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Introdução
Parte o nosso estudo da redação do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Conforme a sua redação original:
“Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego.”
Como se observa, buscou o legislador conferir ao trabalhador que, preenchidos os pressupostos contidos nos artigos 2º e 3º do diploma legal em comento, presta serviços a um empregador por meio da sua própria residência tratamento idêntico àquele concedido ao trabalhador que tem o estabelecimento do empregador como local de prestação de serviços.
Por meio da lei nº. 12.551/2011, o caput do referido artigo 6º da CLT foi alterado a fim de se estender, ao trabalhador que presta serviços à distância, a mesma proteção que até então era conferida apenas ao trabalhador que presta serviços por meio do seu próprio domicílio. Confira-se:
“Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.”
Feitas estas considerações, passemos à análise dos conceitos contemplados pelo referido artigo 6º da CLT.
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Trabalho à distância
Trabalho à distância é gênero do qual trabalho em domicílio e teletrabalho são espécies. Trabalho à distância, no sentido estrito da expressão, é aquele prestado fora do estabelecimento, ou seja, longe das vistas do empregador.
Um trabalhador que, a título de exemplo, bem ilustra este tipo de trabalho é o empregado de indústrias farmacêuticas paulistas que tem como atividade precípua a expansão dos negócios da sua empregadora para âmbito nacional, tarefa que se traduz na promoção e a venda dos produtos da sua empregadora nas mais diversas unidades federativas, especificamente naquelas nas quais a empregadora não possui estabelecimento comercial próprio. Sérgio Pinto Martins1 apresenta uma série de exemplos deste tipo de trabalhador ao comentar o artigo 62, I, da CLT:
“Continuam a ser incluídos no inciso I do art. 62 da CLT, como empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, os vendedores, viajantes ou pracistas, que são os empregados que não trabalham internamente na empresa, mas externamente, tendo uma região de trabalho onde fazem suas vendas. Da mesma forma, estão incluídos nesse conceito os carteiros, os motoristas em geral, como os de caminhões, carretas, de ônibus, etc., que têm atividade externa ou fazem viagens, mas também os vendedores pracistas, os viajantes ou outras pessoas que exercem atividade externa não sujeita à anotação de jornada de trabalho, como os cobradores ou
propagandistas. Os vendedores, viajantes ou pracistas são os empregados que não trabalham internamente na empresa, mas externamente, tendo uma região de trabalho onde fazem suas vendas. Normalmente, não há como controlar o horário dessas pessoas, porque trabalham na praça. São regidos pela Lei nº. 3.207/57.”
O trabalho em domicílio, por sua vez, também acontece fora do estabelecimento do empregador, já que o empregado nesta situação tem a sua própria residência como local de trabalho. Distingue-se esta modalidade do trabalho à distância propriamente dito porque neste o empregado presta serviços em qualquer lugar que não o estabelecimento do seu empregador ou a sua própria residência.
O conceito de teletrabalho, por sua vez, não é uniforme na doutrina, como observa Vólia Bomfim Cassar2 ao nos apresentar três correntes sobre o assunto. Segundo a autora, a primeira corrente, encabeçada por José Augusto Rodrigues Pinto, estabelece o seguinte:
“O teletrabalho pode ser desenvolvido no domicílio do empregado ou em um centro de computação, um escritório virtual ou alugado por hora para este fim aos interessados, pois há uma descentralização da empresa, pulverizando a ‘comunidade obreira’.”
Conforme a citada autora, a segunda corrente, integrada por Pinho Pedreira e Valentin Carrion, defende que:
“... teletrabalho é espécie do gênero trabalho à distância desenvolvido através da telemática, isto é, com uso exclusivo da informática, não estando incluído o trabalho com utilização de telefones ou outros meios de comunicação”.
Já a terceira corrente, comandada por João Hilário Valentim, nos dizeres da autora em comento:
“... advoga que teletrabalho também pode ser denominado de trabalho periférico, trabalho à distância, trabalho remoto e quer dizer ‘prestação de serviço destinado a outrem sob a subordinação deste, exercido por instrumentos e tecnologias relacionados às telecomunicações e informática’, admitindo a execução parcial do trabalho internamente na empresa. João Hilário aponta para três elementos básicos para caracterização do teletrabalho: a) utilização de novas tecnologias referentes à informática e à telecomunicação; b) ausência ou redução do contato pessoal do trabalhador com o patrão, superiores hierárquicos ou colegas; c) o local de prestação de serviços geralmente é a casa do trabalhador.”
