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Possibilidade de anulação de planos de recuperação judicial: quebra de um velho paradigma dos tribunais brasileiros

Quebra de um velho paradigma dos tribunais brasileiros.

11/10/2012

A cada dia que se passa, temos nos deparado com novos posicionamentos dos Tribunais de Justiça sobre a possibilidade de não homologação de determinados planos apresentados por empresas em processo de recuperação judicial.

A mudança de postura, até pouco tempo “passiva”, do Poder Judiciário, quebra o velho paradigma de que a decisão da Assembleia de Credores (de aprovar ou não o plano de recuperação judicial apresentado) seria soberana e intocável, ainda que fosse injusta para alguns credores ou estivesse, até mesmo, em desconformidade com a lei.

Prevalecia, já praticamente consolidado, um entendimento de que as deliberações assembleares eram soberanas e não poderiam ser “revistas” pelo Judiciário. No entanto, após uma análise mais aprofundada das consequências de diversas homologações de planos de recuperação contendo disposições absolutamente ilegais e que afrontavam diretamente o interesse de determinados credores, os tribunais brasileiros começaram a se manifestar de forma mais efetiva.

O primeiro a evoluir sua jurisprudência foi o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao dispor que a elaboração do plano de recuperação judicial deve prezar pelo alinhamento dos interesses dos credores de mesma classe, não podendo ser estabelecida regra de pagamento incerta ou discricionária e o critério de correção monetária adotada deve ser isonômico entre os credores. Além disso, de acordo com o TJSP, o juiz, responsável pela condução do processo, tem a discricionariedade de avaliar se a empresa é minimamente viável para, se for o caso, eventualmente desconsiderar o plano desde a sua juntada aos autos.

Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça, através de processo sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, aduziu que o conteúdo da manifestação de vontade dos credores não impede o Judiciário de promover um controle quanto à licitude das providências decididas em assembleia, devendo a vontade dos credores ser respeitada nos limites da lei.

Logo em seguida, em decisão de primeira instância da Justiça Gaúcha, foi defendida a tese de que a disparidade entre o excesso de direitos e/ou benefícios a uns poucos e o direito de outros, verificada no plano aprovado, extrapola os limites da liberalidade na renegociação das dívidas prevista na legislação, de modo que se justifica a intervenção do juízo no sentido de não chancelar a deliberação tomada em assembleia.

Mais recentemente, o Tribunal de Justiça de Pernambuco, também inovando, acolheu recurso da Companhia Energética de Pernambuco – Celpe em face da Frevo Brasil Indústria de Bebidas Ltda., sob o fundamento de que há necessidade de revisão dos posicionamentos do Poder Judiciário no sentido de haver soberania absoluta das assembleias gerais de credores, devendo este assumir seu papel de guardião dos princípios consagrados na Constituição Federal de 1988, atuando de maneira diligente para que não continuem a ser homologados planos de recuperação judicial em flagrante descompasso com o ordenamento jurídico vigente, em clara violação a princípios constitucionais, a exemplo da razoabilidade, proporcionalidade e isonomia.

Neste sentido, importante verificar que nenhuma das diretrizes indicadas nos julgados acima mencionados viola a prerrogativa da assembleia de credores de aprovar, modificar ou rejeitar o plano de recuperação. O que não se tolerou foi a clara afronta à legislação e aos princípios gerais do direito.

Com efeito, o Poder Judiciário deve se guiar pelas disposições da Constituição Federal de 1988 e das leis infraconstitucionais, em especial pelo verdadeiro espírito da lei 11.101/05 (Lei de Recuperação Judicial e Falências – LRF) de recuperar e preservar a empresa em situação de crise, tendo o dever de recusar a homologação de planos viciados, que ultrapassem as condições legais e os princípios constitucionais.

De fato, o princípio da preservação da empresa vem sendo utilizado de forma equivocada e arbitrária por algumas empresas “em dificuldade”, em completo mau uso do instituto da recuperação judicial, ou seja, simplesmente se valem do instrumento “legal” para dar verdadeiro “calote” em credores visando, sobretudo, proteger o patrimônio pessoal dos sócios, desvirtuando, portanto, o sentido maior da legislação falimentar de “recuperação”.

Além disso, boa parte dos planos apresentados pelas empresas em recuperação judicial possuem propostas inconsistentes e que não atendem às expectativas mínimas, não trazendo qualquer segurança aos credores de que haverá cumprimento dos compromissos assumidos, sem falar que, costumeiramente, também aparecem propostas que dão tratamento diferenciado a alguns credores pertencentes à mesma classe.

A rigor, nos termos da Lei de Recuperação e Falência, com a anulação do plano, deveria, como consequência, ser decretada a falência da empresa. No entanto, essa não é uma solução que interesse nem da empresa em recuperação judicial, muito menos dos credores. Nos casos acima expostos, a solução dada pelos tribunais foi a exigência de apresentação de um novo plano com propostas plausíveis e que esteja dentro da legalidade, justamente para viabilizar a superação da crise da empresa, preservando as atividades e a manutenção do interesse dos empregos e da atividade econômica.

Portanto, ultrapassando a visão de ser mero chancelador de decisões assembleares, vê-se que o Poder Judiciário, em voz ativa e visando coibir o uso equivocado do instituto da recuperação judicial, mesmo tardiamente, passou a anular planos que estejam em desarmonia com leis e princípios do ordenamento jurídico, não pactuando com situações que representem verdadeiro confisco e enriquecimento ilícito para algumas empresas em processo de recuperação judicial, respeitando, assim, os interesses dos credores.

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* Saullo Meireles e Paula Lobo são advogados do Queiroz Cavalcanti Advocacia e da Fonte, Advogados, membros do Time Avançado em Recuperação Judicial – TARJ

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