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Erros judiciais causam danos a inocentes

Relembre casos brasileiros em que cidadãos inocentes foram vítimas de erros.

8/8/2012

A prisão ilegal constitui ato atentatório à liberdade do cidadão, direito consagrado pela Constituição Federal. Apesar da garantia constitucional, a ocorrência é comum e origina-se de arbitrariedade ou incompetência de uns e má fé, equívocos burocráticos ou apurações irregulares de outros. Nesses casos, a lei assegura o direito de o inocente ser reparado pelo erro cometido por seus agentes públicos, através de indenização contra o Estado, responsável pelos atos praticados, conforme dispõe a Constituição Federal, art. 5º, inciso LXXV:

"o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença".

No caso de condenação injusta, a maior repercussão envolveu os dois irmãos, Joaquim e Sebastião Naves, comerciantes que viviam na cidade de Araguari, Minas Gerais.

Em 1937, eles foram presos sob a acusação de ter matado o sócio e primo Benedito Pereira Caetano, que desapareceu, sem deixar rastro, levando 90 contos de réis, hoje o equivalente a 270 mil reais. O Delegado chegou à conclusão de que os irmãos mataram o primo para ficar com o dinheiro. A polícia torturou até familiares para descobrir o esconderijo do dinheiro, conseguindo dessa forma a confissão dos presos que, levados a júri, foram absolvidos; a acusação não se conteve e recorreu; os jurados mantiveram a absolvição. Como na época o júri não tinha soberania, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reformou a decisão e condenou Joaquim e Sebastião a 16 anos e seis meses de reclusão. Oito anos depois tiveram livramento condicional; Joaquim pouco depois morreu como indigente e Sebastião encontrou o primo vivo em julho de 1952, constatando assim a inexistência do homicídio, o acerto dos jurados com a decisão de absolvição e o grande erro do Tribunal. A descoberta provocou ação de revisão criminal que concluiu por inocentar os irmãos, em 1953, e em 1960, o Judiciário concedeu indenização aos herdeiros.

Marcos Mariano da Silva, mecânico pernambucano, foi preso, em 1976, porque confundido com o homicida que tinha o mesmo nome, Marcos Mariano Silva; em 1992, durante uma rebelião, policiais invadiram o presídio e Marcos foi atingido por estilhaços de granada, causando-lhe a perda da visão; passou 19 anos na cadeia, perdeu a saúde, o emprego, a mulher, os filhos e morreu de infarto, já em liberdade. Seis anos depois, o verdadeiro criminoso apareceu e foi preso, mas não serviu para reparar o erro cometido contra Marcos. O Estado de Pernambuco foi reconhecido como responsável pelos danos sofridos pelo mecânico e terminou sendo condenado a pagar indenização de R$ 2 milhões.

Fabiano Ferreira Russi foi preso, depois que duas mulheres, assaltadas em Taboão da Serra, São Paulo, reconheceram como um dos criminosos em um álbum fotográfico da polícia. O preso estava sozinho no reconhecimento e não tinha antecedentes criminais, mas, para sua infelicidade, foi fotografado depois que o delegado determinou identificação de todos os torcedores em batida policial. Fabiano trabalhava em hotel quatro estrelas da região da Vila Madalena, São Paulo, e até trinta minutos depois do assalto continuava no trabalho. Condenado em 2005, permaneceu preso por quatro anos. Busca agora, após ser inocentado, perder emprego e arruinar sua vida, indenização pelos danos que a decisão judicial lhe causou.

Wagno Lúcio da Silva foi preso no dia em que comemorava 33 anos, 24/10/1997, acusado de latrocínio em Congonhas/MG, contra o taxista, Rodolfo Cardoso Lobo, assassinado a facadas. Foi condenado a 24 anos de reclusão e ficou mais de oito anos na cadeia. Em 2006, ingressou com ação de revisão criminal que foi julgada procedente e Wagno foi absolvido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais; depois disso buscou ressarcimento pelos danos físicos e morais sofridos; uma das Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça condenou o Estado a indenizar o ex-segurança no valor de R$ 300 mil, mais dois salários mínimos de danos materiais, correspondente a cada mês em que esteve preso.

