Fernando Trizolini*
A intenção de se promoverem anistias e parcelamentos fiscais para os incrementos dos cofres públicos conta com o aval expresso do Governo Federal, seu maior beneficiário, que reprime o contribuinte inadimplente na mesma intensidade em que acena com benefícios pelo pagamento de tributos.
É esse o caso da Lei nº 10.684/03, que instituiu o PAES – Parcelamento Especial, conhecido também no meio empresarial como REFIS II, o qual tem por objeto principal o parcelamento do crédito tributário federal em até cento e oitenta prestações, garantindo aos aderentes a possibilidade de suspensão, ou mesmo a extinção de procedimentos penais pelo completo pagamento do tributo federal.
A edição da lei do REFIS II trouxe também inúmeras indagações, em especial quanto à aplicação dos seus efeitos a ações penais e inquéritos policiais iniciados antes da sua publicação, e quanto à sua aplicação em parcelamentos e pagamentos de tributos estaduais e municipais.
De acordo com o artigo 9º da referida lei o Estado não pode iniciar inquéritos ou ações penais contra os contribuintes por sonegação fiscal, a partir do momento que estes aderirem ao plano de refinanciamento. Da mesma forma os inquéritos e ações penais já abertos ficam suspensos. Quando o contribuinte completar o pagamento do débito ficará extinto em definitivo o direito do Estado de puni-lo por esse crime.
Assim, sem ingressar nos questionamentos sobre a eficácia e ética da atual política tributária estatal, nos parece justo que aqueles que estavam inadimplentes e encontram-se apenados com inquéritos policiais ou ações penais anteriores à edição da lei do REFIS II também sejam beneficiados com o dispositivo legal.
Tal discussão, muito embora recente nos tribunais do país, não nos parece de alta complexidade, à medida que é juridicamente indefensável a tese de que somente os inadimplentes de tributos e contribuições sociais federais fariam jus aos benefícios de suspensão ou extinção dos procedimentos penais previstos pelo REFIS II.
Primeiro, porque tal entendimento feriria de morte o princípio constitucional da igualdade, (posto que direitos seriam garantidos a uns em detrimento de outros que se situam numa mesma situação jurídica). Depois, porque não se pode desprestigiar um dos maiores pilares do sistema penal brasileiro, que é o princípio da retroatividade da lei penal, segundo o qual a norma que possa ser interpretada como mais favorável ao agente deve ser aplicável em detrimento das anteriores.
Dessa forma, superadas as restrições acerca da aplicação da Lei nº 10.684/03 às ações penais e inquéritos policiais anteriores à sua edição, abre-se vista ao principal beneficio trazido no âmbito penal pela nova legislação tributária, que é a possibilidade de pagamento do tributo a qualquer tempo, mesmo após o oferecimento da denúncia do Ministério Público e início da ação penal.
De acordo com a legislação penal-tributária anterior, a suspensão ou extinção de procedimentos penais pelo pagamento do tributo só era possível até o recebimento da denúncia ministerial. Depois de iniciada a ação penal, o parcelamento ou pagamento efetivo do débito tributário não garantia ao contribuinte inadimplente nenhum benefício legal.
Com a nova legislação restou amparada a possibilidade de suspensão ou extinção de procedimentos penais, inclusive para os casos que não envolvam os tributos federais mencionados no REFIS II, desde que feita à adesão a programas de parcelamentos tributários.
O argumento de que os reflexos penais do REFIS II somente beneficiariam os devedores de tributos federais com vencimento até 31 de agosto de 2003, data limite para adesão ao plano, é, no mínimo, questionável. No âmbito penal vigoram regras e princípios específicos, e não se pode permitir que exceções beneficiem alguns e não amparem a outros em situação semelhante.
Assim, não há justificativas para a edição de uma lei penal mais benéfica ao contribuinte, mas que possa ser usufruída apenas por aqueles que aderiram ao REFIS II.
O Supremo Tribunal Federal ainda não firmou posição sobre questões importantes, como a da aplicação dos efeitos penais da lei nº 10.684/03 a processos e inquéritos iniciados antes de sua publicação ou da extensão dos seus efeitos a parcelamentos e pagamentos de tributos estaduais e municipais não abarcados pela lei.
Contudo, recentemente, em decisão ratificada pela Turma no julgamento do Habeas Corpus nº 83.414/RS, observou o Ministro Joaquim Barbosa que, com o advento da nova lei tributária, estaria garantida a extinção da punibilidade pelo pagamento de tributos a qualquer tempo. Como o julgamento em curso tratava de sonegação de tributo estadual, presume-se que o entendimento tenha estendido tal possibilidade também aos contribuintes de tributos estaduais e municipais.
Assim, muito embora tenhamos poucas decisões sobre o tema, o Supremo já deixou transparecer sua inclinação de estender o benefício penal do REFIS II a todos os contribuintes que aderirem a programas de refinanciamento ou efetuarem o pagamento de créditos tributários, independente da época em que eles forem feitos. Da mesma forma, já há decisões favoráveis em diversos habeas corpus nos Tribunais Estaduais e Tribunais Regionais Federais amparando a aplicação do artigo 9º da Lei nº 10.684/03, suspendendo ou extinguindo procedimentos penais pelo parcelamento ou pagamento de tributos federais, estaduais e municipais efetuados a qualquer tempo1 .
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1TRF 1ª Região: ACR - APELAÇÃO CRIMINAL – 34000193349 – Relator Des. Federal Plauto Ribeiro; ACR - APELAÇÃO CRIMINAL – 33000092282 – Relator Des. Federal Cândido Ribeiro; HC - HABEAS CORPUS – 01000014833 – Relator Des. Federal Cândido Ribeiro. TRF 3ª Região: HC - HABEAS CORPUS – 14668 – Relator Des. Federal Fausto de Sanctis; ACR - APELAÇÃO CRIMINAL – 10067 – Relator Des. Federal André Nekatschalow. TRF 4ª Região: HC - HABEAS CORPUS – 200371070124947 – Relator Des. Federal Tadaaqui Hirose; HC - HABEAS CORPUS – 200404010126710 – Des. Federal José Luiz B. Germano da Silva.
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*Advogado do escritório Manhães Moreira Advogados Associados
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