Há pouco menos de dois anos, os ministros do STF, ao julgarem a ADIn 4277 e a ADPF 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo.
O ministro Ayres Britto, acompanhado dos ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como as ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, argumentou que o art. 3º, inciso IV, da CF/88 veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. "O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica", observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do art. 3º da CF/88.
Dessa forma, criou-se novo conceito para a entidade familiar a qual era compreendida, anteriormente, pela união estável entre um homem e uma mulher ou pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, §§ 3ª e 4ª, da CF/88).
O que por muitos foi considerado como um avanço trouxe, aos profissionais do Direito, uma discussão ainda maior e mais delicada: a possibilidade de adoção por casais homoafetivos.
Inexiste, atualmente, em nosso ordenamento jurídico, lei que a regule. Até, mesmo a lei 12.010/09, é omissa nessa questão.
O art. 1622 do CC/02 é expresso ao estabelecer que ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se marido e mulher, ou viverem em união estável.
Considerando que a decisão do STF igualou a condição de um casal formado por pessoas do mesmo sexo à união estável, formada por um homem e uma mulher, teriam estes o direito à adoção?
O STJ entende que sim.
Nancy Andrighi considera que o ordenamento jurídico brasileiro não condiciona o pleno exercício da cidadania a determinada orientação sexual das pessoas: "Se determinada situação é possível ao extrato heterossexual da população brasileira, também o é à fração homossexual, assexual ou transexual, e a todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza."
De acordo, ainda, com a ministra, a existência ou não de vantagens para o adotando, em um processo de adoção, é o elemento subjetivo de maior importância na definição da viabilidade do pedido. Segundo ela, o adotando é "o objeto primário da proteção legal", e toda a discussão do caso deve levar em conta a "primazia do melhor interesse do menor sobre qualquer outra condição ou direito das partes envolvidas".
Partindo-se desse último pressuposto, indago: tratando-se de elemento absolutamente subjetivo, como se mesurar a existência ou não de vantagens para o adotando?
O que devemos entender por "vantagens"?
Certamente poderia considerar como "vantagem" a possibilidade de criação de um vínculo afetivo, um lar, uma família.
Mas se considerarmos, também, a vivência em uma sociedade, efetivamente preconceituosa, eventual discriminação, hostilidade e até identificação sexual que o adotando possa vir a ter com seus "pais", como estabelecer, efetivamente, o que será melhor para ele?
Na minha opinião, em que pesem os recentes julgados, essa decisão supera qualquer entendimento jurídico até hoje existente, merecendo um estudo bem mais aprofundado.
Afinal, não se trata de um princípio, nem de um direito, nem de teses. Trata-se de uma vida, o bem maior e que assim deve ser tratado.
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* Yves A. R. Zamataro é advogado do escritório Angélico Advogados.