Desde sua edição, a súmula vinculante nº 13 vem sendo alvo de inflamados debates, sobre sua correta aplicação.
A indigitada súmula vinculante, após amplo debate, chegou ao seu texto final nos seguintes termos:
“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”
Embora tenha sido uma iniciativa que “pegou” em todos os âmbitos da Federação, ainda hoje, mais de três anos após sua edição, permanece em um limbo, cercado de nuvens carregadas.
Com intuito de prevenir a Administração Pública contra os riscos do denominado “nepotismo”, e, em especial, garantir a aplicação dos princípios constitucionais da impessoalidade, moralidade e eficiência, buscou-se, através de enunciado amplo, oficializar a proibição de contratação em tais moldes.
A figura do nepotismo, na história mundial, nasceu com a prática já antiga, realizada por uma importante religião, na qual o então Sumo Pontífice, muitas vezes buscava beneficiar seus sobrinhos com cargos na alta administração da instituição religiosa - não raras dessas vezes - ao arrepio da capacidade laboral da qual, muitos destes sobrinhos, esqueciam de se armar quando nasciam.
Com o advento de um histórico de escândalos no Brasil, originários do período em que éramos pupilos da Coroa Portuguesa, herdamos e incorporamos à cultura brasileira este nefasto hábito.
O clamor popular, por sua vez, nas rodas de discussão que, muitas vezes não saíam do simples debate acalorado, acabou por conseguir que as instituições se manifestassem a respeito, e, assim, surgiu a citada súmula, como fruto deste desejo popular.
O mencionado fruto, entretanto, em nossa visão, pode ter sabor adocicado ou extremamente azedo, dependendo da maneira como for consumido.
Toda iniciativa eivada de paixão tende a ser exagerada. Pautada pelo radicalismo. Que o digam, as centenas de milhares de “bruxas” perseguidas e queimadas ao longo da Idade Média.
Este conceito, em nosso modesto entender, deve ser transplantado para este sombrio tema “aclarado” pela súmula vinculante nº 13.
Isto porque, da mesma maneira em que a permissividade em relação a essa prática é amplamente prejudicial às Instituições Públicas e à sociedade brasileira, também assim se nota com relação à excessiva abertura permitida pela referida súmula vinculante.
Assim se entende, haja vista que, em nossa interpretação, o princípio da impessoalidade comporta, em primeiro momento, duas inteligências distintas e concorrentes, ou seja, uma interpretação positiva e uma negativa.
A interpretação positiva do princípio da impessoalidade na Administração Pública determina que o administrador não deverá favorecer nenhum dos membros da sociedade baseado em critérios individuais e pessoais, considerando, para as decisões, primariamente o interesse público.
O outro viés do princípio da impessoalidade, por sua vez, que inferimos denominar “negativo” diz respeito à proibição latente, também, de a Administração Pública deixar de beneficiar ou, melhor, prejudicar, o administrado apenas em razão de critérios individuais e pessoais do indivíduo, sem levar em conta questões ligadas ao interesse público.
Parece-nos, assim, que a simples proposição no sentido de se promover o desligamento de todo e qualquer detentor de cargo de comissão ou função de confiança simplesmente pelo fato de ser parente consanguíneo ou por consideração, até terceiro grau, de determinados detentores de cargos de Chefia ou titulares de Mandato, não atende totalmente ao interesse público, ao princípio da moralidade e à impessoalidade.
É cediço que o radicalismo, seja em qual lado da moeda atue, perfaz verdadeira injustiça, e, desta maneira, a aplicação sem critérios da norma “antinepotismo” também o é. Arrisca-se impedir o ingresso, nas cadeiras do Serviço Público, de profissionais que, embora com reconhecida competência, tiveram a infeliz coincidência de serem portadores do mesmo sobrenome de responsável por mandato ou detentor de poder de contratação de determinada pessoa jurídica.
Desta maneira, até mesmo em índole constitucional, é importante que, para a aplicação da indigitada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sejam levadas em consideração as questões específicas aplicáveis a cada caso concreto.
Assim, para correta adequação do ato administrativo à súmula vinculante 13 e ao interesse público, perfaz necessário apresentar as seguintes indagações:
1 – O indivíduo nomeado está exercendo regularmente suas funções?
2 – O indivíduo é capacitado para o exercício das funções?
3 – O indivíduo, em sede de avaliações de desempenho, tem obtido resultados positivos no exercício de suas funções?
Sem se considerar tais indagações, a simples exoneração de todo e qualquer servidor pelo simples fato de deter parentesco com outro servidor lotado na mesma pessoa jurídica, ventilando a súmula vinculante 13, torna-se responsável por regularidade duvidosa, pela afronta aos princípios da eficiência, da moralidade e da impessoalidade administrativas.
