No dia 7 de outubro de 2011, a Polícia Federal realizou mais uma de suas operações midiáticas, desta vez intitulada “Operação Black Ops”, que pode possuir alguns significados: (i) referência a uma “missão secreta” ou a “operação clandestina”; (ii) homenagem ao jogo Call of Duty do videogame Playstation; ou (iii) promoção do preconceito racial pelo emprego lamentável do adjetivo “black” – “preto” – para fazer analogia ao combate a uma suposta organização internacional (e porque não universal ou intergaláctica) pela Polícia Federal; ou seja, “a cor preta está necessariamente ligada a algo ruim”.
Naturalmente que o objetivo, apesar de seu significado, foi o de, como sempre, promover a instituição dão Polícia Federal e, ao final, o Governo com a prisão da classe de pessoas aptas a praticar o que a Criminologia do Direito Penal Econômico denomina como crime of the powerfull – “criminalidade dos poderosos” –, como empresários e políticos, e constranger pessoas de seus círculos familiar, pessoal e profissional.
Além de se tratar de um ato de governo – e não de estado –, este fenômeno – busca desenfreada, ilimitada e irracional por “criminosos poderosos” – possui uma conotação social muito forte porque não existe mais interesse da sociedade no encarceramento de “criminosos pobres” – lower class crime –, e nem da mídia: os cidadãos não estão nem aí para eles e, consequentemente, jornais e revistas não são vendidos, ensejando a perda de receita com propaganda. Figuras como “Fernandinho Beira-Mar” e “Marcinho VP” não existem; aliás, existem porque o tráfico de drogas possui uma organicidade peculiar, porém esta criminalidade não mais interessa à sociedade, de forma que não são divulgadas pela mídia e, consequentemente, ignora-se a sua existência. Ainda no plano da sociologia, ninguém mais se choca com a prisão de um “criminoso pobre”, mas quando percebe que o seu vizinho foi preso – um empresário muito bem sucedido, por exemplo –, chega até a ter o sentimento de satisfação, inclusive, pensando: “Eu sabia: ele só podia ser um bandido! Quem tem dinheiro para comprar um carrão daqueles?”.
No caso da “Operação Black Ops”, apesar do sigilo das investigações, a mídia noticiou que importantes artistas e extraordinários jogadores de futebol acabaram adquirindo a qualificação de “investigados” pelo simples fato de terem adquirido seus automóveis importados, após esforço de uma vida inteira. É curioso notar que a própria mídia que possui a força de promover estes personagens com a divulgação de suas músicas, muitas de péssima qualidade, mas que “vendem”, ou de boas atuações no campo de futebol, acabam promovendo a sua desgraça e ostracismo, conforme a sua conveniência.
Aliás, voltando à questão do sigilo, é importante que se diga que frequentemente a mídia toma conhecimento de toda a investigação, tanto que a acompanha como na também recente “Operação Turismo Legal”. Como se não bastasse esta gravíssima violação de sigilo, que busca preservar a intimidade e a privacidade das pessoas envolvidas, normalmente o acesso a estas informações é vedado ou dificultado aos advogados, resposta que encontramos em brilhante advertência do Professor NILO BATISTA (Folha do IAB, n. 105, julho/agosto de 2011, p. 7), o advogado criminalista é visto como um parceiro do crime.
O fenômeno exige uma pesquisa profunda que foge a proposta deste breve artigo. Por outro lado, merece uma maior reflexão por parte da sociologia política (seguramente a parte mais sensível) que também não é possível de ser desenvolvida nesta oportunidade. O que se pretendeu com este artigo foi destacar que o sistema de combate aos “criminosos poderosos” funciona de forma diametralmente oposta a dos “criminosos pobres”: é movida por um sentimento de egoísmo e inveja muito forte, inclusive por agentes públicos, porque parte-se da premissa de que ninguém pode ter sucesso de forma honesta. Portanto, o raciocínio silogístico é o seguinte: toda pessoa bem sucedida é criminosas; o empresário tem sucesso; logo, o empresário é um criminoso. Não é preciso discorrer dos equívocos desta técnica de argumentação jurídica, o que é preciso é ter coragem para enfrentar o sistema e promover as mudanças necessárias ao necessário respeito da Constituição, em especial por agentes públicos verdadeiramente comprometidos com os princípios democráticos e republicanos.
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* Felipe Machado Caldeira é advogado criminalista do escritório Luchione Advogados. Mestre em Direito Penal pela UERJ, especialista em Direito Penal Econômico pelas Universidades de Coimbra, Castilla-La Mancha e Milão. Professor do curso de graduação em Direito do IBMEC e dos cursos de pós-graduação do IBMEC (LLM em Direito Corporativo), da FGV (LLM em Direito Tributário e MBA em Direito Empresarial) e da UCAM (Especialização em Direito Penal e Processual Penal).
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