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Controle judicial das omissões das agências reguladoras

Não há questionamentos, seja na doutrina ou na jurisprudência, quanto à possibilidade de controle judicial dos atos praticados.

14/8/2012

Não encontramos atualmente qualquer questionamento, seja na doutrina ou na jurisprudência, quanto à possibilidade de controle judicial dos atos praticados pelas agências reguladoras, uma vez que tal medida garante o uso razoável do poder discricionário das agências, impedindo sua captura por grupos econômicos, bem como as obriga a cumprir o disposto nas leis e estatutos específicos.

Todavia, tal unanimidade praticamente desaparece quanto tratamos do controle judicial das omissões praticadas pelas agências reguladoras. O presente estudo baseado no artigo do ilustre doutrinador norte-americano Cass Sunstein, intitulado “Reviewing Agency Inaction after Heckler v. Chaney”, explora as implicações do julgado no controle judicial das omissões normativas das agências reguladoras, trazendo uma série de diretrizes para solução de lides envolvendo a matéria mencionada.

O caso Heckler v. Chaney , foi ajuizado por seis condenados a pena de morte em face da Food and Drug Administration - FDA para obrigá-la a exercer seu poder normativo e proibir o uso de determinadas drogas nas execuções por injeção letal. Entendeu a Suprema Corte dos Estados Unidos que a omissão da agência não era passível de controle judicial por diversos motivos, dentre os quais vale destacar a alegação de que a omissão diferentemente da ação não provê um foco para controle judicial, pois a omissão de uma agência compartilha de alguma forma as características de uma decisão de um promotor em não oferecer denúncia - principle of prosecutorial discretion - e segundo o tribunal, tal decisão é confiada somente ao executivo.

Conforme se extrai dos motivos apresentados pela Suprema Corte, a decisão sobre quando a agência deve exercer seu poder normativo estaria fora da competência jurisdicional por se tratar de poder discricionário da agência, causa excludente da regra geral de controle judicial. Esclarece o professor Cass Sustein que esta tendência dos tribunais em não realizar o controle de omissões normativas é baseada em uma série de considerações acerca da usurpação de função. As agências reguladoras como órgãos vinculados ao executivo, não poderiam se ver obrigadas a normatizar determinada matéria através de uma ordem judicial, pois tal medida violaria a separação de poderes. Todavia, apesar de ser o poder executivo responsável pela fiel execução das leis, devemos compreender que este poder não é uma prerrogativa, mas uma obrigação, de forma que, o controle judicial baseado em uma violação legal promove a separação de poderes e não a infringe.

Nos primórdios do direito administrativo, o controle judicial das omissões normativas insurgia sérios questionamentos acerca da usurpação de função, já que os tribunais não possuíam métodos de controle do poder discricionário que não o colocasse em risco. Contudo, verifica-se no período moderno o surgimento de uma série de estratégias através das quais os tribunais podem exercer o controle das omissões sem usurpar a função do poder executivo, por exemplo, é permitido ao Juízo realizar o controle das omissões através da análise dos motivos de tal conduta, de forma a assegurar a razoabilidade das decisões e evitar arbitrariedades.

Por oportuno, menciono decisão do caso Massachusetts V. EPA, minuciosamente analisado em artigo doutrinário pelas professoras norte-americanas Kathryn Watts e Amy Wildermuth, o qual trás uma visão mais moderna do princípio em análise. Neste julgamento um grupo de Estados, Governos e organizações privadas ajuizaram uma ação contra a Environmental Protection Agency - EPA sob a alegação de que essa estaria abdicando de sua responsabilidade de regular a emissão de quatro gases-estufas específicos. Em resposta, a agência alegou que o Clean Air Act não a autorizava a editar atos regulamentares direcionadas às mudanças climáticas globais e que de acordo com a mesma Lei os gases-estufas emitidos por veículos novos não poderiam ser considerados poluentes do ar. Decidiu a Suprema Corte Americana por 5 votos a 4 que a Ré não apresentou justificativa razoável para sua recusa em regular a emissão de gases-estufa na situação concretamente submetida à sua apreciação, neste sentido, a sua ação foi arbitrária, caprichosa e ou ainda em desacordo com a lei. À luz deste precedente, incumbe à EPA promover a efetiva regulação da emissão dos gases poluentes referidos na decisão ou justificar adequadamente o não exercício de sua atribuição legal.

A omissão das agências pode ser vista como uma arbitrariedade administrativa, uma vez que é suscetível as mesmas influências que desviam os atos das agências de seus propósitos públicos. Uma agência reguladora pode causar dano aos entes regulados e aos beneficiários tanto quando se recusa a agir como quando decidi agir. Assim como o judiciário realiza o controle da razoabilidade nos atos exarados pelas agências, não permitindo que os mesmos sejam arbitrários e caprichosos, deveria também assegurar a razoabilidade nas omissões regulatórias, conforme julgado acima.

No referido caso Heckler v. Chaney aqui ilustrado pelo professor Cass Sunstein, Justice Marshall, Ministro do Supremo Tribunal, contribui de forma significativa para a defesa do controle judicial das omissões ao enfatizar em seu voto que o principle of prosecutorial discretion é inconsistente com um dos maiores propósitos de criação das agências reguladoras, qual seja, a realidade de que a recusa do governo em agir poderia ter um efeito tão devastador na vida, liberdade e na busca da felicidade quanto uma ação governamental coercitiva.