O advogado Aldenor Ferreira da Silva foi condenado a 24 anos de prisão pelo sequestro, extorsão e assassinato de um homem, fato que se deu em 22/7/1980, na área rural de Sobradinho, DF; Aldenor ficou preso por um ano e sete meses, mas em setembro/2011, o Tribunal de Justiça reconheceu o erro, porque o homem tido como morto foi preso em 1995, em São Paulo. Além disso, observou-se que, no processo não havia atestado de óbito, nem laudo de exame cadavérico.

Valdimir Sobrosa ficou preso por 11 anos e oito meses sem julgamento; depois de todo esse período, Valdimir foi inocentado pelo crime que não cometeu de homicídio. Requereu ressarcimento pelos danos causados e alegou que foi transferido vinte e quatro vezes de presídio o que impedia a visita de sua família. O Estado do Rio de Janeiro foi condenado pelo Tribunal de Justiça a pagar a indenização por danos morais de R$ 2 milhões.

O Estado recorreu da decisão.

Tiago Cleber de Souza Costa foi preso, através de mandado de prisão, anotado no sistema de informações usado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, relativo a processo de execução de alimentos. Só depois do terceiro dia de prisão, comprovou-se falha no sistema, porquanto o processo já tinha sido extinto, em virtude de acordo entre as partes.

A ação por danos morais foi procedente e mantida pelo Tribunal de Justiça.

J.B.O. permaneceu na prisão por 24 horas, porque foi expedido mandado de prisão para endereço do cidadão que não tinha nada a ver com o crime. Ingressou com ação, na 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, reclamando indenização e recebeu R$ 6.500,00 por danos morais e R$ 1.500,00 por danos materiais, relativo aos gastos com advogados.

A superpopulação dos presídios é fato incontestável; o pior, entretanto, é que esse descaso com a liberdade alheia ocorre em função de erros, despreparo e corrupção da máquina burocrática do Estado. Muitos cidadãos são jogados ali sem terem sido julgados, outros estão presos porque furtaram uma lata de óleo, um pacote de bolacha.

Tais agressões à liberdade do cidadão ou tais erros provocam uma série de questionamentos acerca da confiança no sistema e da segurança jurídica, porque inocentes são condenados a ficarem atrás das grades e deixa-se de prender grande número de criminosos bem conhecidos. Ademais, mostra o sucateamento da máquina penitenciária, o despreparo dos agentes públicos A culpa por tais equívocos pode recair na fragilidade dos inquéritos policiais, porque a polícia apressa-se no afã de desvendar o crime; explica-se também pela confissão obtida através da tortura implantada desde 1964 e ainda usada pela polícia.

O Ministério Público de Minas Gerais editou uma cartilha, assegurando a importância do inquérito policial e da colheita de provas para instauração da ação penal. Enaltece a oitiva de todos os envolvidos na ocorrência com dados completos dos que prestarem depoimentos, a juntada de identificação civil ou certidões de nascimento ou casamento das vítimas maiores de 60 anos ou crianças e adolescentes, de certidões de antecedentes das delegacias locais e da Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança, Justiça e Fiscalização, INFOSEG, identificação completa do investigado, comunicação de todo o indiciamento à Secretaria de Segurança Pública do Estado.

Qualquer cidadão pode ser vítima de erro judiciário, mas a história mostra que a grande maioria dos casos envolve pessoas carentes, negras e sem escolaridade, que não possuem a mínima condição para custear as despesas com advogados, necessitando do trabalho dos defensores públicos, em muito pouco número no Judiciário brasileiro.

Acontece que uns erram e procuram reverter a situação, enquanto outros erram e se mantém no erro; há os que erram por negligência ou por falta de humildade para não reconhecer que não estão preparados para essa ou aquela missão. O pior é que são capazes de esconder o próprio erro, causando grandes danos ao cidadão.

Tramitou no Congresso Nacional projeto de lei 5.056, no ano de 2005, buscando responsabilizar civilmente magistrados que por ato ou omissão causarem perdas e danos às partes em decorrência da função jurisdicional. O projeto foi arquivado no mesmo ano, porque inconstitucional.

Registre-se que isso não é monopólio da justiça, pois os médicos cometem erros que causam a morte, o mesmo ocorrendo com a aviação, com os engenheiros, com os professores e com outras profissões.

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*Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA e corregedor das comarcas do interior






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