Mais uma vez, China e Rússia vetam na ONU sanções contra o regime do presidente da Síria, Bashar Assad, que está massacrando seu povo com brutalidade cega e covarde em espetáculos diários de derramamento de sangue da população civil indefesa, inclusive crianças em idade latente, com milhares de mortos. A proposta recebeu onze votos a favor e duas abstenções, com a oposição intransigente da Rússia e da China pela terceira vez.
Pouco importa que o governo sírio justifique sua violência pretextando estar se defendendo de grupos terroristas. O que não se admite, o crime que brada aos céus, é o sacrifício em massa e crescente da população civil.
Alegam ambas as potências intransigentes, que não querem dar oportunidade para a intervenção militar dos EUA e da Europa na Síria. Mas na verdade, segundo os melhores especialistas em política internacional, o que China e Rússia temem é a irrupção da “primavera chinesa”, ou russa em seus respectivos países.
Mais uma vez se repete na ONU uma situação absurda e revoltante, sem que ninguém saiba o que fazer. Não foi a primeira ocasião nem será a última que a mão de chumbo daquelas duas potências de tradição prepotente e sanguinária usam seu poder de veto para barrar a moção apoiada pela grande maioria contra as repetidas violações dos direitos humanos por Estados irresponsáveis e paranoicos.
A pergunta é o que fazer em semelhante contingência? A resposta é óbvia, não precisamos consultar os Sete Sábios para sabê-la. A ONU, com tudo o que ela tem de respeitável e eficaz, padece de uma debilidade congênita que impede as Nações Unidas de agirem como um poder supranacional. Esta debilidade se insinua, precisamente, no direito de veto.
Já na década de 70, o filósofo espanhol Julián Marias se insurgia, com brilho e indignação, contra esta permissividade que, nas suas palavras inverte o velho princípio de que "a união faz a força". Na ONU é o contrário, a desunião da minoria com a maioria é que faz a força. Ora, o destino do mundo não pode ficar sujeito às veleidades, às conveniências e aos caprichos de uma minoria recalcitrante na defesa dos próprios e exclusivos interesses. Eis o que sustenta aquele pensador contra a impotência da ONU:
"A eliminação do direito de veto seria o primeiro passo indispensável para a constituição de um poder supranacional autêntico. Quero dizer que as Nações Unidas necessitam tomar medidas contra a vontade de qualquer país sem exceção, sem que nenhum deles possa paralisar sua ação, o que equivale a sair da organização à qual se pretende pertencer. O direito de veto significa a possibilidade de estar ao mesmo tempo dentro e fora das Nações Unidas" (Julián Marías, El poder supranacional, no livro Innovación y arcaísmo).
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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista
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