A moeda é o sangue da economia e o sistema financeiro o coração. Os bancos, ao exercerem a função de ofertar crédito, contribuem para o desenvolvimento da economia, realizando a importante função de financiamento do setor produtivo e do mercado consumidor.
As operações bancárias são atos de comércio e “o banqueiro trata de uma mercadoria diferente das demais, ou seja, a própria moeda que constitui o sangue da economia”.
No Brasil, as altas taxas de inflação deram origem a uma cultura da inadimplência. Para os devedores era proveitoso utilizar o Judiciário – e sua conhecida morosidade – para protelar o pagamento das dívidas, questionando o seu valor.
Os Tribunais passaram a interpretar os contratos bancários, a revisar suas cláusulas e condições, julgando excessivas e/ou abusivas as taxas de juros cobradas, aumentando assim o risco daqueles que emprestavam dinheiro. A inadimplência e o chamado risco judiciário contribuíram para o aumento da taxa de juros.
É preciso lembrar que, dentre os vários motivos que explicam os altos juros básicos no Brasil, a incerteza jurisdicional merece destaque.
Em milhões de processos foram travadas, por vários anos, discussões acerca da limitação dos juros bancários a 12% ao ano, sobre a legalidade da capitalização dos juros. As chamadas ações revisionais, em que os devedores postulam a revisão judicial das taxas de juros contratadas, passaram a integrar o cotidiano dos tribunais. Várias correntes jurisprudenciais se formaram em torno do tema, desde aquelas que defendiam o pacta sunt servanda até as que defendiam ser possível o Judiciário intervir nos contratos para eliminar os encargos considerados abusivos e até fixar novas (e menores) taxas de juros.
Dentre essas discussões uma merece destaque: a aplicação do CDC aos contratos empresariais. Seria coerente a aplicação das mesmas regras e princípios que tutelam e protegem o consumidor àqueles que exercem o comércio como atividade?
É nesse contexto que se insere a discussão sobre o direito bancário no projeto do novo Código Comercial.
O projeto é claro ao afirmar que, quando a relação obrigacional envolver, como credor e devedor principal, apenas empresários aplicam-se as normas específicas do Código Comercial, definindo (art. 297) que é considerado “empresarial o contrato quando forem empresários os contratantes e a função econômica do negócio jurídico estiver relacionada à exploração de atividade empresarial”.
A aplicação das regras do Código de Defesa do Consumidor aos contratos empresariais – dentre eles os bancários - é vedada, restando previsto que, nos temas não regidos pelo Código Comercial, serão aplicáveis as regras do Código Civil.
A possibilidade de revisão judicial dos contratos empresariais é limitada pelo projeto, que traz em texto regra afirmando claramente que “não é suficiente para a revisão judicial de qualquer obrigação contraída por empresário a onerosidade excessiva de seu cumprimento ou a vantagem excepcional da outra parte” (arts. 272 e 273), o que é coerente nesse tipo de pacto em razão do profissionalismo com que os contratantes exercem a atividade empresarial. Em tais contratos a vinculação ao contratado será plena. Registre-se que o projeto traz normas especiais para a proteção da parte mais fraca nos chamados contratos assimétricos.
No que toca aos juros, tema que interessa diretamente ao direito bancário, o projeto traz, no artigo 281, a previsão de que “é livre a pactuação dos juros moratórios entre os empresários”, admitindo ainda a possibilidade de cobrança crescente de tais encargos, o que, certamente, será um estímulo à rápida regularização das obrigações em atraso. Afirmando, mais adiante, especificamente em relação aos contratos bancários, que “os juros remuneratórios ou moratórios serão livremente pactuados pelas partes, observados os limites fixados pela autoridade monetária, na forma da lei” (art. 431).
Os contratos bancários são definidos no projeto como aqueles em que a função econômica corresponde à operação definida em lei como exclusiva de banco, sendo citados alguns exemplos desse tipo de pacto. O projeto define, com clareza, que o Código Comercial será aplicável apenas aos contratos celebrados pelo banco com empresários, evitando assim qualquer controvérsia acerca da aplicação do referido diploma a contratos celebrados entre bancos e consumidores.
Se aprovado o projeto, a interpretação dos contratos empresariais passará a ser realizada com base nas regras e princípios contidos no Código Comercial. Tal mudança dará ensejo ao surgimento de um novo direito comercial do Brasil, mais sintonizado com o atual estágio do mundo empresarial. Também contribuirá para o desenvolvimento do mercado bancário ao conceder maior segurança aos contratos. Isso sim permitirá a diminuição dos juros bancários no Brasil, trazendo benefícios para a economia nacional.
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* Ulisses César Martins de Sousa é conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e sócio do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados
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