Entrou em vigor em maio desse ano a lei 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso a Informação, publicada em novembro do ano passado com prazo de seis meses para o poder público se adequar às novas exigências. A lei 12.528/2011, que prevê a criação da Comissão da Verdade, foi também publicada em novembro de 2011, mas teve sua eficácia limitada até maio de 2012. Somente naquele mês a Presidenta Dilma Rousseff publicou decreto indicando nomes para composição da Comissão Nacional da Verdade, responsável por examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticados por agentes do Estado entre os anos de 1946 e 1988.
Como facilmente notamos, não é por acaso que as duas ações se casam no tempo e que as leis foram promulgadas em sequência. Comissão da Verdade e Lei de Acesso à Informação são uma coisa só, as duas faces da mesma moeda. Uma iniciativa caminha no sentido do resgate da memória histórica do país, permitindo a compreensão sobre tristes episódios que foram propositadamente varridos para debaixo do tapete e ali mantidos durante décadas. A outra ilumina passado e presente estabelecendo procedimentos para que os cidadãos acessem informações públicas e para que agentes públicos divulguem essas informações, trazendo limites e parâmetros mais rígidos e bem definidos para a declaração do sigilo. Juntas, elas cimentam a noção de que sem informação não é possível o pleno exercício da cidadania, sendo a transparência e a prestação de contas dever do poder público, e não mais favor episódico dos dirigentes de plantão, ao sabor de sua conveniência. Nesse contexto, a accountability se fortalece como mandamento legal, internalizando no processo político e social brasileiro noções que antes encontravam maiores ecos apenas em debates acadêmicos sobre ciência política ou princípios jurídicos.
Entrando no segundo mês da plena vigência formal da Comissão da Verdade e da lei de Acesso à Informação, uma série de obstáculos são postos à sua efetividade material. Já é senso comum no país não basta a publicação no Diário Oficial, para valer de fato as leis também precisam “pegar”. Nesse desafio, além da conhecida falta de preparo dos órgãos públicos para adequar sua gestão e seus fluxos internos às demandas da sociedade emergentes pelos instrumentos criados, há forte resistência de instituições historicamente fundadas na cultura do sigilo para se converter aos ventos impostos pelas novas leis.
Resistência que se mostra, não sem certa surpresa, em associações de servidores se manifestando contra a publicização de dados que, a rigor, são públicos por sua própria natureza. Remuneração de servidores públicos e agentes políticos são informações de cristalino interesse público, devendo ser disponibilizadas da maneira mais clara e transparente possível, permitindo ao cidadão cobrar dos servidores públicos – de todos coletivamente e de cada um individualmente – serviços à altura da remuneração que recebem. Essa nitidez resultará certamente em maior cobrança em relação a diversas categorias, mas também permitirá a sensibilização da sociedade para pautas salariais necessárias à qualificação dos serviços prestados, a exemplo dos baixos salários pagos a servidores da União do chamado Plano Geral de Cargos do Poder Executivo, o que resulta em déficit de implementação de políticas públicas levadas a cabo pelo Governo Federal.
Vê-se a mesma resistência à transparência em determinados segmentos militares que parecem fazer de tudo para impedir o pleno exercício dos misteres atribuídos à Comissão Nacional da Verdade, sob o argumento de que a reconciliação nacional se completou no processo da redemocratização e que a iniciativa do Governo Federal teria contornos de revanchismo. Busca-se, com isso, manter nos porões da ditadura a verdade que a História exige resgatar, permitindo que sejam ainda celebrados banquetes em solidariedade a torturadores, como aquele realizado em 2006 com presença de centenas de oficiais militares de alta patente, para homenagear ex-comandante do DOI-Codi acusado de ser um dos maiores torturadores da Ditadura Militar brasileira. Esse triste passado, se documentado, relatado e publicizado como se pretende com a comissão criada, impedirá que tais desatinos voltem a ocorrer, evitando manchar o presente das Forças Armadas do Brasil com os crimes cometidos no passado.
Daí que soa estranho quando avanços como Comissão da Verdade e lei de Acesso à Informação são enxergados com tantas ressalvas, noticiados com tamanho desencorajamento. Acaba tornando inevitável a pergunta: quem terá tanto medo assim da verdade? Supomos várias respostas, mas nenhuma é novidade para o Brasil. Onde informação sempre foi sinônimo de poder, transparência é vista como vulnerabilidade.
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*Victor Martins Pimenta é especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental no Ministério da Justiça.
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