Para definirmos o conceito de teletrabalho, fazemos referência, ainda, à importante distinção entre teletrabalho e trabalho a domicílio observada por Alice Monteiro de Barros3:
“O teletrabalho distingue-se do trabalho a domicílio tradicional não só por implicar, em geral, a realização de tarefas mais complexas do que as manuais, mais também porque abrange setores diversos como: tratamento, transmissão e acumulação de informação; atividade de investigação; secretariado, consultoria, assistência técnica e auditoria; gestão de recursos, vendas e operações mercantis em geral; desenho, jornalismo, digitação, redação, edição, contabilidade, tradução, além de utilização de novas tecnologias, como informática e telecomunicações, afetas ao setor terciário.”
Sobre estas modalidades de trabalho, mencionamos, outrossim, a distinção feita por Godinho4 entre estes dois tipos que tanto se confundem, o qual nos apresenta, em adição a estes, um conceito bastante difundido na atualidade, qual seja, o home office:
“Dentro da situação-tipo aventada pelo art. 62, I, da CLT (labor externo insuscetível de controle de jornada) podem-se inserir três outras possibilidades importantes, do ponto de vista do mundo laborativo: a) o tradicional trabalho no domicílio, há tempos existente na vida social, sendo comum a certos segmentos profissionais, como as costureiras, as cerzideiras, os trabalhadores no setor de calçados, as doceiras, etc.; b) o novo trabalho no domicílio, chamado home-office, à base da informática, dos novos meios de comunicação e de equipamentos convergentes; c) o teletrabalho, que pode se jungir ao home-office, mas pode também se concretizar em distintos locais de utilização dos equipamentos eletrônicos hoje consagrados (informática, internet, telefonia celular, etc.).”
Com base em todos esses conceitos, entendemos não haver, necessariamente, uma relação de continência e conteúdo entre trabalho em domicílio e teletrabalho. Filiamo-nos à corrente segundo a qual o teletrabalho é aquele desenvolvido por meio do emprego de modernas tecnologias de informática e telecomunicações, de modo que, a depender das ferramentas empregadas na consecução dos serviços, o teletrabalho poderá ou não ser espécie de trabalho em domicílio.
Na medida em que muito tênue a linha que distingue um empregado de um prestador de serviços autônomo, o qual, usualmente, também executa suas atividades à distância da empresa contratante, e que o artigo 6º da CLT é expresso ao afirmar que somente se caracterizados os pressupostos da relação de emprego o trabalhador à distância será beneficiado com o tratamento diferenciado estabelecido pelo ordenamento jurídico trabalhista, analisemos os ditos pressupostos.
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Requisitos para a configuração do vínculo empregatício
Dispõem os artigos 2º e 3º da CLT em seus respectivos caputs:
“Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.”
“Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”
Dos dispositivos legais em apreço extraímos os pressupostos da relação de emprego a que alude o artigo 6º do mesmo diploma legal em comento, dentre os quais se destacam a pessoalidade, onerosidade, subordinação e habitualidade.
Ao nosso entender, para ser considerado um empregado à luz do ordenamento jurídico trabalhista vigente, deve o trabalhador, pessoalmente e mediante salário, prestar serviços de forma contínua e subordinada à pessoa física ou jurídica que assuma os riscos do empreendedorismo.
O trabalhador que presta serviços por meio do seu próprio domicílio tende a contar com o auxílio dos seus familiares no desenvolvimento das suas atividades, sem que isto desnature o vínculo empregatício entre este trabalhador e o seu respectivo empregador, já que a necessidade do elemento pessoalidade, justamente em função desta especial característica do trabalho em domicílio, vem sendo flexibilizada, como observa Alice Monteiro de Barros5.
Vólia Bomfim Cassar, fazendo referência a Sérgio Pinto Martins e Arnaldo Sussekind, igualmente, aponta para a tolerância da doutrina quanto à ajuda eventual ou insignificante de familiares no trabalho em domicílio, desde que a prestação de serviços não assuma o caráter de empreendimento autônomo ou familiar. Na sequência, a autora apresenta uma fórmula para a identificação da caracterização ou não do vínculo empregatício entre o trabalhador em domicílio e a empresa para a qual este presta serviços:
“A pedra de toque para a descaracterização da relação de emprego pode ser notada quando o empregado passa a contratar (ou intermediar, obtendo lucro) ajudantes, a investir no negócio, adquirindo maquinaria, matéria-prima, utensílios industriais etc. (...).
