A situação da Grécia que se apresenta como exemplo maior da crise vivida atualmente pela União Europeia faz reacender o debate sobre a oportunidade de um código comum para regular contratos, bens e interesses. Não é uma boa solução.
É compreensível, nada obstante, que a porta de entrada de uma codificação civil, independentemente do modelo e do método respectivo, seja uma aparente saída para questões que não começam nem se dissolvem com uma nova regra jurídica de caráter geral a todos os países e cidadãos europeus.
Diversas são as razões pelas quais deve ser problematizado o recurso a uma nova lei, especialmente na forma de codificação das relações jurídicas de caráter privado. Anote-se, em primeiro plano, a contaminação também existente na Europa do movimento que se pode denominar de nonstop law. Trata-se de uma característica não muito recente, e bastante conhecida no Brasil, por meio da qual a vazão dos dilemas sociais e econômicos pode ser dar por intermédio de uma mudança no ordenamento jurídico. É, a rigor, uma ilusão.
Não tem o sistema jurídico a aptidão de gerar, por si só, luzes capazes de explicar todo e qualquer dark place das sociedades contemporâneas. Tanto no sistema common law, quanto no civil law, bem como nas áreas que adotam sistemas mistos, há espaços de dissociação entre a sociedade, o Direito e o Estado.
Daí porque, em segundo plano, impende questionar, nesse debate que agora é recolocado na Europa continental, em que medida as transformações democráticas na sociedade contemporânea dialogam construtivamente com uma ordem jurídica justa. Mais ainda: cumpre interrogar se esse movimento de produção legiferante produz direta e proporcionalmente efeitos sobre os regimes jurídicos essenciais no que concerne à propriedade, ao contrato e à família.
A resposta parece ser negativa, inclusive porque ainda há sombreamento evidente na dicotomia entre o direito nacional e o direito supranacional .
Sem embargo, não deixa de ser legítimo cogitar, no tempo do espaço ocidental contemporâneo, de um direito supranacional de princípios.
O núcleo do tema, contudo, na perspectiva da crise europeia, não pode ser confinado a um debate exclusivamente jurídico e deve apreender, sem dúvida, as equações de economia política. Ao direito concerne uma missão mais restrita, ligada à segurança substancial das relações jurídicas, e aí sim podem ser elencadas novas perspectivas (especialmente do direito internacional) para contribuir na efetividade dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais.
Nesse contexto, deve ser tomada como premissa, notadamente no direito privado, a capacidade de autodeterminação da pessoa em regrar o desenvolvimento de sua personalidade e também um mínimo existencial capaz de prover os meios adequados para a instrumentalização dessa autodeterminação.
A crise europeia, portanto, não demanda saídas formais, sob pena de dissolver-se o próprio sentido do ordenamento jurídico. Quem pede comida não digere apenas leis.
__________
* Luiz Edson Fachin é advogado integrante do escritório Fachin Advogados; Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da UFPR; Guest Researcher do Max Planck Institute for International and Comparative Private Law; Visiting Scholar do King's College London (School of Law)