Recente julgamento realizado pela terceira turma do TST suscitou grande controvérsia entre os operadores do Direito do Trabalho e assustou os empresários do país: afinal, a gravidez concebida no curso do aviso-prévio gera direito à estabilidade prevista no artigo 10, II, "b", da ADCT?
Sim, de acordo com o ministro Maurício Godinho Delgado, relator do caso, pois, segundo afirma em seu voto condutor, a gravidez ocorrida no período de aviso prévio assegura a garantia de emprego constitucional, ainda que tenha sido indenizado:
"Incontroverso, portanto, que a concepção ocorreu durante o aviso-prévio indenizado, ou seja, antes da despedida, configurada está a estabilidade provisória".
Data venia, a decisão prolatada no afã de proteger a trabalhador descuida de aspectos fundamentais do instituto do aviso prévio e cria a possibilidade de uma empregada, demitida de forma válida e eficaz, utilizar o sagrado dom do matrimônio para receber a proteção da garantia de emprego constitucional e, com isso, mais 14 (quatorze) meses de remuneração.
Conforme dispõe o citado art. 10, inciso II, alínea "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
A garantia de emprego é assegurada à empregada, sempre suscetível de sofrer eventuais atos discriminatórios durante a gravidez, mas a norma se destina primordialmente à proteção da criança.
Sendo assim, pouco importa se a empregada tinha ciência do seu estado gravídico no momento da rescisão. Comprovada posteriormente a sua gravidez à época da comunicação da dispensa, a trabalhadora tem direito à garantia de emprego, pois a norma protege o nascituro.
Entretanto, quando a concepção somente se dá na projeção do prazo do aviso-prévio, a questão deve ser tratada de forma diferenciada, eis que a comunicação da dispensa à trabalhadora traz uma série de efeitos jurídicos para as partes da relação empregatícia.
Sem dúvidas, por força de expressa determinação legal, o aviso prévio deve ser incorporado ao contrato para todos os fins, mesmo se indenizado, conforme jurisprudência pacificada no âmbito do TST através da OJ 82 da SDI-1 do TST.
Todavia, inexistindo qualquer garantia de emprego impeditiva e sendo comunicada a dispensa à trabalhadora, a efetiva rescisão contratual fica apenas sujeita ao término do prazo do aviso prévio. Ou seja, o contrato a prazo indeterminado passa a ter um marco temporal definido para sua rescisão, conforme lição do próprio ministro Maurício Godinho Delgado1:
"O aviso não extingue o contrato, apenas firmando prazo para sua terminação (art. 489, ab initio, CLT). Em consequência, a parte concedente pode reconsiderar sua decisão resilitória anterior, cancelando o aviso prévio. Contudo, neste caso, a contraparte que recebeu o aviso pode aceitar ou não a reconsideração (art. 489, in fine, CLT). Havendo a concordância, preserva-se a continuidade do contrato, como se nada houvesse ocorrido; sendo recusada a reconsideração do aviso prévio, o contrato se extingue ao final de pré-aviso concedido".
O ministro Maurício Godinho Delgado afirmou em sua valiosa doutrina, ainda, que a garantia de emprego é incompatível com o contrato de trabalho firmado a prazo determinado, quando o prazo da estabilidade supera o termo fixado pelas partes para a rescisão contratual, ipsis litteris:
"Os mesmos fundamentos (referentes à interrupção e suspensão do contrato) inviabilizam, efetivamente, conferir-se incidência às garantias de emprego no âmbito dos contratos a prazo. A prefixação de um termo final ao contrato, em hipóteses legalmente já restringidas, torna incompatível o posterior acoplamento de uma consequência legal típica de contratos de duração incerta - e que teria o condão de indeterminar o contrato, alargando o lapso contratual por período múltiplas vezes mais amplo do que o curto período licitamente pactuado2". (grifos apostos)
Com isso, desde que praticado de forma válida e eficaz, a comunicação da dispensa pelo empregador estabelece um termo para o deslinde contratual e deve ser protegida como ato jurídico perfeito (art. 7º, I, CF, art. 10º, I, ADCT, e art. 477, §§ 2º e 6º, "b", CLT).