O trabalhador em domicílio não pode ser confundido com o trabalhador autônomo, já que este sofre os riscos do empreendimento, enquanto aquele não. O fato de o empregado fornecer, exclusivamente, a matéria-prima pode ou não descaracterizar a relação de emprego, pois há vários empregados que são contratados com suas ferramentas de trabalho (“...)”.
Como nas demais hipóteses de trabalho à distância, quais sejam, o trabalho à distância propriamente dito e o teletrabalho fora do estabelecimento do empregador ou do domicílio do trabalhador, a pessoalidade não costuma representar um impasse, fazemos referência à subordinação como marco para que se qualifique o trabalhador que presta serviços à distância como autônomo ou empregado.
Nessa linha de raciocínio, convém esclarecer que no primeiro caso, ou seja, prestação de serviços autônoma, a subordinação típica das relações de emprego é inexistente, ao passo que na segunda situação, ou seja, a subordinação é apenas menos intensa do que no trabalho prestado sob as vistas do empregador.
Ao defender a conjugação das três dimensões da subordinação (clássica: manifestada pela intensidade de ordens do empregador sobre o empregador; objetiva: manifestada pela integração do empregado nos fins e objetivos do negócio do empregador; e estrutural: manifestada pela vinculação estrutural do empregado à dinâmica operativa da atividade do empregador), Godinho6 faz um paralelo com a nova redação do artigo 6º da CLT:
“Essa moderna e renovada compreensão do fenômeno da subordinação, que efetivamente possui nítido caráter multidimensional, tem sido percebida não só pela doutrina e jurisprudência mais atentas e atualizadas, como também pelo próprio legislador. Nesta linha despontou a recente Lei n. 12.551, de 15.12.2011, conferindo nova redação ao caput do art. 6º da CLT e lhe agregando novo parágrafo único, de modo a incorporar, implicitamente, os conceitos de subordinação objetiva e de subordinação estrutural, equiparando-os, para os fins de reconhecimento da relação de emprego, à subordinação tradicional (clássica), que se realiza por meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Desse modo, o novo preceito da CLT permite considerar subordinados profissionais que realizem trabalho a distância, submetidos a meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão. (...) Ora, essa equiparação se dá em face das dimensões objetiva e também estrutural que caracterizam a subordinação, já que a dimensão tradicional (ou clássica) usualmente não comparece nessas relações de trabalho à distância.”
Para Alice Monteiro de Barros, o trabalho à distância não implica na renúncia, pelo empregador, ao seu poder diretivo, tampouco neutraliza o contrato de trabalho. Nos dizeres da autora7:
“No trabalho a distância, do qual o teletrabalho é modalidade, o controle alusivo ao poder de direção poderá se apresentar com maior ou menor intensidade, tomando a subordinação jurídica a denominação de telessubordinação, que poderá manifestar-se durante a execução do trabalho ou, mais comumente, em função do seu resultado. Afirma-se, até mesmo, que o controle da atividade é substituído pelo controle do resultado.”
