O Judiciário passa por momentos angustiantes, fundamentalmente porque está desacreditado junto ao jurisdicionado, face à morosidade e a má prestação dos seus serviços.
No segmento da justiça estadual, a privação maior localiza-se no Nordeste, porque a judicialização que assolou a justiça desde 1988, causando significativo crescimento das demandas não foi seguido por aumento no número de juízes, de servidores e de estrutura mínima para possibilitar a adequada jurisdição.
As unidades federadas não dispõem de recursos para atender às despesas e investimentos do Judiciário, daí porque urgem providências para buscar, junto aos governos estaduais, liberação de percentual maior ou até mesmo junto ao orçamento da União, como fez o Estado de Mato Grosso. Todavia, ao menos em regra geral, isso não ocorre e os governantes acomodam com o gerenciamento do que dispõem, prejudicando dessa forma a população com a morosidade dos serviços judiciais.
Na Bahia, o maior desafio do Tribunal de Justiça reside na enorme defasagem de pessoal nos cartórios judiciais e extrajudiciais, estes recém-privatizados, mas quase todos, em torno de 90%, sem delegatários, provocando uma situação de aumento dos encargos judiciais sem melhorar os serviços. Os cartórios privatizados com delegatários prestam bons serviços à comunidade, diferentemente daqueles que não tem delegatários e que continuam sob a administração do Tribunal de Justiça que prestam péssimos serviços, mesmo porque não têm infraestrutura daqueles.
Registre-se que o último concurso realizado no Estado deu-se no ano de 2005 e de lá até a presente data deram-se muitos afastamentos, por aposentadoria, por doença, etc. A defasagem somente nos Cartórios judiciais do interior passa de quatro mil servidores num universo de mais ou menos seis mil e quinhentos funcionários. É, portanto, preocupante e alarmante a situação, porque cada comarca do interior do Estado, em média, dispõe de mais cargos vagos do que dos providos.
É por isso e por muito mais que afirmamos que está um caos o Judiciário da Bahia.
Já se foram mais de sete anos do último concurso realizado e, desde então, houve substancial alteração na estrutura do Judiciário, porque a lei, atendendo à demanda, aumentou o número de servidores, de juízes e de desembargadores, mas, concretamente, boa parte dos cargos criados em 1979 continuam vagos e aqueles que vieram com a lei de 2007 não foram providos, mesmo porque de lá para cá nunca mais se realizou concurso.
O Tribunal de Justiça assegura que não dispõe de meios para a contratação de servidores indispensáveis à movimentação da máquina judicial e, de outro lado, o CNJ faz vista grossa para essa anomalia, quando exige cumprimento de metas, agilidade nas decisões, importando mais em cobrar do que em ajudar.
É tão dramático o momento no qual vivemos que os cartórios judiciais e os extrajudiciais, estes sem delegatários, na sua maioria, são dirigidos por escreventes e oficiais de justiça, sem contar com qualquer auxiliar ou substituto, mas amparados em servidores disponibilizados pelas prefeituras para socorro dos munícipes.
A ocorrência se assemelha a um hospital que determina sejam as cirurgias feitas pelas enfermeiras ou quando um carro é dirigido por auxiliar do motorista sem a devida habilitação ou ainda com a exigência de um trabalhador ter de carregar algum produto com peso de 500 quilos sem que lhe seja oferecida qualquer técnica para essa missão, incompatível com a força do homem.
O substituto natural do escrivão é o subescrivão; na sua falta o escrivão do cível substitui o do crime e vice-versa; na falta de um e outro, como se tornou lugar comum no interior da Bahia, os juízes se veem obrigados a designar escrevente, auxiliar judiciário, que ingressa na carreira com a exigência de segundo grau, diferentemente do analista, escrivão e sub, para os quais imprescindíveis a graduação de bacharel em direito.
Há situações nas quais o escrevente, mesmo no exercício da função que não é sua, continua ganhando o equivalente à metade do salário do escrivão, mas é obrigado a administrar os cartórios sem obtenção da mesma vantagem do titular, portanto, responsabilidade sem a contrapartida salarial.
Os escreventes compadecidos com a situação precária de sua comarca, onde residem, terminam por sacrificar sua situação pessoal e, contra sua vontade, obedecem à portaria de designação e assumem o encargo, certo de que haverá alguma melhora na folha salarial. Ledo engano, porque, em certos casos, um decreto judicial impede o pagamento por essa substituição. A Corregedoria já solicitou a manifestação do Pleno do Tribunal sobre essa injusta e antipática medida.
Além de todas as desvantagens mencionadas, a complicação para o escrevente é grande, quando comete, desavisadamente, alguma falha funcional, motivado pelo desconhecimento da atividade que assumiu com a única intenção de não contribuir para o fechamento do fórum da comarca, por absoluta falta de pessoal. O escrevente habilitou-se para outra função, nunca para dirigir uma secretaria, de competência de quem tem o curso de direito. Nas comarcas do interior essa tem sido a habitualidade. Depara-se com unidades judiciais nas quais todos os cargos, escrivão, subescrivão, oficial do Registro de Imóveis, Tabelião, oficial do Registro Civil estão sob a responsabilidade de um escrevente que não conta com substituto algum, suportando sozinho o exercício de uma missão que não é sua. Recebe o ônus, sem o bônus.
Com toda essa degradante situação, os servidores descuidam da saúde e da família em benefício do trabalho. E trabalham dentro e fora do horário de expediente; e trabalham em áreas que não conhecem, a exemplo de o escrevente, auxiliar judiciário, desempenhar o cargo de chefe de secretaria, de analista.
Nas visitas regimentais que temos feito, na condição de corregedor das Comarcas do Interior, deparamos com quadros inacreditáveis, como é o caso de servidor doente, recém-operado, com atestado médico, mas trabalhando no expediente normal, como se estivesse com todas as condições de saúde para trabalhar. Alegam que não tem outra pessoa para desenvolver aquela atividade e não pode deixar que se feche o cartório.
Para exercício dos cargos de analistas judiciários, escrivão e sub, indispensável a conclusão do curso de bacharel, segundo a lei de Organização Judiciária. É exigido o terceiro grau para os cargos de Oficial, Depositário, Administrador do Fórum, Agente de Proteção ao Menor, que são técnicos judiciários; o segundo grau para o cargo de Escrevente de Cartório, auxiliar judiciário.
Esses servidores foram nomeados assumiram a imensa responsabilidade nas comarcas, mas não receberam qualquer curso ou reciclagem para exercício dessas funções.
O resultado é que se submetem a possibilidade de responderem a processo judicial pelo descumprimento dessa ou daquela atividade de competência do titular do cartório, exercida pelo escrevente, permanentemente, e não em caráter temporário; há situações nas quais o escrevente está no cargo há mais de vinte anos.
A corregedoria, sensibilizada com esta anomalia, está tomando providências para proteger o desprotegido. Ainda no curso desse mês de março, baixará ato exigindo requisitos para que os juízes designem escrevente, auxiliar judiciário, para exercer o cargo de escrivão, analista judiciário. Quer assim evitar o comprometimento de quem se propõe a ajudar e termina por se prejudicar.
A Justiça Federal não passa por esse vexame, pois dispõe de recursos para contar com servidores e juízes necessários para a prestação dos serviços judiciais, sem o constrangimento de buscar junto às prefeituras auxiliares para evitar o fechamento dos fóruns. A infraestrutura do Judiciário na área federal é bem diversa da que é disponibilizada para a justiça estadual.
O interessante e incompreensível é que tanto uma como outra divisão judicial desenvolvem a mesma atividade.
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* Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA e corregedor das comarcas do interior
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