A 'Business Judgment Rule' no Direito Norte-Americano
No Direito dos EUA, a business judgment rule constitui-se num standard amplamente aceito, embora não codificado e de definição um tanto confusa. A forma mais concisa de defini-la seria dizer que se trata de uma imunidade conferida aos atos dos diretores, enquanto agindo em nome da empresa. Esta imunidade tem o objetivo de proteger aqueles que atuam num contexto de incerteza (dos mercados onde a sociedade atua) e de forma autônoma (não subordinada). A regra protege os diretores no caso de decisões tomadas resultarem em prejuízo à companhia. Ela presume que ao tomarem decisões empresariais, quando não estiver envolvido o interesse próprio, os diretores agem de forma informada, de boa-fé e na crença de que suas decisões são tomadas no melhor interesse da companhia. Os diretores, a fim de obterem a proteção da business judgment rule, devem apenas mostrar que suas decisões são 'racionais', no sentido de guardarem relação com algum objetivo societário. Uma vez demonstrada a 'racionalidade' da conduta dos diretores, o ônus da prova recairá sobre a parte contrária, que para derrubar a presunção, terá de mostrar que os diretores agiram de má-fé, com negligência, ou extrapolaram do âmbito de suas atribuições.
Cabe, entretanto, observar que o standard Norte-Americano para a responsabilização, neste caso, exige mais do apenas a ordinary negligence (definida esta como um padrão 'usual' ou 'comum' de cautela, comparável à nossa 'culpa simples'), mas requer, para a perda da imunidade, a assim chamada gross negligence, também denominada reckless negligence ou wanton negligence. Esta última, embora tenha sido aproximada da ordinary negligence pela jurisprudência mais recente, ainda corresponde a uma conduta na qual o grau de imprudência é tão elevado que se aproxima muito (embora não atinja) do ‘dolo eventual’ (reckless disregard).
Na hipótese de ficar comprovado que os diretores violaram algum dos requisitos mencionados acima, a presunção estará afastada. Todavia, esta comprovação não assegura ipso facto a responsabilização dos diretores: o que ocorre é que agora o ônus da prova passa a estes, que tem que demonstrar que, embora tenham violado algum dos requisitos essenciais à caracterização da regra, agiram com fairness (justiça; equidade).
A Responsabilidade Civil dos Administradores no Direito Brasileiro
No Direito Brasileiro, a questão da responsabilidade dos diretores está balizada pela lei 6.404/76, que nos arts. 158 e ss. define o âmbito e alcance da regra no Brasil.
O Art. 158 estabelece que:
"O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de atos regulares de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:
I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
II - com violação da lei ou do estatuto;
Ou seja, o diretor não reponde pelos 'atos regulares de gestão' praticados 'dentro de suas atribuições ou poderes', desde que ausentes 'culpa ou dolo'".
Trata-se em primeiro lugar de definir o que seria 'ato regular de gestão'. Ora, o ato regular de gestão só pode ser aquele que se enquadrar no que for previsto pelo estatuto social e pela lei (ou então, como veremos adiante, aqueles atos que, embora não se enquadrando no determinado pelo estatuto da companhia, ou mesmo violando a lei, sejam praticados de boa-fé, visando ao interesse social).
O inciso I do art. 158 define como passíveis de responsabilização aqueles atos dos administradores que, embora recaindo dentro do âmbito de suas atribuições legais e estatutárias, sejam praticados com 'culpa ou dolo'. Trata-se aqui da responsabilidade subjetiva clássica, cabendo o ônus probatório ao demandante.
A hipótese do inciso II do art. 158 refere-se àqueles atos praticados fora das atribuições dos diretores, ou seja, 'com violação da lei ou do estatuto'. Aqui a conduta não é necessariamente culposa ou dolosa, mas foi praticada fora do âmbito de atuação dos diretores, tal qual definido pelo estatuto social e/ou pela lei.
Neste ponto, a doutrina se divide, pendendo, contudo, a maioria dos doutrinadores, por entender que a culpa dos diretores é neste caso presumida (presunção relativa), podendo ser elidida caso estes provem que agiram de boa-fé e no interesse da companhia. Modesto Carvalhosa e Fran Martins destoam da corrente majoritária, defendendo a 'responsabilidade objetiva do diretor' na hipótese do art. 158, II.
A maioria da doutrina, em atenção ao art. 159, §6°, da lei 6.404/76, entende que a responsabilidade dos administradores é subjetiva, mesmo no caso de violação 'à lei ou ao estatuto', apenas ocorrendo aqui a inversão do ônus da prova (que agora incumbe ao administrador). Segundo reza o art. 159, §6°:
"O juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia".
Desta forma, provando o administrador que agiu de boa-fé e no interesse da empresa, não poderá ser responsabilizado pela conduta que praticou, ainda que esta tenha extrapolado em relação ao previsto no estatuto e/ou na lei.
Importante ressaltar que a possibilidade de excusa com fundamento na boa-fé e na ação no interesse da empresa, alcança também o art. 158, I. Isto porque, dentre os elementos da culpa – negligência, imprudência ou imperícia – somente os dois primeiros são incompatíveis com a boa-fé, mas não o último (imperícia). Assim, mesmo um administrador culpado de 'imperícia' pode encontrar abrigo no art. 159, § 6°.
Ademais, para ambas as hipóteses do art. 158, não basta a mera conduta violadora, mas há a necessidade de caracterização do prejuízo efetivo à companhia, além do nexo de causalidade entre este e a conduta imputada.
Considerações Finais:
Do que foi dito acima, depreende-se que a responsabilização dos administradores, no Brasil, ocorrerá em razão de atos praticados:
a) dentro da esfera estatutária e legal, mas com culpa (negligência ou imprudência) ou dolo;
b) dentro da esfera estatutária e legal, mas com imperícia, quando ausentes a boa-fé e a busca do interesse social;
c) fora da esfera estatutária e legal, ausentes a boa-fé e a busca do interesse social.
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* Alessandro Arthur Ramozzi Chiarottino é coordenador de Programas Avançados em Direito e Programas de Extensão do CEU-IICS Escola de Direito.
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