Há cinquenta anos, no dia 12 de julho de 1962, no Marquee Club, um novo grupo formado por Brian Jones, Mick Jagger, Keith Richards e outros três músicos, deu seus primeiros passos em um palco. No dia seguinte, no Brasil, por meio da lei 4.090, de autoria do então senador Aarão Steinbruch, era sancionado pelo presidente João Goulart, o décimo terceiro salário (batizado de gratificação natalina), como um benefício a mais para o trabalhador. Esse benefício está previsto, além da referida na Lei, também na Constituição Federal (art. 7o, inciso VIII, como um direito do trabalhador, urbano ou rural, que visa a melhoria da sua condição social).
Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o décimo terceiro pago em 2011 injetou R$ 118 bilhões na economia doméstica. Portanto, à primeira vista, realmente ele parece representar uma “grande conquista” para a classe trabalhadora. Será mesmo?
Os Rolling Stones, por certo, se tornaram uma lenda viva do rock e têm muito o que comemorar. Agora, essa história de décimo terceiro salário...
O décimo terceiro salário nada mais é do que um componente da remuneração do trabalhador. A pergunta, então, que se faz, é: por que ele não pode ser agregado à remuneração mensal do trabalhador? Por que o trabalhador não pode, mês a mês, administrá-lo da melhor maneira que lhe interessar? Por que, apenas, no final do ano (e ainda dividido em duas parcelas: uma até o final do mês de novembro e outra no mês de dezembro) lhe é destinado esse valor? Por que, em pleno século XXI, ele tem de ser tratado como uma pessoa incapaz de cuidar do seu próprio dinheiro?
Poder-se-á dizer que não é bem assim. Que o décimo terceiro consiste numa parte variável do salário e, portanto, num “plus”. Por isso mesmo, algo positivo, que “visa à melhoria da sua condição social”.
Não é verdade. Fosse uma parcela variável, estaria atrelado a metas. Seria um prêmio; uma bonificação extra pelo desempenho pessoal do trabalhador. Uma recompensa pelos seus esforços, dedicação, talento ou qualquer outra adjetivação. Todavia, não é. Aliás, sequer a legislação trabalhista atual possibilita essa negociação individual. Se a empresa pagar regularmente determinado valor, este automaticamente integrará o “patrimônio” do trabalhador e não poderá ser mais retirado. Exceção – diga-se – é a Participação nos Lucros ou Resultados (PLR), mas ela não tem natureza jurídica salarial, tal como o décimo-terceiro salário. Portanto, são coisas distintas.
O que está em discussão é outra coisa: devemos, passado meio século da instituição dessa “gratificação natalina”, parar, pensar e refletir. E nos dar conta de que o Brasil mudou. Que seus trabalhadores também mudaram. Que vivemos numa sociedade de plena informação. Que uma legislação do século XX, que trata o trabalhador do século XXI, como se estive vivendo o século XIX, não pode mais ser mantida.
Devemos, pois, nos renovar. E essa renovação deve ser feita com alma indômita. Com espírito altivo e inconformado. Com o entusiasmo de um João Mangabeira, que há mais de 60 anos, mais precisamente em 1946, discursava: “Vós ides ser a voz de um novo mundo, de uma democracia nova, gerada nas entranhas da dor. Desprezai os reacionários, os retrógados, os retardados. Quebrai os velhos moldes carcomidos. Alijai as velhas ânforas, que não suportariam o fermentar do vinho novo da vida. Derrubai os falsos ídolos. Destruí os preconceitos absurdos e os privilégios caducos. Plasmais com vossas mãos, vossos destinos”.
Bem-vindos todos ao século XXI. Que sejam os trabalhadores tratados como adultos e não como pessoas relativamente incapazes ou, ainda, como o famigerado “filho pródigo”. “Depressa! Tragam a melhor roupa e vistam nele. Ponham um anel no dedo dele e sandálias nos seus pés. Também tragam e matem o bezerro gordo. Vamos começar a festejar, porque este meu filho estava morto e viveu de novo; estava perdido e foi achado” (Evangelho de Lucas).
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* Antonio Carlos Aguiar é sócio do escritório Peixoto E Cury Advogados e professor do Centro Universitário Fundação Santo André
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