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Empresas devem tomar cuidado com as "armadilhas" na área ambiental

Os empresários devem ficar atentos a possíveis "armadilhas" que surgem com o cruzamento de leis, termos e normas que regulam a área ambiental. Atualmente, um grande problema enfrentado por empresas nesse setor envolve a lei 9605/98, a Lei dos Crimes Ambientais.

5/5/2003

 

Empresas devem tomar cuidado com as "armadilhas" na área ambiental

Miguel Reale Júnior

Eduardo Reale Ferrari*

Os empresários devem ficar atentos a possíveis "armadilhas" que surgem com o cruzamento de leis, termos e normas que regulam a área ambiental. Atualmente, um grande problema enfrentado por empresas nesse setor envolve a lei 9605/98, a Lei dos Crimes Ambientais.

Essa lei impõe como infrações criminal e administrativo ambiental tanto o funcionamento de empreendimentos localizados em área de conservação ecológica como as construções, as ampliações, as instalações e o funcionamento de obras potencialmente poluidoras, sem autorização ambiental.

Na atual legislação ambiental, são ilícitos penal e administrativo as condutas que contrariam normas e até mesmo regulamentos da administração pública ambiental, sendo comum na "moderna" legislação difusa brasileira a criminalização de infrações meramente administrativas, colocando em risco a atividade empresarial, intimidando simbolicamente as empresas, especificadamente dos diretores das empresas.

Em conformidade com o previsto na absurda lei ambiental, a punição não se restringe às pessoas físicas, sancionando penalmente também as pessoas jurídicas, por meio de sanções pecuniárias, suspensão ou interdição de suas atividades, com reflexos incomensuráveis em sua imagem.

Não raras vezes promotores têm notificado empresas para firmarem termos de ajuste quando ainda nem está certa a própria ocorrência da suposta infração ambiental. Não são poucas as autoridades que exigem não apenas a assinatura no termo de ajustamento da conduta ambiental, mas também compromissos originados de ações compensatórias, argumentando falaciosamente que, caso os empresários não confessem e não assinem o termo de ajuste, não será possível a exclusão das sanções administrativas e o que é mais grave, as conseqüências criminais. Tais falsas promessas atentam contra o próprio princípio do instituto da transação, devendo o empresário estar alerta no momento da assinatura desse termo.

O artigo 79-A da Lei 9609/85, diz que qualquer dos órgãos ambientais do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) está autorizado a celebrar termo de ajustamento de conduta ambiental, não existindo qualquer mandamento que exija o reconhecimento de culpa por parte da empresa, possuindo natureza jurídica de instrumento de transação legal, onde é imprescindível a bilateralidade e o diálogo entre os envolvidos.

A nosso ver não pode o Ministério Público ou qualquer outra autoridade ambiental exigir o reconhecimento de culpa por parte da empresa, configurando-se nula, ilegal e abusiva qualquer cláusula nesse sentido. É muito preocupante o fato de o Manual Prático da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente do Estado de São Paulo trazer modelos de compromissos de ajustamentos de condutas que orientam os promotores a exigir da empresa o reconhecimento da responsabilidade por suposta degradação ambiental. E é mais temerário o fato de que não há na lei qualquer vínculo entre o ajuste da área administrativo-ambiental e a penal, sendo possível de um lado, o acordo na área administrativo-ambiental e de outro, a responsabilidade criminal derivada exatamente do próprio reconhecimento da suposta degradação ambiental.

Não são poucos os casos em que o ajuste acaba contendo a ilegal confissão com nefastas conseqüências para a área penal. O próprio Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo, aliás, editou recente Súmula n° 27, enunciando: "sem prejuízo da responsabilização do agente público, quando o caso, e de eventuais medidas na órbita criminal, o Conselho Superior do Ministério Público homologará arquivamentos de inquéritos civis ou assemelhados que tenham por objeto infração ambiental consistente apenas em falta de licença ou autorização ambiental, já que a matéria deve encontrar solução na área dos órgãos licenciadores, que contam com poder de polícia suficiente para o equacionamento da questão."

O Ministério Público, portanto, posiciona-se pela total independência entre as instâncias, não sendo a assinatura do termo de ajustamento de conduta ambiental qualquer obstáculo à intromissão penal.

A nosso ver, entretanto, o Termo de Ajustamento de Conduta Ambiental, previsto, quer na Lei de Ação Civil Pública, quer na Lei 9.605/98, não pode ser um instrumento jurídico desconecto da área penal. Em face da circunstância de não ser incomum que promotores criminais recentemente estejam oferecendo denúncias quando já assinados os termos de ajuste ambiental, imprescindível torna-se a reflexão sobre os efeitos da assinatura do TAC na área penal, não figurando mais admissível a independência entre a área ambiental e a penal, o que mostra ser irracional e despropositada a carência de limites à atuação do Ministério Público, ainda mais quando firmado um acordo pelo próprio.

Se de um lado é verdade que a ausência de previsão legal não vincula a área administrativo-ambiental à área penal, por outro, inegável que o Direito é unívoco, não podendo haver ilicitude penal ambiental, sem ilicitude administrativo ambiental.

Enquanto não houver enunciado expresso em lei, será legítimo advogar a suspensão das normas penais ambientais fundada em uma concepção sistêmica, sugerindo que as empresas, antes de assinarem qualquer termo de ajustamento de conduta, observem que não é possível a punição penal ambiental enquanto suspensa a eficácia da sanção administrativa atentatória ao meio ambiente.

O empresário não deve aceitar as propostas sedutoras feitas pelos órgãos ambientais. Deve observar, detalhadamente, os termos do conteúdo da proposta, pois a anuência do termo de ajustamento da conduta ambiental pode lhe gerar sérias conseqüências criminais.

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*Miguel Reale Júnior, advogado, ex-ministro da Justiça, é professor-titular da Faculdade de Direito da USP.

 

 

Eduardo Reale Ferrari é advogado, professor doutor de Direito Criminal da USP e da PUC e sócio da Reale Advogados Associados.

 

 

 

 

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