Bronca de Noiva está uma fera. Não dá nem para chegar perto dela porque sobra desaforo para todo mundo. Afinal de contas, sete asnões mataram sete maravilhosas galinhas dos ovos de ouro do seu Galinheiro Real e isto não está pegando bem junto à Confraria do Mercado, especialmente fora dos limites do reino.
O reinado andava em paz depois que a praga da bruxa da crise malvada não afetou muito as finanças. Mesmo que não tenha sido somente uma marolinha, deu para equilibrar as coisas e, por sorte, a Confraria do Mercado não tinha muitos outros lugares onde arriscar o seu rico dinheirinho.
A morte prematura do Príncipe Encantado deixou Bronca de Noiva um tanto triste, mas ela tinha que tocar sua vida para frente, cuidando do seu rico galinheiro e apareceram tantos pretendentes novos para se casarem com ela, cada um mai$ bonito do que o outro que ela nem $abia a quem escolher.
A criação de Bronca de Noiva era muito especial. Suas galinhas botavam um ovo de ouro cada uma, por dia, sem falha. Sua produção era tão certa como as horas de um bom relógio suíço (aqueles da Suíça, não da 25 de Março). Para se ter uma ideia de como as coisas eram por aqui, em outros reinos, cada galinha só botava, no máximo, um ovo de ouro por semana. Ninguém batia pelo mundo afora as galinhas de Bronca de Noiva. Acontece que o galinheiro havia crescido tanto que Bronca de Noiva teve de abrir franquias porque não dava conta sozinha da administração do negócio. Assim, ela abriu a possibilidade à Confraria do Mercado para que esta entrasse direto no ramo da criação daquelas galinhas, ainda que ela tivesse reservado para si alguns galinheiros especiais, cedidos a amigos e parentes. Sabe como é, amizade é amizade e família é família.
Quem escolhia os franqueados era o antigo caçador, que agora tinha o título de autorizador e fiscalizador mor do reino e os critérios para a escolha eram a grana dos interessados e a sua fama de bons criadores de galinhas de ouro. Mas parece que o caçador não deu boa conta do recado e deixou que entrassem no mercado alguns asnões que não sabiam como criar galinhas dos ovos de ouro e que também não sabiam muito bem a diferença entre o dele$ e o no$$o. Além disto, o Caçador deixou a coisa correr meio solta, sem tomar conta direito dos franqueados.
Foi muito tempo depois do acontecido que Bronca de Noiva ficou sabendo de toda a história. Mas então o estrago já estava feito.
Os sete asnões desastrados tiveram uma boca maior do que o seu estômago. Podiam ter continuado numa boa, a cada dia recolhendo um ovo de ouro de suas galinhas e repassando para Bronca de Noiva a parte que lhe era devida. Mas não, um ovo de ouro por dia não era suficiente. Aí eles começaram a dopar as galinhas com alguns produtos que eles mesmos inventaram, entre os quais uns tais de milhos derivados, que no começo faziam as galinhas dispararem a produção de ovos de ouro, um atrás do outro, enchendo os cestos. Mas, sem muita demora, a produção começou a rarear e, de ouro 24, as galinhas passaram a fornecer ouro 18; de 18 para 14; e de catorze para nada e o pior de tudo, é que os ovos começaram a ficar ocos, com somente uma casquinha de um dourado ralo.
Diante do estrago representado pela produção de poucos ovos ocos, os sete asnões resolveram enganar a Confraria do Mercado, fabricando ovos de papelão, pintados de dourado, os quais vendiam àquela com grande desconto. No começo até que o logro funcionou, mas a Confraria do Mercado logo começou a perceber a fraude e deixou de fazer negócio com os sete asnões. Descobrindo ter sido enganada, ficava quietinha e tentava passar adiante o mico, digo os ovos de ouro, mas um dia a cascata terminou mesmo, de verdade.
Bronca de Noiva soube que, enquanto isto acontecia, o caçador, que morava lá na Ilha da Fantasia, se contentava com os relatórios mandados pelos sete asnões por pombos correios do reinado, tendo deixado de fazer visitas periódicas diretas aos galinheiros. Boa parte daqueles relatórios era para inglês ver, mas o Caçador não se deu conta disto.
Tudo foi descoberto quando os sete asnões não tinham mais dinheiro para a compra de milho. As galinhas enfraquecidas e sem comida foram morrendo e a produção se acabando. Foi aí que o Caçador acordou e fez intervenções naqueles galinheiros. Tentou até curar algumas galinhas com a ajuda do Galo Garantia, mas não deu mesmo. Elas estavam irremediavelmente fracas e ninguém mais aceitaria os seus ovos, pois a fama de ovos ocos pegou de vez. O jeito foi minimizar o prejuízo dos compradores dos ovos falsos e fechar aqueles sete galinheiros, com grande prejuízo.
Depois que Bronca de Noiva deu uma bronca para valer no caçador, este resolveu que as coisa iam mudar nos galinheiros. Além de pombos correios, ia começar a colocar uns cães de guarda dentro deles para tomar conta dos franqueados e acabar com aquela farra dos Sete Asnões. O caçador afirmou que a casa agora estava em ordem.
Mas a Confraria do Mercado está ressabiada. Será que não tem ainda algum asnão com um galinheiro cheio de galinhas de ovos ocos? Só dá para saber que um ovo é oco ou está estragado depois que a gente abre. E nem tudo o que reluz é ouro e, por via das dúvidas, a Confraria anda cobrando mais caro pelo milho e está diversificando um pouco os seus investimentos, operando um pouco mais do lado de fora do reinado de Bronca de Noiva.
Parece que a história não termina por aqui.
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*Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é professor de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP e consultor do escritório Mattos Muriel Kestener Advogados.
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