Assim, a projeção do contrato de trabalho para o futuro pela concessão do aviso-prévio indenizado tem efeitos limitados às vantagens econômicas obtidas no período de pré-aviso, ou seja, salários, reflexos e verbas rescisórias. Nesse sentido, cabíveis os termos claros e precisos da sua súmula 371:
Súmula 371 do TST. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. EFEITOS. SUPERVENIÊNCIA DE AUXÍLIO-DOENÇA NO CURSO DESTE. A projeção do contrato de trabalho para o futuro, pela concessão do aviso prévio indenizado, tem efeitos limitados às vantagens econômicas obtidas no período de pré-aviso, ou seja, salários, reflexos e verbas rescisórias. No caso de concessão de auxílio-doença no curso do aviso prévio, todavia, só se concretizam os efeitos da dispensa depois de expirado o benefício previdenciário. (grifos inexistentes no original)
De tal modo, o argumento de que o aviso prévio se projeta no contrato de trabalho não serve de amparo jurídico para o entendimento de que a concepção havida no curso do aviso prévio indenizado assegura o emprego à trabalhadora. Se for assim, o mesmo deveria ocorrer com o empregado que, comunicado de sua dispensa, realiza sua inscrição em eleição para vaga na CIPA da empresa como forma de obter uma garantia no emprego.
Sempre data venia maxima, foge ao bom senso aceitar que a parte trabalhadora, de modo unilateral, pratique um ato que permita a perpetuação do contrato em detrimento da vontade de seu empregador, concretizada de forma válida com a comunicação da dispensa.
A edição da lei 12.506/2011 torna ainda menos razoável o entendimento consubstanciado na decisão da Terceira Turma do TST, pois, com a proporcionalidade do aviso prévio, a empregada dispensada poderá engravidar de modo em até 90 dias subsequentes à rescisão e, com isso, tornar nulo o ato de sua dispensa.
Desse modo, a concessão do aviso prévio fixa o prazo final de vigência do contrato de trabalho e a sua extinção é decorrência do transcurso natural do lapso temporal preestabelecido quando da concessão do pré-aviso.
Como muito bem sedimentado pela súmula 371 do TST, a projeção do contrato de trabalho para o futuro deve ter efeitos limitados às vantagens econômicas obtidas no período de pré-aviso.
Portanto, nada obstante o polêmico resultado do julgamento realizado pela Terceira Turma do TST, não há que se falar em garantia de emprego para empregada que engravidou no curso do prazo do aviso prévio, devendo prevalecer o entendimento contrário já sedimentado em diversos precedentes do próprio TST:
"O direito de a empregada gestante manter-se no emprego, sem prejuízo dos salários, com consequente restrição ao direito de resilição unilateral do contrato sem justa causa pelo empregador, sob pena de sujeitar-se às reparações legais, nasce com a concepção e projeta-se até cinco meses após o parto. (...) A jurisprudência desta Corte superior, contudo, firmou-se no sentido de aplicar analogicamente o entendimento consagrado na primeira parte da Súmula n.º 371 do TST - A projeção do contrato de trabalho para o futuro, pela concessão do aviso prévio indenizado, tem efeitos limitados às vantagens econômicas obtidas no período de pré-aviso, ou seja, salários, reflexos e verbas rescisórias". (TST-E-RR - 2017/2002-263-01-00, SBDI-1, Rel. min. Lelio Bentes Corrêa, DJ-22/05/2009).
"A concepção ocorrida no prazo do aviso prévio não confere à trabalhadora a estabilidade provisória. No caso, verifica-se a incidência da súmula 371 do TST, na qual se estabelece que a projeção do contrato de trabalho para o futuro, pela concessão do aviso prévio indenizado, tem efeitos limitados às vantagens econômicas obtidas no período de pré-aviso". (TST-E-RR - 381/2005-318-02-00, SBDI-1, Rel. min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DJ-08/05/2009).
"Cinge-se a controvérsia nestes autos em saber se a gravidez, concebida no curso do aviso prévio, gera direito a estabilidade ou indenização prevista no artigo 10, II, b , da ADCT. (...) A mencionada estabilidade foi assegurada à empregada gestante sem nenhuma restrição quanto ao conhecimento prévio, ou não, pelo empregador, do estado gravídico da empregada (súmula 244, I, do TST), pois a garantia de emprego tem por objeto a proteção do nascituro. Entretanto, na hipótese vertente, a concepção somente se deu no período do aviso-prévio indenizado. (...) Não há como se reconhecer a estabilidade adquirida no curso do aviso-prévio, uma vez que a rescisão do contrato já estava sujeita a um termo. Ademais, o entendimento pacificado desta Corte Superior, consubstanciado na Súmula n° 371, é no sentido de que a projeção do contrato de trabalho para o futuro, pela concessão do aviso-prévio indenizado, tem efeitos limitados às vantagens econômicas obtidas no período de pré-aviso, ou seja, salários, reflexos e verbas rescisórias. Assim sendo, e na esteira de precedentes desta Corte Superior, tendo a concepção se dado em momento posterior ao rompimento do pacto laboral, não há falar em estabilidade nem na respectiva indenização". (TST-RR-701/2003-031-01-00, 8ª Turma, Rel. min. Dora Maria da Costa, DJ-29/2/2008).
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* Renato Melquíades de Araújo é advogado do escritório Martorelli Advogados
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