Migalhas de Peso

Honorários de sucumbência pertencem à parte e não ao advogado

Os honorários se transformaram num fim em si mesmo, mais importante do que a própria causa.

20/11/2012

Os honorários de sucumbência devem pertencer à Parte, e não ao advogado. Isso está muito claro no CPC, art. 20, que determina que "a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios".

Essa regra é tão importante que foi justificada na Exposição de Motivos do CPC atual, conforme texto que se segue:

O projeto adota o princípio do sucumbimento, pelo qual o vencido responde por custas e honorários advocatícios em benefício do vencedor. O fundamento desta condenação, como escreveu Chiovenda, é o fato objetivo da derrota: e a justificação deste instituto está em que a atuação da lei não deve representar uma diminuição patrimonial para a parte a cujo favor se efetiva; por ser interesse do Estado que o processo não se resolva em prejuízo de quem tem razão e por ser, de outro turno, que os direitos tenham um valor tanto quanto possível e constante. (negritamos)

Vários processualistas afirmam isso. Citaremos apenas um deles, o Professor Humberto Theodoro Junior, que ensina:

"Adotou o Código, assim, o princípio da sucumbência, que consiste em atribuir à parte vencida na causa a responsabilidade por todos os gastos do processo. Assenta-se ele na ideia fundamental de que o processo não deve redundar em prejuízo da parte que tenha razão".

O Novo Código Civil, em seus arts. arts. 389 e 395 ratificam a regra:

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado

Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Essa é uma disposição justa e importante, eis que é um meio da Parte vencedora ser restituída das despesas e custos em que incorreu com o processo para defender o seu direito. É absolutamente injusto, em nome do princípio da reparação integral, que a pessoa vença determinada demanda, porém perceba seu patrimônio ser reduzido em razão de que as despesas em que incorreu (para a defesa daquele direito) não lhes foram ressarcidas pelo perdedor. Mais injusto ainda é a Parte vencedora constatar, por outro lado e ao mesmo tempo, o seu advogado (que já foi pago – e muito bem pago, diga-se de passagem) recebendo novamente, num bis in idem, um valor que deveria ser seu.

Grosso modo, o princípio da reparação integral procura colocar o lesado em seu direito numa situação equivalente à anterior ao fato danoso.

Nenhuma razoabilidade, lógica ou ética há na circunstância do advogado da Parte vencedora, que já recebeu seus honorários profissionais (como todas as demais profissões), ainda pretenda se tornar “sócio" de seu cliente na demanda, avançando em recursos que deveriam pertencer exclusivamente ao seu cliente (de acordo com o CPC) para ressarcimento das despesas (inclusive com o próprio “sócio advogado”) e custas em que incorreu para a defesa de seu direito.

Nesse sentido, concordo plenamente com o trocadilho do Ministro Joaquim Barbosa: “infelizmente, parece estar se realizando: promoção do rule of lawyer em detrimento do rule of law.

O Estatuto da OAB, nos arts 22 e 23, retira da sociedade os honorários de sucumbência. Importante lembrar que apesar disso o art. 20 do CPC não foi revogado. Por essa razão foi introduzido um “Cavalo de Tróia” no novo Código de Processo Civil que ora tramita silenciosamente na Câmara dos Deputados: os honorários de sucumbência passarem a pertencer ao advogado e não à parte.

Os artigos 22 e 23 do Estatuto da OAB foram habilmente introduzidos por meio de uma série de ações corporativas, reiteradas e poderosas que agiram sobre o Congresso Nacional, em prejuízo para a sociedade, que já paga os honorários profissionais (a propósito, elevados face à realidade brasileira). Trata-se do mesmo e poderoso, corporativo e silencioso lobby que ora age sobre os trabalhos do novo Código de Processo Civil.

Embora nada se fale sobre o tema, essa é uma das razões em que advogados interpõem recursos e mais recursos para tentar reverter decisões (mesmo as com pouca probabilidade de reversão), não porque acreditam que seu recurso irá prosperar, mas porque vislumbram a possibilidade (ainda que remota) das sucumbências que poderão ganhar, num conveniente "desvio de finalidade".

Do mesmo modo, é de sabença geral que a expectativa por parte dos advogados em relação aos honorários de sucumbência são um dos grandes entraves que impedem acordos entre as partes, pois na crença abusiva e antiética de que são "sócios da causa" (por meio dos honorários de sucumbência), agem como se fossem os donos da causa, em consonância apenas com seus próprios interesses (o que é muito difícil de comprovar, pois em tese estão exercendo a “ampla defesa”), não aceitando acordos (e assim, prejudicando as partes e protelando ad infinitum a causa).

Vale dizer, podem até aceitar acordos, desde que esses lhes sejam muito convenientes (receber os honorários de sucumbência), em conformidade com o “Princípio de Mateus” (“Mateus, primeiro os meus" ou do “Princípio da Farinha” ("Se a farinha é pouca, meu pirão primeiro").

Ou seja, os honorários de sucumbência neste País se transformaram num fim em si mesmo, mais importante do que a própria causa, com evidente prejuízo à sociedade.

