De fato, até 2009 aquele Tribunal Administrativo interpretava que a sociedade incorporada podia compensar prejuízos fiscais acumulados sem quaisquer limitações, abatendo-os integralmente do lucro tributável apurado por ocasião da incorporação, já que esse evento societário conduz a incorporada à extinção e, com isso, impede o aproveitamento dos prejuízos nos anos subsequentes.
Vale dizer, o CARF entendia que naquele momento derradeiro da incorporação a incorporada podia compensar os prejuízos até mesmo sem a limitação da chamada trava de 30%, o limite de compensação equivalente a 30% do lucro tributável contra o qual o prejuízo é compensado. É possível constatá-lo, por exemplo, do acórdão n. 01-05.100, de 19/10/2004, da Primeira Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais - CSRF, órgão máximo daquela Corte.
Aquele posicionamento do CARF foi modificado com o recente acórdão n. 9101-00.401, de 2/10/2009, onde a CSRF decidiu que a trava de 30% é aplicável na hipótese de incorporação, sob o fundamento de que não há previsão legal expressa para dispensar o referido limite, nem mesmo quando a empresa é extinta por incorporação.
Ocorre que inúmeros contribuintes, até então, vinham procedendo de conformidade com o posicionamento pacífico que prevalecia no CARF, e é relevante, a esta altura, proteger a confiança depositada pelos administrados na palavra daquele Tribunal.
Realmente, muitas incorporações foram conduzidas até o momento sem a observância daquela trava de 30% na compensação de prejuízos, e não é justo punir quem acreditou de boa-fé no posicionamento fazendário.
Há pelo menos dois princípios jurídicos que justificam a dispensa de penalidades em relação ao particular que tenha seguido à risca a orientação fazendária consignada em decisão proferida no âmbito do processo administrativo fiscal, mesmo que haja subsequente mudança de entendimento por parte do fisco.
De um lado o princípio da igualdade recomenda ao CARF um tratamento isonômico a quem se encontra na mesma condição daqueles que se beneficiaram até recentemente do pacífico entendimento daquela Corte, e de outro lado o princípio da boa-fé ou da proteção da confiança impõe que a nova orientação seja aplicada apenas para o futuro.
A segurança jurídica que deve nortear as relações entre a administração e os administrados também recomenda que as decisões definitivas proferidas no contencioso administrativo fiscal, especialmente as que se tornam reiteradas, sirvam de orientação a ser respeitada pelo contribuinte e pelo próprio fisco.
Interessante observar, adicionalmente, que o art. 76, II, "a", da lei 4.502/64, ainda em vigor, exclui a imposição de penalidades a quem proceder ou pagar tributos de acordo com interpretação constante de decisão definitiva proferida em processo fiscal, enquanto prevalecer o entendimento, quer o interessado seja parte, quer não.
A rigor, e se não é possível evitar a exigência do tributo e dos juros, pelo menos aquele comando legal afasta, numa eventual autuação, a exigência da multa de ofício, que via de regra é 75% e, teoricamente, afasta até mesmo a exigência da multa de mora, de 20%.
Cabe ao CARF aplicar de ofício aquele dispositivo legal, pois está inequivocamente obrigado a aplicar a lei ao caso concreto e, de todo modo, os contribuintes têm o direito de ver aquele comando aplicado em autuações nas quais o fisco questiona a compensação de prejuízos fiscais sem a trava de 30% em incorporações societárias, para que sejam dispensadas todas as multas eventualmente exigidas – cabendo até mesmo cogitar do ressarcimento das penalidades que porventura já tenham sido pagas indevidamente naquele tipo de situação.
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* Rogério Pires da Silva é sócio do escritório Boccuzzi Advogados Associados
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