A autora, outrossim, ilustra a presença da subordinação característica das relações empregatícias na relação entre o trabalhador em domicílio e a empresa para a qual ele presta serviços da seguinte maneira:
“Se o trabalhador se encontra, por exemplo, em conexão direta e permanente, por meio do computador, com o centro de dados da empresa, o empregador poderá fornecer instruções, controlar a execução de trabalho e comprovar a qualidade e a quantidade de tarefas de forma mais instantânea, como se o empregado estivesse no estabelecimento do empregador. A internet permite, inclusive, aferir o tempo de conexão do terminal do empregado, bem como quando foi acessado pela última vez o teclado. Esse controle revela, sem dúvida, a subordinação jurídica, que poderá estar presente ainda quando a execução do serviço seja desconectada (off line). Tudo irá depender da análise do programa de informática utilizado". 8
Mais adiante9, a autora aponta para uma série de indicadores apresentados pela doutrina para a configuração da subordinação jurídica a caracterizar o vínculo empregatício entre tomador e prestador de serviços em domicílio:
“São apontados pela doutrina indicadores valiosos da subordinação jurídica, entre os quais: a submissão do teletrabalhador a um programa informático confeccionado pela empresa, que lhe permite dirigir e controlar a atividade do empregado; o fato de o credor do trabalho ter a faculdade de escolher e substituir o programa operativo específico, com assunção de riscos; disponibilidade de tempo em favor do empregador, com a obrigação de assistir a reuniões ou cursos de treinamento, sob pena de sanção disciplinar. Outro indício consiste em sem a empresa proprietária dos equipamentos de produção (computador, linha telefônica, fax, impressora, etc.); percebimento de importância fixa pelos serviços prestados; assunção de gastos pelo credor do trabalho com água, luz, aluguel, estacionamento, manutenção de equipamentos e outros. A esses indícios acrescente-se a integração do teletrabalhador na organização empresarial, a qual se manifesta pelo grau elevado de confiança, e participação na vida da empresa, dispondo de crachá, de autorização para chamadas telefônicas externas, código para acesso informativo à empresa, figuração nas listas de distribuição interna de documentos aos diretórios eletrônicos da empresa ou aparecimento de sua representação virtual na respectiva página, fatos que não ocorrem com os profissionais que trabalham como sujeitos de um contrato civil ou mercantil.”
A nosso ver, o trabalhador que presta serviços à distância, portanto, somente poderá ser considerado empregado quando existente na relação que mantém com o tomador de serviços a subordinação inerente às relações empregatícias, ainda que com intensidade reduzida em relação ao empregador ordinariamente regido pela Norma Consolidada.
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Controle de jornada do trabalhador à distância
O tema em estudo nos remete ao inciso I do artigo 62 da CLT, segundo o qual são excluídos do regime de controle de jornada os “empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados”.
A anotação desta condição na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro do empregado, a nosso ver, é um requisito meramente formal e que, portanto, não afasta a aplicação do referido dispositivo legal ao trabalhador que exerça atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho. Prestigiando o princípio da primazia da realidade, Vólia Bomfim Cassar10, fazendo referência aos Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, de Mozart Victor Russomano Saad e outros, observa que:
“A anotação na CTPS é requisito da prova do ato, e não de sua essência. Se o patrão comprovar que o empregado é de fato externo prevalecerá a verdade à forma. A infração ao dispositivo legal sujeita o empregador somente à penalidade administrativa.”
Para a exclusão, do trabalhador à distância, do regime da duração do trabalho e, consequentemente, não sujeição deste a controle de jornada, imperiosa se faz a conjugação de dois elementos: trabalho externo e incompatibilidade com a fixação de horário de trabalho.
Desse modo, para que o empregador esteja desobrigado do controle de jornada do trabalhador à distância, não basta a externalidade inerente à modalidade de trabalho em estudo. Em adição ao fato de o trabalho ser prestado à distância, longe das vistas e controle do empregador, é imprescindível que o estabelecimento de horário de trabalho para este trabalhador seja incompatível com a natureza do trabalho prestado.
Vólia Bomfim Cassar entende que empregados em domicílio, teletrabalhadores e vendedores pracistas sem controle de vendas ou visitações, por exemplo, estão incluídos na exceção à regra da jornada controlada, aposta no mencionado artigo 62, I, da CLT. Para a autora, a qual faz menção a Valentim Carrion, “é a incompatibilidade de fixação e controle da jornada que o afasta da tutela legal, e não o fato de desenvolver suas atividades fora do estabelecimento do empregador”.
Corroborando com esse entendimento, Alice Monteiro de Barros menciona que o teletrabalhador, via de regra, possui a liberdade de escolher o horário e a duração do seu trabalho, extraindo-se desta peculiar característica do trabalho à distância a inviabilidade de se controlar a jornada deste tipo de trabalhador e, consequentemente, a dificuldade de se comprovar a prática de horas extras. Na sequência, a autora comenta sobre hipóteses em que é possível o controle da jornada do teletrabalhador11:
“É possível, entretanto, aplicar ao teletrabalhador as normas sobre jornada de trabalho, quando estiver em conexão permanente com a empresa que lhe controla a atividade e o tempo de trabalho mediante a utilização de um programa informático, capaz de armazenar na memória a duração real da atividade, dos intervalos, ou o horário definido pela exigência dos clientes do empregador, sem que o teletrabalhador tenha liberdade para escolher as horas que pretende trabalhar no dia. Não há incompatibilidade entre o teletrabalho e a jornada extraordinária e, consequentemente, é possível também fixar o salário por unidade de tempo.
