É natural e inequívoca a dor que cada um de nós sente ao receber uma notícia de tragédia em nosso próprio país. Do recente incêndio na cidade de Santa Maria, vimos fotos de jovens que poderiam ser os filhos de qualquer um e doemos tanto pela tristeza em si e quanto pela dor alheia. Ficamos unidos em luto.
Queremos vingar as vítimas, dar exemplo à sociedade e punir o culpado.
Toda vez que o Brasil sofre um abalo, seja por conta das finanças mundiais, seja por desgraças locais, tentamos sem demora achar culpados. Dentre esses, temos o folclórico hábito de incluir o Governo, seja qual for e em que instância estiver.
Não venho aqui com animus de defender nenhum Governo e nem mesmo entidade que o represente. Ao contrário, se forem esses os culpados, devem ser punidos até com maior rigor, como exemplo social máximo de sacrifício em prol da justiça.
No entanto, na medida em que vão se proliferando os julgamentos informais da população e da mídia, mais necessário se faz refletir sobre o comportamento dos próprios governados.
Nós – o povo brasileiro do qual faço parte – temos nossa parcela de culpa e ela não é pequena. Quem de nós nunca diminuiu a velocidade só prá passar pelo radar, ou silenciou quando percebeu que a sobremesa não fora incluída na conta do jantar, ou teve longa e satisfatória negociação com o guarda que ia aplicar uma multa, ou comprou um CD pirata na rua 25 de Março? Quem nunca usou a carteirinha de estudante muito depois do que deveria ou trouxe uma “muambinha” de Miami e não declarou na aduana? Ou bebeu e ainda assim dirigiu até em casa sob a alegação de que iria devagar?
É possível que o Governo esteja nos representando fielmente.
Para mudar esse ciclo vergonhoso, é preciso agir com nossa própria cultura e história. É preciso que tomemos consciência de que, sim, este país tem muitos valores invertidos e, por isso mesmo, temos a obrigação fazer o exemplo vir da base e não do topo.
Somos nós, cada um de nós, os responsáveis pela tolerância zero. Nós temos que ficar arrepiados com a mera possibilidade de oferecer propina, de tomar um atalho em qualquer fila, de funcionar sem autorização, de sonegar imposto, de vazar o farol vermelho.
Somos nós, cada um de nós, que devemos dar o exemplo de recusar alegrias ilegais ou benefícios indevidos. Quando estivermos todos cobertos de razão, quem não estiver vai ficar com vergonha porque vai aparecer de roupa vermelha onde todos aparecerem de branco.
Não dá pra fazer certo só quando for conveniente. Há que fazer certo sempre, todo mundo, todo o tempo. Chega de dar um jeitinho, porque, o jeitinho de um pode significar a morte do outro e, para a morte, não há jeito.
E minhas desculpas àqueles que não se enquadram em nenhuma modalidade de esporte ardiloso como os que usei de exemplo. A esses, como a mim, vale continuar correndo avidamente pelo bem, para tentar compensar aqueles que nos atrasam com os freios infandos dos espertalhões.
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* Luciana Gualda é Diretora Executiva Jurídica da Aché Laboratórios e membro do Jurídico de Saias
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