A fábula jurídica Bronca de Noiva e os Sete Asnões ou Como Sete Asnões Mataram Sete Galinhas dos Ovos de Ouro (Migalhas de 27/2/013), causou alguma perplexidade entre muitos leitores, que imaginaram interpretações diversas da proposta deste modesto contista, inclusive achando que ela tratava do Mensalão. Embora nossa fábula tenha também ingredientes de fraude, ela cuida fundamentalmente de outra coisa.
A chave está em saber que se tratava dos últimos sete (por enquanto, toc, toc, toc, na madeira) pequenos bancos que quebraram no Brasil. Chamados jocosamente no mercado não de bancos, mas de tamboretes, sua debacle (esta foi tirada do baú de velharias) deveu-se a fraudes praticadas por seus donos, os Sete Asnões.
Asnões porque, mesmo que pequenos, convenhamos, levar um banco à quebra não é tarefa fácil. É preciso fazer besteira muito grossa mesmo. Na lista dos tipos de negócio que dão dinheiro sozinhos os bancos estão em quarto lugar, depois de petróleo, petróleo e petróleo.
Mas então, como foi que os Sete Asnões conseguiram a façanha de levar os seus bancos para o buraco e como ninguém percebia isto?
Descobriu-se que depois de bastante esforço realizando negócios temerários e desviando os recursos das suas instituições elas finalmente quebraram, sendo que o Caçador percebeu que vinha sendo enganado há bastante tempo. Caros leitores, o Caçador é o Banco Central do Brasil. E aí o resto fica fácil de adivinhar, sendo livres os leitores para interpretarem a história com certa licença poética.
Tanto o Caçador quanto as auditorias independentes desde bastante tempo andavam acreditando na ficção de que o que está no papel sempre corresponde à verdade. O papel foi substituído por bits eletrônicos, mas a fé continuou a mesma. Ora, desde que o primeiro falsificador inaugurou o seu métier (esta também é boa) e isto deve ter acontecido no tempo da escrita em pedra, sabe-se que a representação gráfica da mensagem corresponde apenas a uma presunção de verdade, e muito pouco juris tantum, diz a experiência.
Todo o sistema vinha funcionando pela verificação dos dados enviados pelos próprios auditados/fiscalizados, na inocente presunção de que eles representam a verdade. Doce ilusão, como se descobriu muitas vezes, o que não é de agora. Basta lembrar o escândalo que envolveu a empresa americana Enrom (em ...) e que enterrou a Arthur Andersen, uma das antigas Big Five do ramo, que se transformaram em Big Four, por enquanto.
Pegados no contrapé as auditorias e a fiscalização andaram dizendo que sua técnica de abordagem não estava voltada para identificar fraudes, que seu foco era outro havendo se esquecido de lições antigas e recentes e, quando os fregueses começaram a capengar e sua situação foi revelada, já era tarde, tratava-se de infecção generalizada.
De outro lado, a Confraria do Mercado (os investidores e depositantes em geral) andava docemente iludida, achando que o Caçador estava atento ao quadro como um todo e não apenas preso ao script elaborado e enviado pelos próprios Asnões. Ou seja, diria (...) uma modalidade grave de um caso de assimetria de informação.
Não, não se pode confiar nos auto-lançamentos: Isto não se faz, Arnesto, já dizia o famoso letrista, voltando de uma roda de samba frustrada. Era preciso botar um recado na porta: da próxima vez, a gente não acredita no que você diz, pois vamos fiscalizar in loco. Mas aí Ines já era morta e os credores prejudicados tiveram de salvar o que foi possível, tratando de serem menos crédulos no futuro.
O Caçador prometeu que agora tudo será diferente. Esperemos que sim, reconhecendo que sua tarefa é árdua e que alguns peixes poderão sempre escapar da rede. Mas não como regra e sim como exceção, pois o radar do Caçador deverá estar preparado para identificar até mesmo o avião invisível, o Stealth das demonstrações financeiras.
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*Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é professor de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP e consultor do escritório Mattos Muriel Kestener Advogados.
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