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A integralização de capital social com a transferência de tecnologia, ou know-how

A integralização de capital social com a transferência de tecnologia, ou know-how.

2/1/2013

Na sociedade limitada, considerando seu propósito lucrativo, é necessária, para viabilizar o exercício do objeto social, a formação do capital social. Em relação a essa modalidade societária, a lei não exige um capital mínimo para contribuição, as quotas são livremente distribuídas e a integralização do capital social pode ser feita mediante a transferência de bens. Por bens podem-se entender tanto os bens materiais, quanto aqueles imateriais, desde que suscetíveis de avaliação monetária.

Como bem sintetizou José Edwaldo Tavares Borba, a rigor, a natureza da contribuição é, em regra, em dinheiro, sendo que “Os demais bens somente serão admitidos se corresponderem a um especial interesse da companhia, a ser previamente determinado”.1

Dessa forma, defende-se que, na noção de bens imateriais, insere-se o know how, como o conjunto de conhecimentos específicos ou habilidades profissionais, que uma vez lhe seja conferido valor patrimonial e seja ele apresentando como relevante ao ente coletivo, poderá então ser utilizado pelo sócio, a fim de adimplir o seu dever de integralização do capital social.

É de se ponderar que, muito embora o conceito de know how se atrele ao de um bem imaterial, esse também poderá ser formado por elementos materiais2, que consubstanciam a aplicação desse conhecimento. Nessa linha, exemplifica Fran Martins “como no caso em que a transferência desse bem se faz através de desenhos e gráficos que configuram o modo de procedimento”.3 Assim, na hipótese em foco, a obrigação de transferir o know how englobaria, como obrigação acessória, a transferência de bens materiais e infungíveis, para garantir o resultado pretendido.

Por outro lado, há na doutrina certa resistência em aceitar a integralização do capital social a partir do contrato de transferência de know how. Nessa linha, pondera Denis Borges Barbosa:

“Temos assim que o segredo de empresa, o know how e outros objetos de mesmo gênero não são suscetíveis de ser conferidos ao capital, salvo quando parte de um conjunto organizado de bens de natureza concorrencial, e de forma que se assegure uma razoável oportunidade de mercado.4

Ainda, nos dizeres de José E. Tavares Borba: “o Know- how ou a experiência acumulada é indissociável da pessoa que a detém, sendo assim intransmissível a não ser como mera força de trabalho, o que a inviabiliza para integralizar o capital (...)”5.

De fato, ao considerar o know how como um conjunto de habilidades ou qualidades do profissional, não seria possível dissociá-lo da figura do sócio. Contudo, visto que, sob o aspecto econômico, tais peculiaridades serão empenhadas a favor da sociedade e estimadas no mercado, sendo-lhes atribuídas valor determinado, não parecem, de fato, existir quaisquer óbices legais para se promover a integralização mediante o know how.

Dessa maneira, a transferência do know how para sociedade se daria mediante celebração de um contrato, aferido como um contrato atípico, consoante ao disposto no artigo 425 do CC.

Nesse sentido, as partes poderiam livremente estipular as cláusulas eficazes para integralização do know-how. Todavia, como a situação ora tratada insere-se no centro das relações fundadas na autonomia da vontade, é preciso lembrar que a liberdade de contratar nunca se apresentou como um direito ilimitado e absoluto.

Muito embora, sob o aspecto material, os contratos sociais se consubstanciam em declarações de vontade, as partes não podem estipular, para tal fim, a integralização mediante a prestação de serviço, eis que a legislação brasileira veda expressamente tal possibilidade no § 2°, do artigo 1.055 do CC.

Para efetiva integralização, observa-se, também, que, para as sociedades limitadas, a lei é omissa quanto ao procedimento necessário para apuração dos valores dos bens. A princípio seria necessária uma perícia técnica, para aferir de forma ampla, o valor real da participação do sócio em comento.

Acresce, ainda, Adalberto Simão:

“É recomendável que o know how seja avaliado para fins de atribuição de valor. Para tanto, é necessário ter um memorial descritivo do know how para se entender efetivamente em que ele consiste e quais as possibilidades de utilização por parte da sociedade, inclusive para que se possa bem implantá-lo, proporcionando o devido treinamento dos responsáveis pelo uso e, ainda, a eventual realização de outros negócios jurídicos por parte da sociedade na qual o know how, integralizado o capital, esteja presente6”.

Cumpre assinalar que tantos e tão variados podem ser os critérios adotados para conferir valores aos bens imateriais, que não é possível indicar parâmetros homogêneos para realização da avaliação, visto que, por mais assemelhados que os elementos sejam, as perícias possuem discrepância em virtude da natureza do know how, sua utilidade e recepção pelo mercado.

Não obstante, frisa-se que o enunciado do Comitê do Pronunciamento Técnico Contábeis 4 define o tratamento contábil dos ativos intangíveis, traçando importantes referências para a imputação de valores ao know how. Verifica-se, portanto, que são considerados, entre outros fatores, a sua expectativa de rentabilidade futura e o contrato a qual o know how está vinculado.

Assim, em larga generalização, no caso em que o conhecimento técnico do sócio represente uma inovação tecnológica capaz de reduzir os custos operacionais da sociedade, a perícia contabiliza, para fins de conferir o valor específico do know how, o montante equivalente à economia realizada.

Em vista dessas disposições, conclui-se que, como bem assinala Nelson Abrão, citando Cañizares y Azitria: “Uma avaliação por peritos é necessária, porém também é indispensável que subsista a responsabilidade solidária dos sócios que aprovarem esta avaliação7.

Pondera-se também a possibilidade de dispensa da perícia técnica, quando houver consenso entre os sócios quanto ao valor conferido ao know how. Nesse caso, a perícia só seria necessária na eventual hipótese de se apurar fraude contra credores da sociedade.

Isto se daria caso a integralização procedida por know how impute um valor que não corresponda à realidade, superior ao estimado, a fim de frustrar a expectativa de credores que buscam no patrimônio social a garantia do pagamento. A perícia, sob esse enfoque, visaria apurar o real valor do know how, vez que, como se sabe, a responsabilidade do sócio é limitada à importância do capital social8.

Enfim, o problema prático de conferir o valor ao know how não dispensa a possibilidade de seu uso para integralização do capital social. Salienta-se, assim, que a confluência de diversas novas habilidades e conhecimentos estimados no mercado abre caminho para novas formas de contribuição ao capital social, em respeito ao dinamismo das relações empresarias atuais.

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1 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 9° ed.rev.,aum. e atual. Rio de Janeiro:Renovar, 2004.p.197.

2 MARTINS, Fran, contratos e obrigações comerciais. ed. rev.e aum. Rio de Janeiro, Fosense, 1996. p.501.

3 MARTINS, Fran, ob.cit, p.501.

4 BARBOSA, Denis Borges. Da Conferência de Bens Intangíveis ao Capital das Sociedades Anônimas.

5 BORBA, José Edwaldo Tavares. ob.cit.p.198.

6 SIMÃO FILHO, Adalberto. A nova sociedade limitada, Baruerí, SP: Manoele, 2004.

7 ABRÃO, Nelson. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. 5° ed, revista e ampliada, p.73

8 Artigo 1052/CC: “Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”.

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*Fernando Di Sabatino Guimarães Lisboa e Nathália Milagres Mendes

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