do agravante. |
A Lei nº 11.187/05 confere nova redação ao §3º do art. 523 do CPC, bem como revoga o § 4º do referido artigo. De acordo com o novo § 3º, contra as decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento somente será cabível recurso de agravo retido, a ser interposto oral e imediatamente. Ou seja, elimina-se a possibilidade de interposição de agravo de instrumento contra decisões proferidas na audiência de instrução e julgamento.
Com relação ao agravo retido oral e imediato, por equidade, muito embora não conste na lei processual, o agravado deverá deduzir oralmente, na própria audiência, as razões de sua contraminuta.
A revogação do atual § 4º justifica-se pelo teor do novo § 3º do art. 523, que prevê o cabimento exclusivo de agravo retido oral e imediato contra as decisões proferidas na audiência de instrução e julgamento, bem como pela redação do novo caput do art. 522 (cabimento do agravo de instrumento quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida), que torna desnecessária a manutenção da segunda parte do atual § 4º.
Redação atual do inciso II e |
Nova redação do inciso II e |
Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator: (...) II. poderá converter o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de provisão jurisdicional de urgência ou houver perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação, remetendo os respectivos autos ao juízo da causa, onde serão apensados aos principais, cabendo agravo dessa decisão ao órgão colegiado competente; (...) Parágrafo único - Na sua resposta, o agravado observará o disposto no § 2º do art. 525. |
Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator: (...) II. converterá o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa; (...) Parágrafo único. A decisão liminar, proferida nos casos dos incisos II e III do caput deste artigo, somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar. |
Outra importante alteração introduzida pela Lei nº 11.187/05 diz respeito ao inciso II do art. 527 do CPC. Atualmente, o Relator tem a faculdade de converter o recurso de agravo de instrumento em agravo retido, “salvo quando se tratar de provisão jurisdicional de urgência ou houver perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação, remetendo os respectivos autos ao juízo da causa, onde serão apensados aos principais, cabendo agravo dessa decisão ao órgão colegiado competente”.
Pela nova redação do art. 527, inciso II, o Relator converterá o agravo de instrumento em agravo retido, “salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa”. Nesse contexto, a conversão do agravo de instrumento em agravo retido deixa de ser mera faculdade do Relator.
A Lei nº 11.187/05 também altera o parágrafo único do art. 527, retirando a possibilidade de interposição de agravo interno (i) contra a decisão do Relator que converter o agravo de instrumento em agravo retido, e de agravo regimental (ii) contra a decisão do Relator que defere ou indefere efeito suspensivo ou a antecipação da tutela recursal (inciso III, do art. 527 do CPC).
Entretanto, ao prever que o Relator pode reconsiderar a decisão, o PL abre a possibilidade de apresentação de pedido de reconsideração pela parte prejudicada.
A faculdade hoje conferida ao agravado no parágrafo único do artigo 527 do CPC (observância do disposto no § 2º do artigo 525 do CPC) foi incluída no inciso V do artigo 5274 , transcrito abaixo.
Redação atual dos incisos V e |
Nova redação dos incisos V e |
Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator: (...) V. mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe juntar cópias das peças que entender convenientes; nas comarcas sede de tribunal e naquelas cujo expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á mediante a publicação no órgão oficial; VI. ultimadas as providências referidas nos incisos I a V, mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no prazo de 10 (dez) dias. |
Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator: (...) V. mandará intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias (art. 525, § 2º), facultando-lhe juntar a documentação que entender conveniente, sendo que, nas comarcas sede de tribunal e naquelas em que o expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á mediante publicação no órgão oficial; VI. ultimadas as providências referidas nos incisos III a V do caput deste artigo, mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no prazo de 10 (dez) dias. |
Duas outras modificações são incorporadas pela Lei nº 11.187/05 ao art. 527 do CPC. A primeira modifica o inciso V do art. 527 do CPC para consignar que o agravado, no prazo de apresentação de sua contraminuta, tem a faculdade de juntar a documentação que entender conveniente, não se limitando, portanto, às cópias das peças que entender convenientes, conforme redação atualmente em vigor.
Já a alteração do inciso VI, segundo o Deputado Federal José Eduardo Cardozo, do PT/SP (Relator do PL na Câmara dos Deputados), tem por finalidade “eliminar a necessidade de oitiva do Ministério Público nos casos de decisão liminar do relator previstas nos incisos I (negativa de seguimento, nos casos do art. 557) e II (conversão do agravo de instrumento em agravo retido)5”.