Ainda que se admitisse como ético o recebimento de honorários de sucumbência pelo advogado da parte vencedora (lembrando sempre que esse advogado já fez ou faz jus aos honorários profissionais convencionados com seu cliente, como todas as demais profissões), é por demais evidente que há que se aplicar o princípio da razoabilidade e proporcionalidade em causas cujos valores de condenação sejam exorbitantes, como as que envolvem a Fazenda e o Poder Público, hipóteses em que os honorários de sucumbência devem – e podem - ser inferiores até mesmo aos tradicionais 10%, devendo ser fixados por meio de apreciação equitativa do juiz, nos precisos termos do art. 20, § 4º, CPC.

Por amor ao debate, numa eventual discussão sobre a quem pertencem os honorários de sucumbência (para mim não resta qualquer dúvida que é para a parte, e não ao advogado), pode-se até admitir a adoção de uma fórmula a ser adotada na ocasião da fixação dos honorários de sucumbência, desde que priorize sempre a Parte vencedora (cliente). Assim, inicialmente, dos honorários que foram fixados, restitui-se para a parte vencedora (cliente) todas as despesas que teve com o processo, inclusive com seu advogado. O restante será rateado à base de 50% entre cliente e seu advogado.

Essa fórmula me parece a mais justa, eis que a Parte tem a restituição de suas despesas (princípio da reparação integral) e mais um “plus” a título dos aborrecimentos e contratempos que teve com o referido processo. O advogado, por sua vez, além dos honorários contratuais, terá parte dos honorários de sucumbência. E todos ganham, sem que um (advogado) tenha seu patrimônio acrescido injustamente às expensas do patrimônio do outro (cliente).

Sempre é bom lembrar que o processo judicial é instrumento de realização da Justiça, sendo um dos fundamentos da democracia; ele deve permitir que o vencedor recupere integralmente seu direito. Por sua vez, a advocacia tem forte carga de serviço público, devendo atenção aos princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

O ministro Marco Aurélio, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1194/DF, declarou voto de prevalência do artigo 20 do Código de Processo Civil, afirmando que:

"... os honorários de sucumbência, a teor do disposto no artigo 20 do CPC, são devidos à parte vencedora e não ao profissional da advocacia".

Na mesma ADI, o Ministro Cezar Peluso proferiu voto reconhecendo expressamente que o artigo 21 da Lei 8.906/94 afronta o devido processo constitucional substancial:

"Penso que tal norma também ofenderia o princípio do devido processo legal substantivo, porque está confiscando à parte vencedora, parcela que por natureza seria destinada a reparar-lhe o dano decorrente da necessidade de ir a juízo para ver sua razão reconhecida."

O ministro Gilmar Mendes aderiu ao entendimento do Ministro Peluso:

"Penso, na linha do Ministro Peluso, que essa sistemática possui uma matriz constitucional. Ao alterar a disposição que constava do Código de 1973, a lei acabou por comprometer um dos princípios basilares desse modelo, dando ensejo a um indevido desfalque do patrimônio do vencedor. É evidente que a decisão legislativa contida na disposição impugnada acaba por tornar, sem justificativa plausível, ainda mais onerosa a litigância, e isso é ofensivo ao nosso modelo constitucional de prestação de justiça."

Na mesma linha, o entendimento do ministro Joaquim Barbosa, abaixo com destaque:

"Pode-se dizer o mesmo quanto ao contexto brasileiro. Incrementar custos de litigância "sem uma justificativa plausível" - para usar as palavras do ministro Gilmar Mendes - é atentatório ao princípio da proteção judiciária. Não é plausível, assim, que uma lei cujo objetivo seja regular prerrogativas para a nobilíssima classe dos advogados estabeleça que não cabe à parte vencedora, seja ela empregadora ou não, os honorários de sucumbência. Tais honorários visam justamente a que a parte vencedora seja ressarcida dos custos que tem com o advogado, empregado seu ou contratado. Os dispositivos impugnados, ao disciplinarem que a verba de sucumbência pertence ao advogado, não promovem propriamente a rule of law, mas o rule of lawyers. Com isso, não se incrementa a proteção judiciária, mas apenas se privilegia certa classe de profissionais que devem atuar sempre em interesse da parte que representam, de acordo com as regras de conduta da advocacia."

O art. 133 da Constituição é claro: o advogado é indispensável à administração da justiça. Não se administra a justiça por meio da injustiça. O problema é que o tema “honorários de sucumbência” termina por assumir ares que beiram ao “exoterismo”. Torna-se um tema “místico” e “transcendental”, por conta de sua própria denominação (linguagem técnica), que não faz parte do cotidiano dos não operadores do Direito (as tais pessoas “leigas”). Assim, pelo desconhecimento – convenientíssimo, diga-se de passagem - não são uma verba de conhecimento de todos, e assim, no silêncio, têm sido objeto de injusto apoderamento, em que pese o teor do art. 20, CPC.

Cabe ao Congresso Nacional – agora, a Câmara dos Deputados - restituir o direito dos honorários de sucumbência ao seu legítimo dono: a sociedade.

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* Milton Córdova Júnior é advogado





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