No dia 15 de março comemora-se o dia mundial do consumidor. Essa data foi escolhida em razão de uma mensagem remetida pelo presidente Kennedy ao Congresso americano, reconhecendo diversos direitos dos consumidores, especialmente no tocante: à segurança; à informação e à livre escolha dos produtos e serviços.
Trata-se, sem dúvida, de um documento importante na proteção dos direitos dos consumidores, que, até então, só eram tutelados por legislações rudimentares.
O dia 10 de março também marca, no Brasil, o aniversário da vigência do Código de Defesa do Consumidor. Ele já está há 22 anos em vigor e nesse período introduziu significativas modificações no mercado de consumo.
A grande virtude do nosso Código foi a adaptação de institutos de sucesso do direito estrangeiro, principalmente europeu, para a realidade brasileira. A comissão de notáveis que o elaborou foi muito feliz e a prova maior disso está na sua ampla aplicação prática. Sem dúvida alguma, estamos diante de uma lei que pegou.
Não obstante isso, nosso Código passará por uma indispensável reforma, para tratar temas do mercado de consumo que surgiram ou tiveram grande desenvolvimento nos últimos vinte anos, sem o indispensável acompanhamento da legislação. Os projetos de lei que já estão em andamento tratam, por exemplo, do comércio eletrônico e do superendividamento, que trazem problemas para um número infindável de consumidores. A cada ano que passa as compras via internet crescem, assim como surgem novos mecanismos de vendas por esse meio, como as "compras coletivas", que não têm qualquer tratamento por parte da lei 8.078/90 a não ser a possibilidade de arrependimento para as compras fora do estabelecimento comercial, prevista no seu art. 49, parágrafo único. A oferta indiscriminada de crédito e o nosso spread bancário, maior do mundo, vêm levando nossos consumidores a contrair dívidas impagáveis.
A reforma em trâmite também priorizará as ações coletivas que permitem que, por meio de um só processo, seja resolvido o problema que prejudica milhões ou milhares de pessoas.
Muito embora as datas mereçam comemorações, o dia a dia dos consumidores ainda traz inúmeros dissabores. Apenas para citar os acontecimentos do último ano, vimos, recentemente, a morte de duzentos e quarenta e um consumidores que deixaram suas casas para se divertir, em uma casa noturna, e não voltaram. A vida, a saúde e a segurança são os bens maiores dos consumidores. É absolutamente inadmissível que alguém saia de casa para se divertir e morra. As investigações ainda estão tramitando, mas é certo que houve descaso com a segurança e ineficiente fiscalização por parte do poder público.
São dignos de nota também: os inúmeros apagões causados pela Eletropaulo que, embora receba diversas multas administrativas, continua apresentando falhas no seu sistema, que paralisam as cidades e comprometem a qualidade de vida de seus habitantes; os problemas nos serviços prestados pelas concessionárias da telefonia móvel, que derrubam propositalmente as ligações de consumidores para elevar o custo da prestação do seu serviço; os inúmeros atrasos nas entregas de imóveis comprados na planta, que colocam os consumidores mais distantes da sonhada casa própria; as falhas nos trens e no metrô, que atrasam os deslocamentos das pessoas, fazendo com que elas cheguem ainda mais tarde nas suas casas. Isso sem falar nos problemas recorrentes, como as contínuas negativas de consultas, de atendimentos, de realização de exames e cirurgias pelos planos e seguros de saúde de saúde, os problemas vivenciados pelos consumidores nos aeroportos, dentre os quais a recente falha no ar condicionado do aeroporto Santos Dumont, em pleno verão carioca, e as cobranças indevidas e a falta de informação por parte dos bancos.
O Código é excelente, mas depende de um trabalho intenso e amplo de fiscalização, que não está acontecendo. Vêm sendo editadas inúmeras leis e baixados regulamentos para detalhar o que está disposto no código, que vem merecendo rigorosa fiscalização apenas quando da sua implantação e logo após. Com o tempo, caem no esquecimento dos fiscais e, principalmente, dos fornecedores e dos consumidores, deixando de ser aplicadas.
O Código de Defesa do Consumidor, passados vinte e dois anos da sua vigência, merece sim modificação pontual, principalmente para melhor instrumentalizar e para aumentar a força dos órgãos de defesa do consumidor, o que a Presidente Dilma prometeu no último pronunciamento que fez por ocasião do Dia Internacional da Mulher. Segundo esse pronunciamento, a defesa do consumidor será priorizada daqui para a frente, tendo em vista que inúmeros consumidores aumentaram o seu potencial de consumo, o que estaria aumentando os problemas no mercado, tendo em vista que a qualidade dos produtos e dos serviços prestados não evoluiu na mesma proporção. Trata-se, sem dúvida, do reconhecimento de que a fiscalização é a melhor forma de proteger o consumidor e merece ser aperfeiçoada.
De fato, a maior parte dos problemas vivenciados pelos consumidores ocorre há anos e não decorre de ineficiência da legislação, mas sim da limitação e de problemas na fiscalização do cumprimento das inúmeras leis e regulamentos já existentes. Parece que agora haverá vontade política para mudar esse quadro. A complexidade do mercado exige fiscais muito bem preparados, o que nós temos, mas a sua quantidade ainda é absolutamente insuficiente.
Sem falar nas multas aos fornecedores renitentes, que são muitas e vultosas, mas que são discutidas e, muitas vezes, anuladas ou modificadas no Judiciário e na própria esfera administrativa, por problemas de ordem formal.
Esses aspectos ruins podem dar a impressão de que não temos o que comemorar. Mas é justamente o contrário na medida em que, antes do Código de Defesa do Consumidor, a fiscalização dos fornecedores era muito mais restrita e os consumidores, porque desinformados, não reclamavam pois, se o fizessem, não surtiria qualquer efeito.
Antes do Código, o número de violações aos direitos dos consumidores era ainda maior, só que os problemas sequer chegavam ao seu conhecimento.
Hoje não só as irregularidades chegam ao conhecimento dos consumidores como eles têm meios de reclamar, em virtude da atuação incessante dos órgãos de defesa dos consumidores, das Promotorias de Justiça especializadas, das Defensorias Públicas, dos Juizados Especiais e de inúmeras associações de defesa dos consumidores, que se proliferam por todo o país.
Hoje é difícil encontrar um consumidor, por mais iletrado que seja, que desconheça a existência do Código de Defesa do Consumidor. Cada vez mais, o dia a dia do consumidor está melhor, seja porque os consumidores estão mais informados ou porque os fornecedores estão mais conscientes da sua função no mercado de consumo.
Não podemos perder de vista também que a melhora das condições dos consumidores no mercado de consumo também está atrelada à eficiência do Judiciário. Os fornecedores acabam deixando, muitas vezes, de atender às reclamações porque sabem que um processo pode levar anos. Isso provoca uma avalanche de processos porque a tendência é a recusa do atendimento extrajudicial das reclamações.
Os Juizados Especiais, que recebem o maior número de lides de consumo em virtude do pequeno valor financeiro em discussão, devem funcionar melhor e de forma ainda menos burocrática. O balanço do último ano é positivo, mas muito ainda há que ser feito para proteger os consumidores.
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* Arthur Rollo é advogado, professor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo
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