A lei de improbidade administrativa preconiza em seu artigo 12, entre outras sanções, a suspensão dos direitos políticos, de acordo com a dosimetria e a razoabilidade em função da conduta realizada pelo agente ímprobo.
Uma vez transitada em julgado a ação, o agente ímprobo terá seu nome incluído no Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Improbidade Administrativa e terá tal condição comunicada ao Judiciário Eleitoral, para que sejam tomadas as devidas providências para fins de se determinar a suspensão do alistamento eleitoral do respectivo agente.
O mencionado procedimento, embora oriundo de uma lei existente desde o ano de 1992 – desde o período Fernando Collor de Mello, portanto – ainda hoje se envolve em uma cortina nebulosa, na qual, muitas vezes, se envolvem advogados, magistrados e membros do Ministério Público.
Esta cortina nebulosa se torna ainda mais escura quando o debate cinge-se em torno da sanção de suspensão de direitos políticos.
É sabido que, no Brasil, a Justiça Eleitoral, embora detenha organização própria, ainda não detém magistrados próprios e especializados, razão pela qual, o magistrado comum, bianualmente, veste a toga do Direito Eleitoral, muitas vezes sem maior aprofundamento a respeito de suas nuanças e dificuldades.
Tal panorama é incentivador de uma grave situação que se repete constantemente no cenário nacional.
Por diversas vezes, agentes condenados por ação de improbidade administrativa, se veem impedidos de exercer as faculdades cíveis e cívicas mais básicas, como, por exemplo, a obtenção e renovação de passaportes e outros direitos que o Código Eleitoral preconiza terem como requisito essencial exclusivamente a comprovação de que o eleitor votou, justificou ou pagou a multa eleitoral nas últimas eleições.
Nestes casos, a conduta da Justiça Eleitoral, mormente em zonas eleitorais menores, sem maior acesso à atualização constante junto aos Tribunais Regionais Eleitorais, é simplesmente negar tal direito ao cidadão, o que se condiz numa gravíssima afronta a direitos fundamentais.
A mencionada prática, entretanto, é, além de deveras prejudicial, também totalmente alheia ao dispositivo da Legislação Eleitoral e Constituição Federal em vigor.
Isto porque o Código Eleitoral, em seu artigo 10º estabelece:
Art. 10. O juiz eleitoral fornecerá aos que não votarem por motivo justificado e aos não alistados nos termos dos artigos 5º e 6º, nº 1, documento que os isente das sanções legais.
O mencionado artigo 5º, por sua vez, em seu inciso III, faz entender que se coloca na condição de não alistado, vez que impedido de se alistar, "os que estejam privados, temporária ou definitivamente dos direitos políticos".
Neste ponto recai exatamente o agente condenado definitivamente às sanções da lei de improbidade administrativa, posto que tem seu alistamento eleitoral suspenso.
Desta maneira, vislumbra-se, em análise exegética da legislação eleitoral, que a finalidade buscada pelo legislador foi exatamente de coibir o agente ímprobo de exercer seu direito político passivo, ou seja, registrar-se e concorrer a pleito eleitoral.
Impende notar, desta maneira, que a prática – não rara – de se negar ao cidadão a certidão de quitação eleitoral para fins civis comuns, não atrelados ao exercício da capacidade eleitoral passiva, é abusiva e contrária os dispositivos constitucionais fundamentais pátrios e vem sendo coibida pelos Tribunais Regionais Eleitorais.
Em anos recentes, o Tribunal Superior Eleitoral foi instado a se manifestar - e o fez - em situação semelhante, na qual terminou por expedir a resolução 23.241 que tratava de questão próxima – suspensão de direitos políticos em virtude de condenação criminal transitada em julgado, prevista no mesmo artigo 15 da Constituição Federal, ora tratado – através da qual o Ministro Félix Fischer relatou a seguinte ementa, pacificando a questão:
QUITAÇÃO ELEITORAL. SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. CONDENAÇÃO CRIMINAL DEFINITIVA. EFEITOS. IMPOSSIBILIDADE. IMPEDIMENTOS. ATOS DA VIDA CIVIL. LEGISLAÇÃO ELEITORAL. APLICAÇÃO RESTRITIVA. LEGALIDADE ESTRITA. POSSIBILIDADE. FORNECIMENTO. CERTIDÃO. SITUAÇÃO ELEITORAL. A restrição ao fornecimento de quitação eleitoral ao condenado criminalmente por decisão irrecorrível decorre do alcance do instituto, positivado pelo legislador ordinário, conforme a orientação inicialmente fixada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Res.-TSE 21.823, de 15 de junho de 2004), a contemplar, entre outros requisitos, a plenitude do gozo dos direitos políticos. A exigência de documentos originários da Justiça Eleitoral como condição para o exercício de atos da vida civil, à margem dos impedimentos legalmente estabelecidos em razão do descumprimento das obrigações relativas ao voto, representa ofensa a garantia fundamental, haja vista o caráter restritivo das aludidas normas.
Possibilidade de fornecimento, pela Justiça Eleitoral, de certidões que reflitam a suspensão de direitos políticos, das quais constem a natureza da restrição e o impedimento, durante a sua vigência, do exercício do voto e da regularização da situação eleitoral.
A orientação vem sendo seguida pelos Tribunais Regionais Eleitorais que têm se manifestado pacificamente acerca da possibilidade da expedição da mencionada certidão, nos casos em que haja condenação por ato de improbidade administrativa transitada em julgado.
Desta maneira, deve-se notar, com a devida parcimônia que, além da imprescindibilidade de que a decisão transitada em julgado determine explicitamente a sanção de suspensão dos direitos políticos para que esta se afigure, esta sanção seja interpretada de maneira restritiva, com objetivo de evitar que se restrinjam, também, direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988.
Assim, os cidadãos, advogados, membros do Ministério Público Eleitoral e magistrados designados para responder pela Justiça Eleitoral de todo o Brasil, devem se atentar para o correto ditame e a razoável extensão da pena imposta ao agente ímprobo que, a despeito de não mais deter capacidade eleitoral passiva, ainda assim tem inconteste direito de, como cidadão, exercer plenamente os demais atos de sua vida civil.
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* Gustavo Russignoli Bugalho é advogado no escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia.
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