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Aborto de anencéfalos: o dia seguinte da decisão do STF

Se improcedente a ADPF, perderiam as mulheres, os profissionais de saúde e a sociedade, inclusive os defensores da continuidade da gestação.

19/4/2012

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o aborto em caso de gravidez de feto anencéfalo (sem cérebro) não é crime. A Corte analisou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, ajuizada em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). A decisão criará um efeito erga omnes, ou seja, favorecerá todas as mulheres, que agora não precisam mais de autorização judicial para interromper a gravidez após o diagnóstico de anencefalia.

Essa decisão criará um novo paradigma jurídico sobre o aborto de anencéfalos e também da saúde da mulher no Brasil. Agora, a gestante não precisará mais ficar na dependência de uma autorização judicial, que gera uma expectativa negativa e uma enorme pressão psicológica.

Diante da enorme repercussão do caso, que não envolveu apenas questões médicas e jurídicas, mas sim éticas, religiosas, morais de cunho social amplo e irrestrito, os ministros do Supremo decidiram, por 8 votos favoráveis contra 2, pela descriminalização do aborto de anencéfalos.

O entendimento do Supremo corrobora a Lei n. 9.434/97, na qual está disposta que a vida cessa com a morte encefálica ou morte cerebral. Se não há vida no feto anencéfalo, sob o prisma jurídico, não há sentido em prolongar a gravidez e acarretar riscos e prejuízos psicológicos e à saúde da gestante. O avanço, portanto, estará na possibilidade de a mulher interromper a gravidez, diante do diagnóstico inconteste, sem que haja a intervenção do Estado.

O posicionamento Supremo também favorece aos profissionais da saúde, pois possibilita uma segurança jurídica para o exercício profissional, uma vez que todos os envolvidos em um procedimento de aborto (à exceção daqueles permitidos em lei) podem cometer os crimes tipificados nos artigos 125 e 126 do Código Penal. As equipes poderão auxiliar as mulheres grávidas de feto anencéfalos que decidirem realizar a antecipação terapêutica do parto, sem receio de cometerem ilícito penal e ético.

Em razão da sensibilidade quanto ao tema, bem como durante o julgamento no STF, o Conselho Federal de Medicina (CFM) criou uma comissão com membros do próprio conselho, das sociedades médicas de pediatria, neurologia, ginecologia e obstetrícia, do Ministério da Saúde, e especialistas em ultrassonografia fetal para que haja segurança no diagnóstico e para que seja elaborado um protocolo para guiar o acompanhamento da gestante que decidir pela antecipação do parto.

O país apresenta um serviço precário para atendimento de gestantes. Há centros de excelência no atendimento público à gestante, mas poucos estabelecimentos efetivamente compromissados com uma política de humanização do parto e com o oferecimento de um serviço de acompanhamento pré-natal. Por outro lado, a realidade precária da saúde não ofusca a magnitude da decisão do STF. É incontestável sua representatividade jurídica e social. Se improcedente a ADPF, perderiam as mulheres, os profissionais de saúde e a sociedade, inclusive os defensores da continuidade da gestação.

No país, segundo informações do Ministério da Saúde, há 65 hospitais já credenciados para a realização do aborto legal, ou seja, as mesmas equipes poderão realizar a interrupção da gravidez em caso de aborto anencéfalos. Da mesma forma, as mulheres que possuem planos de saúde também terão cobertura, como já ocorre nos abortos autorizados por lei, os quais se encontram no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Para que se possa garantir a dignidade da mulher, sua privacidade, sua saúde física e, em especial, seu direito à reprodução será fundamental a criação de equipes multidisciplinares nos centros de saúde com o propósito de se acompanhar as mulheres e famílias envolvidas em um diagnóstico de feto anencéfalo e expostos à situação inesperada de se realizar a antecipação do parto. Nenhum dos ministros do STF deixou de imprimir em seu voto a gravidade do momento para a mulher: somente os familiares muito próximos e a equipe de saúde que acompanhar a gestante em sua decisão serão as testemunhas do sofrimento – que se passe por esse momento, então, com respeito e a dignidade merecidos e reconhecidos em nosso Direito.

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* Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, membro efetivo da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico Hospitalar da OAB/SP e Presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde






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