Poderá acontecer ainda de o teletrabalhador ter que exercer as atividades nos finais de semana e também à noite, pois nesses dias e horários o computador é menos solicitado. Se ele trabalha nessas condições, para atender a prazos de entrega, impostos pelo empregador, em períodos de grande demanda, fará jus à paga correspondente (repouso em dobro e adicional noturno). Se essa escolha é do empregado, não há como impor ao empregador esses ônus.”
Importante salientar que a mera possibilidade de controle da jornada do trabalhador à distância o afasta da exceção estabelecida no artigo 62, I, da CLT, como também sugere Sérgio Pinto Martins12:
“Assim, se é impossível controlar o horário desses tipos de trabalhadores, por possuírem afazeres externos, além de ser difícil verificar qual o tempo efetivo à disposição do empregador, são indevidas as horas extras.”
José Cairo Júnior13 já é mais enfático nesse sentido:
“Se, de alguma forma, o empregador pode determinar e quantificar a jornada de trabalho do seu empregado, não há falar-se em incidência do mencionado art. 62, I da CLT.
Por conta disso, é indiferente, juridicamente, se o empregador fiscaliza ou não a jornada de trabalho do seu empregado. O que importa é a simples possibilidade dessa fiscalização.”
Para complementar esta noção daquilo que se concebe como controle indireto de jornada, transcreveremos, a seguir, ementa de acórdão de lavra da Desembargadora Ivani Contini Bramante, a qual aponta também para o volume de trabalho como meio de aferição da jornada de trabalho desempenhada pelo trabalhador à distância:
“TRABALHO EXTERNO. CONTROLE DE JORNADA. HORAS EXTRAS. POSSIBILIDADE. Considerando-se o patamar mínimo civilizatório, a Constituição Federal em seu art. 7º fixou limite à jornada diária como sendo de 08 horas e semanal de 44 horas. A premissa, portanto, é a de que a Constituição da República não afastou o trabalho extraordinário dos trabalhadores externos. Até porque, não é apenas o controle formal de jornada - "a priori", aquele efetuado de forma escrita, mecânica ou eletrônica de entrada e saída o único parâmetro para se aferir se o empregado teve ou não sua jornada elastecida além da legal, mas, também, aquele controle feito de forma indireta, através do volume de atribuições inerentes ao cargo e impostos ao empregado que possibilite ao empregador a aferição "a posteriori", de que o tempo para a realização da totalidade de suas tarefas enseje maior dedicação e, consequentemente maior tempo para o trabalho gerando, com isso, a jornada extraordinária. Portanto, feitas essas considerações há que verificar, no caso concreto, duas frentes de possibilidades: primeira, se havia ou não possibilidade de controle "a priori" pela reclamada e, segunda em caso negativo, ou seja, na ocorrência de controle "a posteriori", se o autor demonstrou que, para a elaboração de seu trabalho, necessitou extrapolar os patamares mínimos impostos pela Constituição Federal”.14
Ao estabelecer que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”, o parágrafo único inserido ao artigo 6º da CLT, a nosso ver, deu margem à interpretação semelhante à de Alice Monteiro de Barros, ou seja, como entendemos, o legislador permitiu a utilização dos instrumentos em apreço para a aferição da jornada e duração do trabalho prestado pelo teletrabalhador, afastando estes trabalhadores da exceção aposta no inciso I do artigo 62 da Norma Consolidada. Godinho15 possui entendimento diverso acerca do assunto:
“(...) a circunstância de a lei permitir o enquadramento no pressuposto da subordinação dessas situações novas de prestação de serviços em home-offices e também em dinâmicas de teletrabalho, autorizando o reconhecimento do vínculo de emprego (se presentes os demais elementos fático-jurídicos dessa relação tipificada, é claro), isso não confere automático fôlego para se concluir pelo império de minucioso sistema de controle de horários durante a prestação laborativa. Nessa medida, o notável avanço trazido pela nova redação do art. 6º e parágrafo único da CLT, viabilizando a renovação e expansionismo da relação de emprego, talvez não seja capaz de produzir significativas repercussões no plano da jornada de trabalho. O alargamento do conceito de subordinação não importa, necessariamente, desse modo, no mesmo alargamento da concepção de jornadas controladas. Trata-se de conceitos e extensões distintos, de maneira geral.”
