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Bitributação constitucionalizada pelo STF

No começo do mês (01/09/2005), o site do STF publicou a notícia de que a Excelsa Corte decidiu, no RE 206.069/SP, pela legitimidade da incidência de ICMS sobre as importações de bens do exterior sob o regime do leasing (arrendamento mercantil).

13/9/2005


Bitributação constitucionalizada pelo STF


O ICMS sobre importação de bens em regime de leasing


Luís Felipe Bretas Marzagão*



No começo do mês (01/09/2005), o site do STF publicou a notícia de que a Excelsa Corte decidiu, no RE 206.069/SP, pela legitimidade da incidência de ICMS sobre as importações de bens do exterior sob o regime do leasing (arrendamento mercantil).


Como se sabe, o ICMS é imposto que incide sobre as operações de circulação de mercadorias, entendida a operação de circulação como o negócio jurídico que transfere necessariamente a propriedade do bem. Essa é a matriz constitucional inarredável da hipótese de incidência desse imposto (art. 155, II, CF). Vale dizer, o ICMS não incide simplesmente porque os bens circulam fisicamente, mas porque eles são transferidos de uma pessoa para outra e assim por diante. Justamente por isso o STJ já editou a Súmula 166, concluindo que “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.”


Ou seja, o que importa, para a incidência do imposto, não é o deslocamento físico do bem, mas a transferência da titularidade dele. Por isso que, mesmo sem a circulação física, o imposto será devido, desde que haja a transferência da propriedade do bem (titularidade documental).


Assim, quando a Constituição prevê a incidência do ICMS sobre as importações, naturalmente não está nem poderia estar se referindo à mera entrada do bem no território nacional. E isso por um motivo muito simples: a mera entrada do bem no território brasileiro (deslocamento físico do bem) já é tributada pela União, por meio do imposto de importação. Mais importante do que isso: só a União pode tributar a mera entrada de bens no território nacional, nunca os Estados, em virtude da competência tributária já delineada na Constituição (quando a Constituição atribui competência à União para tributar a entrada física de bens, logicamente está excluindo a competência dos outros entes tributantes).


Portanto, não há como fugir da assertiva de que os Estados somente estão constitucionalmente credenciados a tributar a entrada de bens no território nacional (importação), quando ela representar efetivamente uma operação de circulação de mercadoria. Se ela representar um mero deslocamento (sem a transferência da titularidade – caso do leasing), por óbvio não pode haver a incidência do ICMS, sob pena de bitributação pela União e pelo Estado sobre o mesmo fato.


É importante observar que, nos termos do Código Civil, somente ocorre a transferência da titularidade do bem quando o novo “proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” (redação do art. 1.228 do CC). No contrato de arrendamento mercantil (leasing), não há a transferência do direito de dispor da coisa, razão pela qual não há a transferência da titularidade.


Por isso, aliás, a própria Lei Complementar 87/96, que disciplina o ICMS no país inteiro, determina: “Art. 3º O imposto não incide sobre: VIII - operações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário;”.Vale dizer, a própria lei determina que o ICMS não pode incidir sobre o leasing (justamente porque ele não transfere a propriedade do bem).


Entretanto, caso o bem seja importado, segundo o entendimento do STF, o imposto deve incidir, simplesmente porque, conforme noticiado, “De acordo com a relatora, a Constituição elegeu o elemento fático ‘entrada de mercadoria importada’ como caracterizador da circulação jurídica da mercadoria ou bem e dispensou questões acerca dos contornos jurídicos no exterior” (fonte: www.stf.gov.br - notícias do dia 01/09/05). Ou seja, o STF está reconhecendo expressamente que o fato gerador do ICMS, na importação, é sim o mero deslocamento do bem!


Com esse assustador reconhecimento, o STF constitucionaliza a execrável bitributação do leasing, pois admite que a mera entrada do bem no país seja tributada por duas pessoas políticas distintas (União e Estado). Pior, a Excelsa Corte firma o clima de insegurança jurídica e desconformidade da jurisprudência nacional, porquanto contraria o entendimento há muito pacificado no STJ: “Não configura fato gerador do ICMS a importação de aeronaves mediante contrato de arrendamento mercantil (leasing).” (STJ, RESP 146389/SP, DJ 13/06/2005, p. 217)


Essa é a triste realidade dos contribuintes. A de cego no meio do tiroteio. Não basta conviver com emaranhados de leis confusas, arbitrárias e elevada carga tributária. A confusão parte também do Poder que teria a missão inversa: a de esclarecer as confusões, uniformizar o entendimento e garantir a estabilidade do sistema tributário nacional.
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*Advogado do escritório Advocacia Rocha Barros Sandoval & Ronaldo Marzagão








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