Neste teor, cita-se trecho de interessante artigo escrito pela advogada mineira Alice Barroso de Antonio:
É inconcebível considerar-se que a nomeação de indivíduo aparentado a agente público, independentemente das circunstâncias do caso concreto, fere, per se, os princípios constitucionais norteadores da Administração Pública.
Para que se configure ato ímprobo, violação a princípios, passível de repressão pelo Direito, imprescindível a comprovação objetiva de que, no caso concreto, o servidor goza das benesses de seu cargo, sem, contudo, realizar suas atribuições com dedicação e competência, em igualdade de condições aos demais servidores, apenas fazendo parte dos quadros da Administração, por ser parente de autoridade, sem, de fato, fazer jus à respectiva remuneração.
Por óbvio, a capacitação do servidor para provimento do cargo ou função não é dispensável, por isso, o parente desempenhado satisfatoriamente suas atividades, não há razão para cunhar negativamente de nepotismo e atribuir violação ao princípio da moralidade administrativa à sua nomeação, quando, ademais, a confiança neste caso se estabelece em grau máximo!
É que o nepotismo gera duas situações. Uma é totalmente moral, adequada ao Ordenamento Jurídico e não pode ser abarcada pela vedação sumular. Trata-se das nomeações de pessoas hábeis, eficientes, vocacionadas, que trabalham duro e desempenham bem suas funções na Administração Pública, e mais, são parentes da autoridade nomeante, gozando, por isso, de relação de confiança com ela. Estes servidores são perfeitos para exercerem cargos em comissão ou funções de confiança, nos termos previstos pela Constituição da República. De forma alguma se pode dizer que suas nomeações se atentam contra o interesse público e o princípio da eficiência.
Sendo determinado indivíduo capacitado para a função e detentor da confiança do administrador, não há no ato má-fé, desonestidade ou desvirtuação da finalidade pública. Ao contrário, a finalidade pública pode ser amplamente atendida no caso de o servidor comissionado, em que pese ter relação de parentesco com quem o nomeou, cumprir satisfatoriamente suas funções, em estrita observância ao princípio da eficiência. (ANTONIO, Alice Barroso de. O nepotismo sob a ótica da Súmula Vinculante nº 13 do STF: críticas e proposições. Revista Brasileira de Direito Municipal – RBDM, Belo Horizonte. Ano 10, n. 31, jan.-mar. 2009)
Desta maneira, o administrador público deverá, ao editar o ato administrativo ensejador da exoneração com tal fundamento, pautar pelo princípio da razoabilidade, que deve estar diretamente vinculado a todo e qualquer ato promovido pela Administração Pública, especialmente se este cria, modifica ou extingue direitos do cidadão.
Outro aspecto a se considerar diz respeito à letra da mencionada súmula vinculante que é expressa no sentido de ser contra a normativa constitucional a contratação de parentes consanguíneos ou por afinidade, até terceiro grau, de autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento.
Neste ponto, é essencial observar o sentido da expressão do Supremo Tribunal Federal, emprestando-lhe interpretação teleológica, ou seja, levando-se em consideração a finalidade do ato.
Observando tal interpretação, é imperioso concluir que o sentido da proibição está em evitar que detentores de cargo de grande prestígio junto à Administração Pública, venham a proteger seus “apaniguados”, utilizando-se, para isso, de seu prestígio pessoal junto ao Poder Público.
Desta maneira, há que ser considerado tal fator para correta implementação da medida.
Outra questão importante a se notar está no fato de que, embora se trate de súmula de natureza vinculante, esta não tem força de lei, servindo apenas para orientar o processamento de eventuais ações que versarem sobre o tema, no âmbito do Poder Judiciário.
Desta maneira, em especial pelo fato de inexistir, em diversas pessoas da Federação, dispositivo legal próprio, e, com fundamento no artigo 37 – princípio da estrita legalidade – autorizando os atos previstos, nota-se uma linha tênue às beiras da inconstitucionalidade de atos infralegais, que vêm determinando a exoneração, ainda que observados os princípios da ampla defesa e contraditório, de todo e qualquer servidor em função de confiança ou cargo em comissão, que detenha parentesco com outro servidor em cargo de chefia, direção ou assessoramento da mesma pessoa jurídica.
Desta maneira, conclui-se que a simples exoneração, no “atacadão”, de todos e quaisquer servidores, sem a análise, com base no princípio da razoabilidade, e, sem a correta interpretação teleológica da súmula vinculante 13 – especialmente se não tratada no âmbito do estrito processo legislativo autorizador na respectiva esfera da Federação – pode vir a ser, em futuro breve, a gênese do azedume de um fruto que, em sua essência, poderia saciar a fome de justiça das Instituições Públicas Brasileiras.
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* Gustavo Russignoli Bugalho é advogado no escritório Advocacia Sandoval Filho, em São Paulo/SP. É especialista em Direito Constitucional, professor, palestrante e autor de obras jurídicas
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