Não obstante este seja o posicionamento de um ministro do Tribunal Superior do Trabalho, a interpretação conferida pela magistrada Alice Monteiro de Barros à utilização de modernas tecnologias de informática e telecomunicações como forma de controle de jornada está em consonância com o entendimento prevalecente nas Cortes Trabalhistas, inclusive no próprio TST, como ilustra o julgado a seguir transcrito:
“(...) RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. COMPATIBILIDADE COM REGIME DE CONTROLE DE JORNADA. A simples realização de trabalho externo - como ocorria no caso dos autos, em que o empregado, nos termos consignados no acórdão regional, trabalhava nas funções de instalação e reparação de linhas telefônicas -, não impede o controle de jornada por parte do empregador. Nesse caso, não se cogita de aplicação do previsto no art. 62, I, da CLT, já que o quadro fático revela, na hipótese destes autos, conforme registrado pelo Colegiado de origem, que o reclamante recebia as ordens da reclamada via SMS por celular, informava ao setor de despacho o término de cada trabalho, bem como que o roteiro de serviço era predeterminado pela reclamada, restando claro o controle da jornada. Violação do art. 62, I, da CLT demonstrada. Revista conhecida e provida, no tema". 16
Desse modo, entendemos que a mera possibilidade de controle indireto da jornada de trabalho do empregado que exerce suas atividades remotamente é o suficiente para o excluir do âmbito de aplicação do artigo 62, I, da CLT.
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Saúde e segurança dos trabalhadores à distância
A Convenção Internacional sobre o trabalho em domicílio (Convenção nº. 177 da Organização Internacional do Trabalho17), em seu artigo 9º, prevê um sistema de inspeção compatível com a legislação e prática nacionais como forma de garantia do cumprimento da legislação aplicável a este tipo de trabalho.
Nos termos do artigo 7º da referida Convenção, aplica-se ao trabalho em domicílio a legislação nacional em matéria e de segurança e medicina do trabalho, levando-se em conta as características próprias deste tipo de trabalho. Referido dispositivo prevê, ainda, a obrigatoriedade do estabelecimento de condições que, por razões de segurança e saúde, certos tipos de trabalho e a utilização de certas substâncias não podem ocorrer no domicílio do trabalhador.
A Convenção em comento não foi ratificada pelo Brasil. No entanto, ante os riscos que o trabalho em domicílio oferece à saúde e segurança dos trabalhadores e considerando o tratamento equânime conferido pela CLT aos empregados locais e remotos, entendemos que o empregador deve garantir que o ambiente no qual o trabalhador exercerá suas atividades esteja de acordo com as Normas Regulamentadoras expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, notadamente no que se refere à ergonomia, além de outras normas que prestigiem a saúde e segurança do trabalhador.
A análise da segurança e saúde dos trabalhadores à distância nos remete, ainda, ao perfil do profissional que exerce suas atividades em domicílio. Como aponta Alice Monteiro de Barros18:
“O trabalho a domicílio tem sido alternativa para a mulher com responsabilidades familiares que enfrenta dificuldades em conseguir emprego em tempo parcial e não conta com uma infraestrutura doméstica e social que lhe permita manter os filhos em casa ou em berçários e creches.”
Mais adiante19, a autora comenta sobre outros tipos de trabalhadores que enfrentam dificuldades de inserção no mercado de trabalho, de modo que o trabalho em domicílio representa uma grande vantagem a este contingente de pessoal:
“Outra vantagem consiste na possibilidade de o teletrabalho se estender a um contingente humano que enfrenta dificuldade de obter emprego formal, como é o caso das donas de casa, trabalhadores com idade avançada ou com deficiência física e presidiários. Visto sob esse ângulo, o teletrabalho poderá atuar como um meio capaz de contribuir para diminuir a desigualdade de oportunidades.”
