Migalhas de Peso

Agências capturadas

A dificuldade de o atual governo rever conceitos e situações herdadas do anterior é visível, o que o torna prisioneiro dos equívocos do regime vigente de intervenção na economia.

18/12/2012

Em março de 2003, a imprensa noticiava que o então “líder do PTB na Câmara, Roberto Jefferson, declarou que o presidente Lula resumiu em uma frase, na reunião com os líderes da base aliada, a sua crítica à atuação das agências reguladoras: ‘terceirizaram o poder político do Brasil’”; e o “líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante... ressaltou que o governo de Lula tentará 'resgatar a inteligência do Estado’”.

Não há notícia de a inteligência do Estado haver sido resgatada, mas agências reguladoras, cujos titulares passaram a ser nomeados segundo o interesse partidário do governo, estão hoje sob a mira da Polícia Federal.

A criação de agências (com esta denominação) para regular a prestação de serviços públicos outorgada a empresas privadas foi proposta na década de vinte. Elas deveriam ser “constituídas de peritos capazes de concretizar e aplicar os standards legislativos”, cercadas das “maiores garantias de competência administrativa” e de independência decisória e hierárquica, para que fossem “varridas quaisquer influências que possam, de qualquer modo, desviá-las de seus fins”.

Esse projeto foi fulminado pouco depois, reduzidas as agências a simples órgãos ordinários da administração pública, estritamente subordinados à vontade singular do governo. O vinco autoritário nativo uniu os ramais ideológicos à esquerda e à direita na defesa da hipertrofia do Executivo, e a intervenção deste na economia, e não a impessoal do Estado, passou a ser aceita naturalmente.

A criação de agências no processo de reprivatização suscitou a particular interpretação de alguns juristas: independência em relação ao governo e mandato, assegurados a seus dirigentes, impediriam o presidente da República eleito de cumprir o seu programa, em clara “fraude ao povo”; e tais órgãos seriam “meras repartições públicas”. Portanto, caberia ao presidente, ao tomar posse, demitir e nomear novos dirigentes, pois só estes seriam capazes de executar a política pública do novo governo.

A dificuldade de o atual governo rever conceitos e situações herdadas do anterior é visível, o que o torna prisioneiro dos equívocos do regime vigente de intervenção na economia, evidenciados de forma cada vez mais dramática. Nenhum dos inspiradores desse regime veio a público defendê-lo, ou reconhecer-lhe os erros e propor a sua revisão. Talvez suponham que, concentrado o poder regulatório no titular do Executivo, a ele cabe arcar com as suas falhas e explicá-las à sociedade. Mas surgem sinais de que a presidente irá afirmar uma regulação técnica e independente da ação partidária. Se conseguir, os investimentos virão a seguir.

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* Pedro Dutra é advogado






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