Eles não só não gostavam do velho pai, como queriam que ele morresse logo para poder usufruir de sua riqueza.
Desconfiado de que o pior pudesse acontecer, o rei pensou numa estratégia que lhe assegurasse viver em paz, sem ser molestado – ou mesmo assassinado – por eles.
Reuniu-os e explicou:
"Os médicos diagnosticaram uma doença terrível em mim. Não sei quanto tempo terei de vida. Pode ser que morra em breve. Por isso, resolvi fazer um testamento – que será aberto somente após a minha morte – deixando a vocês toda a minha herança. Mas atentem para este detalhe: aquele que me maltratar não fará jus ao seu quinhão".
Os filhos acharam interessante aquela promessa e passaram a tratar bem o rei.
Um dia o rei, de fato, morreu. Os filhos correram abrir o testamento e encontraram o seguinte:
"Ao meu filho mais velho, deixo a minha maior fortuna, que foi o meu caráter. Com ele conquistei riquezas, respeito e a admiração de meu povo.
Ao meu segundo filho, deixo todas as minhas jóias, que foram a bondade. Com ela eu ajudei a todos os necessitados, fui justo em meus julgamentos e me tornei benquisto.
Ao meu terceiro filho, deixo o meu maior patrimônio, que foi a disposição para o trabalho. Com ela adquiri bens, eduquei e sustentei vocês e me tornei poderoso.
Ao quarto, meu querido filho mais novo, deixo o que de menor eu tinha: todos meus bens, todas as minhas propriedades e todo meu dinheiro. Que cada um use o seu legado como melhor aprouver".
Diz a lenda que depois dessa revelação os três primeiros filhos ficaram muito desapontados. Depois de muito blasfemar e desancar o pai, caíram na realidade. Estavam pobres e sem a perspectiva de passar o resto da vida gastando a fortuna do velho. Por um tempo viveram errantes no reino, implorando a ajuda do irmão mais novo. Finalmente, entenderam a verdadeira lição de seu pai. E se tornaram honestos, bons e trabalhadores.
Quando isso de fato aconteceu o filho mais novo reuniu os mais velhos e lhes fez esta nova revelação:
"Antes de morrer, papai me chamou e contou do testamento que havia deixado. Mas fez a mim uma única exigência, que agora vou cumprir. Se, com o tempo, vocês se tornassem honestos, bons e trabalhadores, eu deveria repartir a fortuna com todos vocês, em partes iguais. Como isso, de fato, aconteceu mandei fazer uma escritura de doação repassando a cada um, o que lhe é de direito".
Os irmãos abraçaram o mais novo, começaram a chorar e reconheceram que o pai, além de todas as qualidades, tinha uma última, que até então desconheciam: ele era um verdadeiro sábio.
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* Gilberto Ferreira é juiz de Direito em Curitiba/PR e professor da PUC
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