O controle judicial das omissões das agências reguladoras, funciona como forma de prevenção ao favorecimento, durante o processo administrativo, dos interesses dos entes regulados em detrimento dos direitos dos beneficiários. Detalhando o problema, o ilustre jurista Alexandre Aragão, observa que os grandes grupos econômicos tendem, desde logo, a capturar as agências reguladoras, e que mesmo que essas não tenham como função precípua a proteção ao público, podem acabar por proteger os empresários, criando uma situação extremamente delicada quando esta identificação entre reguladores e regulados leva a uma atenuação dos vínculos de fiscalização e controles originariamente previstos.

Em âmbito nacional, Alexandre Aragão e Patrícia Sampaio ao lecionarem acerca da omissão regulatória, alegam que apesar da polêmica que envolve a extensão do poder normativo conferido as agências reguladoras brasileiras, não há dúvidas de que toda competência outorgada a estes entes regulatórios o é em vista dos interesses públicos que devem tutelar. Tratando-se assim de direitos indisponíveis não podem as agências omitirem-se no cumprimento de suas competências, uma vez que tal conduta consubstanciaria uma renúncia à persecução dos interesses públicos.

Para a professora Maria Sylvia Di Pietro havendo omissão no exercício da atividade de edição de normas, de fiscalização, de aplicação de sanções ou de resolução de conflitos, a conseqüência é a mesma, haja vista que o objetivo da regulação não é alcançado. No caso da regulação econômica, a omissão das agências poderá acarretar prejuízos para as empresas, consumidores e usuários de serviços públicos, poderá propiciar a formação de monopólios, levar ao abuso do poder econômico e criar embaraços à livre concorrência. No caso da regulação social, em que o objetivo é proteger o interesse da coletividade, nas áreas de saúde, meio ambiente, saneamento, entre outras, a omissão também poderá produzir efeitos nefastos.

O controle judicial não só preveni a proliferação de atos de favorecimento, mas também funciona como excelente medida a compelir as agências a fornecer explicações razoáveis diante de sua conduta omissiva. Tal controle contribuiria para o desenvolvimento da responsabilidade democrática, uma vez que as omissões regulatórias derivadas de influências políticas, são arbitrárias e censuráveis sob a perspectiva democrática.

Na doutrina brasileira, Justen Filho em seu artigo intitulado “Agências Reguladoras e Democracia: Existe um Déficit Democrático na Regulação Independente?” Afirma que o surgimento das agências independentes reflete uma ampliação do “índice democrático” e amplia a complexidade do sistema de freios e contrapesos, haja vista, sua função de atenuar a concentração de poder, possibilitando o aperfeiçoamento da organização estatal. Todavia, ressalta que é possível a existência de uma agência reguladora não democrática num Estado democrático, na medida em que os critérios de sua organização e funcionamento frustrem ou dificultem a realização dos princípios e valores fundamentais.

Para evitar o déficit democrático dessas instituições, devemos ter sempre clara a sua vinculação às pautas estabelecidas pelo legislador para as políticas públicas cuja implementação lhes é atribuída.

O controle judicial possibilita o efeito prático a ser dado a teoria básica sobre a qual cada poder administrativo é baseado: Quando se promulga uma lei outorgando as agências reguladoras poderes para exercerem atividades de Estado, a responsabilidade de garantir a imposição de limites a este poder é uma função judicial, desta forma, quando uma agência ultrapassa os limites legais, os tribunais devem intervir. Sem controle judicial, os limites legais, parafraseando o famoso escritor Inglês Thomas Hobbes, não seriam nada além de palavras sem substância.

Para Cass Sunstein, conclui-se dessa discussão que não é mais possível sustentar uma regra geral de que as omissões não são passíveis de controle judicial, mas sim de que os mesmos princípios aplicáveis aos atos regulatórios deveriam ser também aplicáveis às omissões, bem como as mesmas justificativas utilizadas para a permissão do controle judicial dos atos regulatórios, também deveriam ser aplicáveis ao controle das omissões regulatórias, já que igualmente se presta a guardar as entidades regulatórias das maléficas influências de grandes empresas.

O crescimento do direito regulatório moderno resulta em grande parte do entendimento de que a omissão é uma ação com sérias conseqüências para todos os entes regulados e não é surpresa que a doutrina jurídica esteja movendo na mesma direção. Na era moderna o papel do judiciário é assegurar a identificação e implementação da legislação regulatória e guardá-la contra poderes externos.

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Bibliografia

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2006.

ARAGÃO, Alexandre Santos de, e SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro. “Omissão no Exercício do Poder Normativo das Agências e a Concorrência Desleal. In: O Poder Normativo das Agências Reguladoras. Alexandre Aragão (organizador) Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2009.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. “Omissões na Atividade Regulatória do Estado e Responsabilidade Civil das Agências Reguladoras”. In Responsabilidade Civil do Estado. Juarez Freitas (organizador) São Paulo: Ed. Malheiros, 2006.

JUSTEN FILHO, Marçal. “Agências Reguladoras e Democracia: Exixte um Déficit Democrático na Regulação Independente? In: O Poder Normativo das Agências Reguladoras. Alexandre Aragão (organizador) Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2009.

SUNSTEIN, Cass R. Reviewing Agency Inaction after Heckler v. Chaney. 52 University of Chicago Law Review, 1985.

WATTS, Kathryn A. e WIDERMUTH, Amy J. Massachusetts v. EPA: Breaking New Ground on Issue Other Than Global Warming. 102 Northwestern University Law Review, 2007. (Disponível em: https://www.law.northwestern.edu/lawreview/Colloquy/2007/17/).

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* Sabrina Funchal Carneiro Korenblum é advogada do escritório Siqueira Castro Advogados

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