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O Ministério Público Federal e a sua atuação junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

A revogação de dispositivos legais que posicionam o MPF como órgão responsável por opinar a respeito de julgados do CADE é defendida pelo juiz de Direito.

7/3/2013

A lei 12.529/11, que trata do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, posiciona o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) como epicentro da regulação concorrencial, deliberando a respeito das atividades tidas como a ela ofensivas.

Os demais órgãos previstos na referida lei, incluindo o Ministério Público Federal, parecem ter função secundária e até mesmo acessória. Mas a interpretação constitucional e sistemática dos diversos diplomas que regem a atividade do Ministério Público leva a uma conclusão bem diversa.

O Ministério Público, na forma do art. 127, "caput", da Constituição da República, foi erigido a "instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". Para o cumprimento de seus desideratos, lhe foi outorgada a autonomia funcional e administrativa (§2°).

É por essa razão que a lei da Ação Civil Pública (lei 7347/85), guardando estrita compatibilidade constitucional, insere no rol dos bens jurídicos abrangidos pelo resguardo por esta via processual as infrações à ordem econômica.

De forma bastante peculiar, a lei 12.529 insere o Ministério Público como órgão incumbido de "emitir parecer" nos processos administrativos a serem apreciados pela autarquia (art. 20).

A defesa dos interesses caros à coletividade, não raras vezes, poderá se contrapor à vontade da administração, inclusive em matéria concorrencial. E o CADE se constitui em autarquia federal, cujos conselheiros são nomeados pela Presidência da República, para um mandato de quatro anos. (art. 6º, §1º).

Em atendimento à diretriz do art. 127 da Constituição da República, a lei complementar 75/93, que dispõe sobre a organização e as atribuições do Ministério Público da União, determina a incumbência de defender a ordem jurídica, o regime democrático, os interesses sociais e os individuais indisponíveis (art. 1º). E, complementando tais ditames, o art. 5º, inciso II, alínea “c”, da mesma lei impõe como função institucional do Ministério Público o zelo pelos princípios constitucionais atinentes à atividade econômica.

O perfil constitucional do Ministério Público é portanto absolutamente incompatível com um mero proceder de oficiar, emitir pareceres nos processos sujeitos a julgamento pelo CADE, ou ainda de cumprir as decisões daquele órgão.

É no mínimo de se estranhar a inserção do Ministério Público Federal como órgão responsável por opinar previamente a respeito dos julgados do CADE, com base nos pareceres econômicos de órgãos técnicos vinculados à autarquia. Se tal proceder se generalizasse, obrigando o órgão ministerial a se pronunciar anteriormente a decisões governamentais, licitações públicas, certames de servidores, dentre outros casos, haveria uma inevitável vinculação apta a aniquilar a isenção e a utilidade de acionamento desta importante instituição.

O ideal seria a revogação dos dispositivos legais citados, inserindo-se na legislação o mero dever de comunicação de determinados atos do CADE ao Ministério Público Federal, para seu conhecimento, e sem nenhum tipo de vinculação prévia. Quanto à execução dos julgados do CADE, por óbvio, basta a Procuradoria, esta sim vocacionada à representação da autarquia. Ainda que a lei fale impropriamente em “jurisdição” (art. 4º da lei 12.529/11), o CADE é órgão da administração indireta e assim deve ser tratado.

Mesmo sem a alteração legislativa que ora se propõe, deve o Ministério Público Federal, sem mais demora, editar ato normativo que substitua a sua função de proferir pareceres pela de órgão capacitado para o efetivo controle das decisões do CADE. Esse tipo de postura não seria inédita, havendo a edição de atos normativos internos pelo próprio Ministério Público Federal e também pelos dos estados, de modo a adequar as suas funções institucionais à vocação constitucional.

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* Carlo Mazza Britto Melfi é juiz de Direito do Estado de São Paulo.





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