- Comentários Gerais sobre a Lei nº 11.187/05
Discutir as causas da tão combatida morosidade do Poder Judiciário é tema complexo, que envolve não apenas a análise de aspectos de política legislativa, mas também questões outras associadas à estrutura administrativa do Estado e ao próprio anseio de litigar contido em nossa cultura.
A necessidade premente de mudanças em busca de um Judiciário mais célere e efetivo tem levado o legislador à adoção de medidas que procuram desobstruir os Tribunais de Segunda Instância e os Tribunais Superiores.
Levantamentos estatísticos do Ministério da Justiça6 demonstram que o recurso de agravo de instrumento tem percentual relevante e expressivo no número total de julgamentos realizados nos Tribunais.
Na doutrina, já se debateu acerca da conveniência ou não da eliminação do agravo de instrumento do sistema recursal do CPC (aproximando-o do processo do trabalho), reservando-se ao recurso final a tarefa de acumular todas as impugnações de decisões interlocutórias.
Essa disciplina, entretanto, não seria apta à efetiva impugnação de decisões passíveis de causar danos irreparáveis e de difícil reparação, especialmente em um sistema como o do CPC, que permite a concessão de medidas antecipatórias da tutela de mérito.
Por outro lado, não se pode negar que a possibilidade de interposição do agravo de instrumento contra toda e qualquer decisão interlocutória, tal como disciplinado no CPC vigente, tem contribuído para a lentidão dos processos em Primeira Instância e para o acúmulo de recursos nos Tribunais.
A Lei nº 11.187/05 tem por escopo conferir maior celeridade ao andamento dos feitos, tornando regra o agravo retido e exceção o agravo de instrumento. Nesse contexto, entendemos que o legislador agiu corretamente ao reservar o recurso de agravo de instrumento a situações especiais de urgência, lesão grave e de difícil reparação, bem como aos casos de inadmissão da apelação e de impugnação quanto aos efeitos que esta é recebida. Essa é, sem dúvida, a tendência dos sistemas processuais recursais contemporâneos, que procuram prestigiar as decisões dos Juízes de Primeira Instância.
Todavia, admitir, neste momento, que a Lei nº 11.187/05 atingirá os objetivos almejados pelo legislador representaria, em nosso respeitoso entendimento, uma avaliação extremamente otimista.
A expressão “decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação”, que nos termos do caput do novo art. 522 autoriza a interposição de agravo de instrumento, é demasiadamente vaga, comportando interpretações abrangentes.
O ideal seria que o legislador tivesse ampliado, mesmo que a título exemplificativo, o rol de decisões passíveis de impugnação por meio do agravo de instrumento e do agravo retido.
Na dúvida, provavelmente os advogados continuarão a interpor agravos de instrumento nos Tribunais, alegando a existência de dano grave e de difícil reparação, obrigando os Relatores à avaliação da adequação ou não do recurso interposto. Ou seja, em um primeiro momento, acreditamos que não haverá redução significativa do número de recursos de agravo de instrumento interpostos nos Tribunais.
Essencial, nesse aspecto, a avaliação do interesse recursal. Agravos de instrumento interpostos contra decisões (i) proferidas no processo de execução; (ii) que acolhem ou rejeitam medidas liminares, (iii) que apreciam exceções de incompetência; (iv) que extinguem reconvenção, etc., obviamente não poderão ser convertidos em retido, sob pena de absoluta perda do interesse recursal. Parece-nos que os Tribunais adotarão critérios de interpretação semelhantes àqueles que permitem hoje o destrancamento dos recursos especial e extraordinário interpostos contra acórdão que julga agravo de instrumento, não obstante a determinação do art. 542, § 3º, do CPC7.
Em nossa opinião, a supressão do recurso (i) contra a decisão que aprecia pedido de efeito suspensivo ou de antecipação de tutela recursal e (ii) contra a decisão que converter o agravo de instrumento em retido (novo § único do art. 527) confere maiores poderes ao Relator (seguindo tendência de reformas anteriores) e reduzirá o número de julgamentos pelos órgãos colegiados. No entanto, poderá ensejar a impetração de mandados de segurança, o que, de certa forma, comprometerá a celeridade almejada pela medida.
Por fim, ressaltamos que a Lei nº 11.187/05 entrará “em vigor após decorridos 90 (noventa) dias de sua publicação oficial”8(publicação oficial ocorrida em 20.10.2005).
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*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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