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Compensação por serviços ambientais: um modelo para grandes centros urbanos

O momento eleitoral é oportuno para refletir a respeito dos problemas socioambientais dos grandes centros urbanos.

11/9/2012

Uma publicação recentemente lançada pelo Instituto Kairós em parceria com a Prefeitura de São Paulo convida paulistanos e turistas a conhecer a impressionante riqueza natural do extremo sul da cidade de São Paulo. As imagens do guia “Ecoturismo e Agroecologia no extremo sul de São Paulo” fazem pensar na complexidade ambiental dos grandes centros urbanos, como São Paulo e, assim, na pergunta mais elementar que envolve os problemas socioambientais: como assegurar que aquela região seja preservada e, ao mesmo tempo, que seus moradores tenham condições dignas de sobrevivência?

O momento eleitoral é oportunidade de refletir a respeito, mesmo que o assunto esteja distante das pautas prioritárias dos(as) candidatos(as) em debates, entrevistas e programas de TV.

A legislação municipal tem avançado, nos últimos anos, em direção às políticas de Compensação por Serviços Ambientais (CSA), ou seja, estratégias que têm por escopo reconhecer (remunerando, inclusive) os esforços daqueles que contribuem para a manutenção de serviços ambientais – entendidos, genericamente, como os benefícios humanos obtidos a partir dos ecossistemas. Ou seja, parte-se da premissa de que a tutela do meio ambiente exige instrumentos de incentivo econômico (orientados pelo princípio do Protetor-Recebedor), em complemento às políticas de comando e controle (vinculadas ao princípio do Poluidor-Pagador). Esta, aliás, foi uma das principais constatações de um estudo sobre a legislação ambiental brasileira elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Comunicados do IPEA nº 81), que contou com a participação da professora Patricia Iglecias, da Faculdade de Direito da USP.

Embora alguns dos programas de CSA mais destacados venham sendo estruturados, no Brasil, para a proteção da floresta amazônica – caso do Programa Bolsa Floresta –, é importante lembrar que uma das experiências mais exitosas nesse segmento foi desenvolvida na cidade de Nova Iorque, com ênfase na produção e no abastecimento de água.

O modelo nova-iorquino é viabilizado por meio de acordos do governo da cidade com produtores rurais situados a um raio de até 200 quilômetros de distância, que são remunerados por boas práticas na manutenção de suas atividades rurais. A preservação das nascentes e mananciais que abastecem a cidade ajuda a reduzir os custos e o preço da água aos consumidores. É interessante observar, ainda, que ao redor da cidade de Nova Iorque vem se desenvolvendo uma rede de “economia verde”, com crescentes oportunidades de trabalho e desenvolvimento em segmentos como a produção de alimentos orgânicos.

Há experiências desse tipo no Brasil. Em Curitiba, há mais de dez anos se estabeleceu uma utilização ampla da transferência do potencial construtivo em razão de limitações urbanísticas relativas à proteção e preservação do Patrimônio Histórico, Cultural, Natural e Ambiental (lei municipal 9.803/00). A legislação local admite a transferência de potencial construtivo mediante convênios ou consórcios entre a cidade de Curitiba e os demais Municípios que compõem a Região Metropolitana, de forma a assegurar as condições ambientais adequadas à proteção e preservação dos mananciais (como no exemplo de Nova Iorque).

No caso da cidade de São Paulo, as áreas prestadoras de serviços ambientais (coberturas vegetais significativas, mananciais, paisagens naturais, áreas de produção de alimentos, entre outros serviços) estão majoritariamente concentradas em regiões periurbanas, com níveis elevados pobreza e carentes de infraestrutura básica. Assim, fica claro que uma política municipal de serviços ambientais deve integrar-se a outras políticas públicas, notadamente de cunho social, como trabalho e moradia.

Para isso, a Política Municipal de Mudanças Climáticas de São Paulo (lei 14.933/09) oferece alguns princípios e instrumentos importantes, tais como: o princípio do “protetor-receptor”, segundo o qual devem ser transferidos recursos ou benefícios para as pessoas, grupos ou comunidades cujo modo de vida ou ação auxilie na conservação do meio ambiente, garantindo que a natureza preste serviços ambientais à sociedade (Art. 1º, V); a definição de “Avaliação Ambiental Estratégica”, que contempla a integração das políticas sociais e ambientais (art. 2 º, IV); e, finalmente, um mecanismo de pagamento por serviços ambientais (art. 36), a ser regulamentado por lei específica.

A Política Municipal de Mudanças Climáticas está atrelada também aos instrumentos de planejamento urbano e ao modelo da “Cidade Compacta” (art. 18), que preconiza a ocupação de áreas já urbanizadas, dotadas de serviços, infraestrutura e equipamentos, otimizando a capacidade instalada e, assim, a manutenção de áreas periféricas preservadas. Vale lembrar que o Plano Diretor Estratégico de São Paulo (lei 13.430/02) já admite a transferência do potencial construtivo para a preservação de áreas ambientalmente relevantes, carecendo de uma regulamentação para essa finalidade.

Existem, ainda, outros instrumentos de CSA na legislação municipal de São Paulo. A lei 10.365/87 autoriza a concessão de desconto de até 50% (cinquenta por cento) no Imposto Territorial dos imóveis revestidos de vegetação arbórea, declarada de preservação permanente ou perpetuada nos termos do artigo 6º do Código Florestal. Outro exemplo é o Termo de Cooperação instituído pelo art. 50 da lei 14.223/06 (Lei Cidade Limpa), que oferece um incentivo (a exposição ordenada de logotipos) para aqueles que se propõem a preservar áreas ambientalmente relevantes, como Parques Municipais.

Portanto, na sequência de sua pioneira lei municipal de mudanças climáticas, a cidade de São Paulo poderia articular uma política inovadora de CSA, aliando mecanismos de pagamento direto – como o fomento às boas práticas na agricultura e no turismo praticados no extremo sul da cidade – a outros instrumentos já conhecidos e aplicados.

As peculiariedades do extremo sul de São Paulo e de outras regiões da cidade, onde convergem os riscos da pobreza e da degradação ambiental, convocarão o(a) futuro(a) Prefeito(a) para os desafios da agenda socioambiental – ainda que ela não tenha o espaço necessário durante o período eleitoral que, como sempre, é marcado por devaneios. A boa notícia é que políticas de CSA não estão amarradas a um ou outro partido: já foram implementadas por governos das mais diversas correntes. Não deve ser diferente em São Paulo e nas demais cidades do país.

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* Thiago Lopes Ferraz Donnini é advogado do Rubens Naves, Santos Jr., Hesketh - Escritórios Associados de Advocacia e professor de Direito Administrativo da Universidade Nove de Julho (Uninove)

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