A história da Igreja Católica se divide em antes e depois do Concílio Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII em 1961.
É chamado de Concílio Ecumênico porque uma de suas tônicas foi a aproximação estreita com os credos não católicos, como o judaísmo, o islamismo, o protestantismo, os cultos africanos e précolombianos, etc.
O ecumenismo está desde sempre ligado ao universalismo da religião católica. Aquele gesto dos papas de abrir os braços para dar a benção urbi et orbe, à cidade de Roma e ao universo, é algo próprio e exclusivo do catolicismo. Nenhuma das religiões monoteístas (judaísmo, islamismo) está imbuída do universalismo católico, herdado diretamente de sua tradição romana. Basta assistir a algum culto judeu ou muçulmano para perceber como são auto- referidos aos limites de uma etnia ou de um grupo, sem nenhum referência para fora, dirigida aos horizontes do mundo, como exprime a ampla abertura dos braços do papa na bênção urbi et orbi.
Antes do Vaticano II, durante séculos, a Igreja católica nem sempre honrou seu compromisso universalista e ecumênico. Permaneceu muito tempo fechada em sua fé, desvalorizando, deslegitimando e até perseguindo outras confissões. A Inquisição acabou faz tempo, mas o espírito inquisitorial manteve-se vivo e dominante até antes da ruptura desencadeada por João XXIII. Infelizmente, este papa faleceu antes de encerrado o Concílio, sem que suas propostas ganhassem força para se impor. Numa de suas últimas aparições em público, Bento XVI relembra o imperativo de dar continuidade às resoluções do Vaticano II, na mesma linha da pregação de João Paulo II.
Agora, antes da eleição do sucessor do Papa emérito, quando se evoca a urgência de reatar com o espírito daquele Concílio histórico, é preciso lembrar que sua mensagem não se esgota na reafirmação do ecumenismo. Na verdade, o abraço ecumênico é decorrência de outra inovação mais importante e fecunda proposta pelo Concílio Vaticano II. Esta inovação desfechada por João XXIII resume-se em duas palavras: liberdade religiosa. Esta é a fonte de todas as demais inovações a serem incorporadas pela Igreja dos novos tempos.
Liberdade religiosa significa, em primeiro lugar, que a religião não pode ser imposta à força, por coação externa, a ferro e a fogo. A falta de coação externa deve ser acompanhada de liberdade psicológica para livre eleição de opções e objetivos na pauta da tradição católica.
Em segundo lugar, significa que a tradição deve ser tomada não como repetição do passado e sim em continuidade com os novos tempos. Sim, porque se todo homem é forçosamente herdeiro do passado, ele o recebe não para reproduzi-lo e sim para fazer outra coisa com ele. Como faz com sua língua natal, por exemplo. Ninguém é obrigado a falar e a escrever agora como no tempo de Camões.
Em terceiro lugar, a liberdade religiosa pressupõe a revisão de todas as disposições consagradas até agora como intocáveis, como, por exemplo, o celibato dos padres e a discriminação contra o sacerdócio feminino.
Nesta mesma linha de propostas, vem a sugestão recente de Bento XVI no sentido de que a autoridade religiosa deve dar mais atenção às "coisas contingentes", ideia que parecerá estranha aos que acusam o Papa emérito de ser um irredutível "conservador".
Sim, aggiornamento, mas com a devida precaução. Não confundi-lo com a troca do fervor místico pelas estratégias sociais a favor dos pobres e excluídos, medidas inadiáveis como o direito ao pão de cada dia, mas não esquecendo de que nem só de pão vive o homem.
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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista
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