Migalhas de Peso

Infraestrutura urbana na ordem do dia?

Não se viu na agenda dos candidatos que ascenderam ao segundo turno da corrida à Prefeitura de São Paulo qualquer discussão em programa de governo que pensasse, seriamente, acerca da infraestrutura da cidade.

27/11/2012

Preconiza a Constituição Federal, em seu art. 182, ser dever do Poder Público municipal fazer valer a política de desenvolvimento urbano, com a finalidade de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais e garantir o bem estar da população circunscrita em seu território. Por assim fazê-lo, à evidência, o poder constituinte originário, máxime em decorrência do emprego do vocábulo “pleno”, erigiu a boa administração urbana como princípio e fundamento republicanos, eis que informam a cidadania e o desenvolvimento nacional, garantidos no art. 1º, II e art. 3º II, ambos da Lei Maior.

De resto, Direito Urbanístico é matéria de competência legislativa concorrente entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal (art. 21, I da CF), o que nos leva a concluir que o art. 182, programático em sua essência, embora se refira exclusivamente ao Poder Público municipal – e, por isso, a criação do Estatuto das Cidades – jamais teria o condão de excluir da União, Estados Federados e DF o dever primeiro de zelar e fazer aplicar infraestrutura urbanística a contento, ainda que o art. 21, XX da CF limite-se a estabelecer de competência da União a instituição de diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos. Tanto assim, que a Lei nº 10.233/01, editada em razão da necessidade de ordenação dos diversos modais (art. 178 da CF), dispõe que o Sistema Nacional de Viação – SNV é constituído pela infraestrutura viária e pela estrutura operacional dos diferentes meios de transporte de pessoas e bens, sob jurisdição da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Debaixo deste complexo regime jurídico vem sendo difundido pelo Governo, por meio do Programa de Aceleração de Crescimento, em sua segunda fase, diversos pacotes relacionados à infraestrutura do país, em seus três maiores segmentos, permita-nos dizer, comunicações, transportes e energia elétrica. Nesse diapasão, este ano, de magistral importância para a sorte do país, viu-se rigorosa atuação da ANATEL contra as teles, a fim de que elas se adequassem ao crescimento do número de aparelhos celulares Brasil afora; o leilão do 4G, para evitar congestionamento da rede durante os grandes jogos de 2.013, 2.014 e 2.016; o leilão dos aeroportos, cujo modelo e concorrência foram pessoalmente criticados pela Presidente Dilma. E, por isso e mais recentemente, a alteração do modelo de concessões para os transportes ferroviários e rodoviários, além da renovação das concessões do setor de energia elétrica, que, ao que tudo indica, será duramente questionada no Judiciário.

Com este cenário, desenhada a infraestrutura do país de fora para dentro das Cidades, com grandes investimentos anunciados, o que torna ainda mais especial este plexo de políticas públicas, a iniciativa privada, por mais que haja relutância de alguns com pensamentos, não raras vezes, retrógrados, é conclamada a prestar o serviço público na primeira ponta, sob austero regime de Direito Público, na forma do art. 175 da CF.

Por seu turno, a Confederação Nacional das Indústrias (CNI), pela sua Gerência de Infraestrutura, em recente e brilhante estudo publicado, denominado “Cidades: Mobilidade, Habitação e Escala, um Chamado à Ação”, lança mão proposta que, certamente, colocará um grande ingrediente neste gigantesco axioma constitucional, que irradia efeitos concretos por toda a ordem jurídica e social, e do qual o desenvolvimento urbano não poderá apenas ser encarado como um dogma ou programa: pelo contrário, urge seja colocado em prática, a fim de garantir o desenvolvimento nacional.

A CNI já anunciou que fará levar este estudo às mãos da Presidente da República, cuja leitura é mais do que recomendada: clique aqui.

Com 85% da população localizada em centros urbanos, boa parte deste contingente em apenas 12 grandes cidades (São Paulo e Rio de Janeiro, respondem por 20% da população urbana), o estudo destacada que este crescimento não foi acompanhado de política pública capaz de garantir mobilidade, habitação e qualidade de vida, não por mera coincidência, o quanto querido pelos arts. 21, XX e 182, ambos da CF.

A grosso modo, o estudo propõe seja o Brasil repensado de dentro para fora das Cidades, eis que “o desenvolvimento urbano tem de estar na agenda do dia, com combinação de soluções de urbanismo e planejamento de transportes como caminho para garantir o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida. A gestão das cidades é indispensável para o êxito dessas iniciativas, não sendo mera retórica afirmar que as cidades brasileiras estão parando, o que afeta o desenvolvimento do país ao restringir o fluxo de pessoas, bens e ideias, resultando em menos produtividade, inovação e qualidade de vida”.

Com severas críticas à falta de política pública eficaz na gestão do transporte coletivo urbano, destaca a CNI, com razão, que o investimento em infraestrutura nas cidades ficou muito aquém do necessário, um erro histórico, institucional e que deve ser premente e urgentemente corrigido, sob pena de permitir o alargamento do já anunciado colapso. E, <_st13a_personname w:st="on" productid="em Direito Administrativo">em Direito Administrativo, previsibilidade demanda eficiente (boa) administração, sob influxo de gestão responsável da coisa pública, imposta pelo Estado de Direito como regra positiva e dogmática: não é exceção, como se verificou ao longo da história.

O estudo desce à minúcia e propõe um remapeamento intermodal do transporte urbano, com abordagem histórica e hodierna, passando pela defasagem de moradias, urbanística e fundiária, instrumentos de governança, traz à colação os paradoxos hoje vivenciados, quais sejam, crescimento econômico x falta de política urbana e tempo x distância, para, em suma, destacar o alto custo gerado pelo travamento das cidades, em razão de pouco – ou nenhum – pensamento estratégico (do que adiantaria a infraestrutura nacional pensada pela União, se o crescimento e a fruição que se pretende esbarrassem na entrada das Cidades?), o que se propõe seja corrigido, a fim de “que o sistema urbano brasileiro seja tratado em sua dimensão estratégica para efetivo desenvolvimento socioeconômico do país”.

Enfim, ao trazer a questão para uma realidade a mim mais próxima, não se viu na agenda dos candidatos que ascenderam ao segundo turno da corrida à Prefeitura de São Paulo qualquer discussão em programa de governo que pensasse, seriamente, acerca da infraestrutura desta Cidade. Quadra previsível, em um futuro sombrio não muito distante, a trava ao escoamento dos insumos, bens e serviços, e, por conseguinte, coloca-se em xeque o bem estar da sofrida população paulistana.

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* Fabio Martins Di Jorge é advogado, especialista em Direito Administrativo e integrante da área de Infraestrutura do escritório Peixoto E Cury Advogados - fabio.martins@peixotoecury.com.br

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