Uma grande desvantagem que este trabalho, a nosso ver, propicia a este tipo de trabalhador é o seu isolamento da sociedade, já que o trabalho no estabelecimento do empregador propicia a interação deste trabalhador com outras pessoas. Alice Monteiro de Barros corrobora com esse entendimento:
“Por outro lado, essa modalidade de trabalho a distância apresenta como desvantagem a possibilidade de deterioração das condições de trabalho, entre elas o isolamento advindo da falta de contato com outros trabalhadores. Ora, é sabido que o trabalho realizado no estabelecimento do empregador permite, em muitas funções, o contato com colegas, propiciando conversas amenas, troca de ideias e discussão de problemas pessoais e familiares, em clima de interação profissional e emocional.”
Na sequência, a autora apresenta outras desvantagens advinda deste tipo de trabalho:
“Outra desvantagem desse tipo de trabalho é a eliminação da carreira e, consequentemente, de qualquer promoção; menores níveis de proteção social, de tutela sindical e administrativa, além de conflitos familiares, na hipótese de o trabalhador não conseguir separar o tempo livre do tempo de trabalho.
Embora lhe seja reconhecida a tutela sindical e, consequentemente, o direito de greve, o exercício desse último será dificultado pelo fato de o teletrabalhador laborar a distância.
O teletrabalho apresenta, ainda, uma nova questão a respeito da fronteira entre o exercício do poder diretivo do empregador, do poder de fiscalização da autoridade administrativa, e o direito à intimidade e à vida privada do empregado.”
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Conclusão
Cumpridos os requisitos estabelecidos nos artigos 2º e 3º da CLT, o trabalhador à distância terá vínculo empregatício com o tomador de serviços. De tal maneira, a este tipo de trabalhador será dispensado o mesmo tratamento conferido pela Norma Consolida aos empregados que exercem suas funções no estabelecimento do empregador.
O gênero trabalho à distância nos remete aos empregados excluídos das normas alusivas à duração do trabalho, inclusive no que se refere ao trabalhador que presta serviços por meio do seu próprio domicílio, já que o fator externo mencionado no artigo 62, I, da CLT remete a qualquer local que não o estabelecimento do empregador. Este tipo de trabalhador, portanto, somente estará excluído do regime de controle da jornada de trabalho ante a total impossibilidade de aferição da sua jornada, já que a mera possibilidade de controle enseja a percepção de horas extras decorrentes do labor extraordinário.
Por fim, considerando as desvantagens representadas especialmente pelo trabalho em domicílio, que gera o isolamento social do empregado, e tendo em vista, ainda, a ausência de regulamentação específica para este tipo de trabalho, os empregadores devem proceder com muita cautela na contração e manutenção de um vínculo desta natureza.
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1 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, pg. 483
2 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 4ª ed. Niterói: Impetus, 2010, pg. 675.
3 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTr, 2011, pg. 258.
4 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª ed. São Paulo: LTr, 2012, pg. 904.
5 Ob. cit. pg. 254.
6 Ob. cit. pg. 299.
7 Ob. cit. pg. 261.
8 Ob. cit. pg. 261.
9 Ob. cit. pg. 262.
10 Ob. cit. pg. 678.
11 Ob. cit. pg. 263.
12 Ob. cit. pg. 483.
13 CAIRO JÚNIOR, José. Curso de Direito do Trabalho. 2ª ed. Salvador: Podivm, 2008, pg.339.
14 TRT 2ª Região, 4ª Turma, RO nº. 01253005420075020063, Relatora Desembargadora Ivani Contini Bramante, publicado em 09/03/2012.
15 Ob. cit. pg. 906.
16 TST, 3ª Turma, RR - 150000-62.2008.5.03.0021, Relator Juiz Convocado: Flavio Portinho Sirangelo, publicado em 13/04/2012.
17https://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:1336911972031486::NO:12100:P12100_INSTRUMENT_ID:312322:NO – acessado às 00:38 do dia 03.05.2012.
18 Ob. cit. pg. 256.
19 Ob. cit. pg. 259.
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BIBLIOGRAFIA
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 4ª ed. Niterói: Impetus, 2010.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTr, 2011.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11ª ed. São Paulo: LTr, 2012.
CAIRO JÚNIOR, José. Curso de Direito do Trabalho. 2ª ed. Salvador: Podivm, 2008.
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* Priscila Freire da Silva Cezário e Wellington Roberto Ferreira são advogados associados ao escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados
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