Pelo fim dos contratos de publicidade governamental
Marçal Justen Filho*
Ficou evidenciado o enorme potencial lesivo dos contratos administrativos de publicidade.
Ao longo do tempo, o Direito brasileiro vem aperfeiçoando os mecanismos de controle dos gastos públicos. Isso permite identificar e reprimir desvios.
Especialmente em virtude da atuação do Tribunal de Contas da União, vai se tornando cada vez mais difícil que as contratações de obra pública (tradicionalmente referidas como ponto vulnerável do sistema) propiciem desvios. O cenário não é nenhuma maravilha, mas os instrumentos de controle são cada vez mais eficientes.
À medida que se aperta o torniquete quanto às obras públicas, verifica-se um preocupante descontrole no tocante aos contratos de publicidade. Com a maior das boas intenções, a Lei n° 8.666 determinou a obrigatoriedade de licitação para esses contratos. Mas a licitação se faz por critérios de técnica, em que o aspecto da criatividade da proposta é essencial. Isso permite decisões fundadas em elementos subjetivos, tornando inviável o controle da regularidade da escolha. Isso não equivale a afirmar que todas as licitações, nessa área, sejam defeituosas, mas visa a assinalar a dificuldade de seu controle.
Veja-se que as contratações objeto de questionamento, nos eventos ocorridos nesses últimos dias, foram todas objeto de prévia licitação. Em inúmeros casos, a agência do publicitário que fez a campanha do candidato vencedor das eleições sagrou-se vencedora de licitações subseqüentes – embora o evidente e inquestionável conflito de interesses.Ora, quem é credor pessoal do candidato (ou do partido) está impedido de participar de licitação promovida e comandada pelo mesmo, especialmente quando ainda não houve a liquidação de seus créditos pelo trabalho desenvolvido durante a eleição.
Mas o problema não reside na licitação propriamente dita. Está nas contratações.Em primeiro lugar, é um despropósito que o Estado brasileiro aloque a anualmente centenas de milhões de reais em publicidade.Esse é o núcleo do problema.Nem cabe discutir a licitação, porque o fundamental é a ofensa ao princípio da moralidade em prever que o governo realizará “campanhas publicitárias” tal como se se tratasse de uma empresa privada.
Pior ainda, gastando recursos muito mais elevados e relevantes.Há ofensa ao princípio da República, porque os valores destinados à publicidade governamental poderiam ser utilizados para satisfação das necessidades coletivas.Não pode haver dúvida sobre a solução compatível com a Constituição: entre alimentar um carente e produzir filmes maravilhosos sobre como o governo desempenha bem as suas tarefas, o Estado é obrigado a optar pela primeira alternativa.
Mais grave é que os contratos de publicidade são contratos “abertos”, insuscetíveis de controle.Compreendem um conjunto indeterminado de contratações derivadas, que são conduzidas livremente pela agência de publicidade.Essas contratações são realizadas sem subordinação ao Direito Administrativo, embora sejam custeadas com recursos públicos. Portanto,os contratos de publicidade envolvem projeções bastante indeterminadas sobre encargos e tarefas a serem futuramente executadas.Caracterizam-se pela elevada indeterminação das prestações assumidas pelas partes, especialmente pela agência de publicidade.É muito difícil promover a verificação dos valores efetivamente desembolsados.É perfeitamente possível que valores vultosos, desembolsados pelos cofres públicos num contrato de publicidade, sejam canalizados para fins não compatíveis com a probidade.
Aliás, há fortes indícios de que tal se passou nas contratações objeto de denúncias e investigações.
Portanto, melhor seria a pura e simples eliminação dos contratos de publicidade, desenvolvendo-se por meio da imprensa comum a comunicação social das atividades estatais.
Se essa não for a solução a ser adotada, então será imperioso alterar a modelagem dos contratos de publicidade, impondo mecanismos de predeterminação dos desembolsos e de controle rigoroso das soluções adotadas pelas agências. Mais ainda, a manutenção das contratações deverá ser acompanhada de modificações radicais no tocante às licitações.
Em primeiro lugar, deverá reconhecer-se o impedimento da participação de pessoas físicas e jurídicas vinculadas pessoalmente ao processo eleitoral: se não for proibida a contratação de publicitários e empresas de publicidade para assessoramento de campanhas, ter-se-á de convir com a configuração de vedação a que essas mesmas pessoas disputem contratos de publicidade durante a gestão daqueles a quem ajudaram a eleger.Existe claro conflito de interesses, que conduz – em virtude do princípio da moralidade – à vedação à sua participação no certame licitatório.Então, o publicitário deverá realizar uma opção: ou assessora o candidato ou assessora o governante.A cumulação de ambas as atividades é incompatível com os princípios norteadores das licitações.
Em segundo lugar, deverá vedar-se que as comissões de licitação sejam integradas por sujeitos indicados pelo Chefe do Poder Executivo (ou por seus assessores diretos), porque isso induz inquestionável suspeição sobre a imparcialidade dos indicados.
Em terceiro lugar, a comissão de licitação nas licitações de contratos de publicidade deverá ser composta também por sujeitos externos ao Poder Público. Isso significará ou a indicação de um representante do Ministério Público ou do Tribunal de Contas ou, mesmo, de um especialista independente e autônomo.
Em quarto lugar, deverá eliminar-se a licitação de tipo técnica e preço, passando-se à solução da melhor técnica. Essa orientação pode parecer, aos que não conhecem licitação, muito menos confiável. Isso não é verdade, eis que a licitação de melhor técnica exige que a contratação seja feita pelo menor preço (contrariamente ao que se passa na licitação de técnica e preço).
Em quinto lugar, é imperioso que se elimine o critério da pura e simples “criatividade” (ou similar), insuscetível de controle.
O que não se pode admitir é que tudo prossiga tal como tem sido usual nas contratações de publicidade, porque isso conduz a manter abertas as oportunidades para esquemas inadmissíveis de corrupção.
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*Advogado do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados
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