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Antitruste e MeA: novos critérios de incidência da lei antitruste e riscos no Brasil

É importante que os profissionais de Direito antitruste sejam envolvidos no início das negociações e troca de informações em M&As, para se evitar a incidência do gun jumping e penas acessórias.

13/4/2012

I. Novos critérios de incidência da lei antitruste

De acordo com a lei antitruste, o conceito geral de ato de concentração empresarial é bastante amplo. O Artigo 54 da lei 8.884/94, que rege os casos de concentração empresarial, refere-se a "qualquer forma de concentração de mercado", incluindo em seu escopo acordos entre cooperativas, contratos, arranjos informais e outros arranjos. A nova lei antitruste brasileira (NLAB, lei 12.529/11) segue na mesma linha, arrolando alguns exemplos de operações que configurariam concentrações empresariais.

Uma primeira inovação da NLAB foi definir a primeira isenção antitruste para controle de estruturas (art. 90, parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta lei, os descritos no inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta ou indireta e aos contratos delas decorrentes). Assim, as associações ou consórcios para fins de licitação não mais serão objeto de controle de estruturas no Brasil, embora permaneçam sujeitas ao controle de condutas (como prática de cartéis, abuso de posição dominante etc.).

No sistema da lei 8.884/94 há um duplo critério de incidência aplicável tanto a atos de concentração horizontal (entre concorrentes), quanto verticais (entre fornecedor e cliente). Tal critério, se satisfeito, suscita a submissão obrigatória exigindo que as partes apresentem a operação ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). Os critérios são: receita bruta dos grupos econômicos envolvidos na operação e participação de mercado, mais especificamente quando uma das partes envolvidas tiver registrado uma receita bruta equivalente ou superior a R$ 400 milhões no ano anterior à realização da operação; e/ou a participação de mercado resultante derivada da operação exceder 20% em algum dos mercados relevantes.

No sistema da NLAB, a participação de mercado não é mais usada como critério de incidência da lei, restando apenas o critério do faturamento bruto: quando um dos grupos envolvidos na operação tiver registrado, no último balanço, faturamento bruto ou volume de negócios total no País, equivalente ou superior a R$ 400 milhões; e o outro grupo envolvido tiver registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País equivalente ou superior a R$ 30 milhões.

II. Novo risco antitruste para as operações de M&A

Apesar do extenso debate sobre a NLAB, pouco se tem discutido sobre o gun jumping, tido pelas autoridades encarregadas da regulamentação da NLAB como "algo que não suscitará preocupações". Na verdade, é um tema de primeira ordem para os agentes privados que almejam operações empresariais (fusões, incorporações etc.) a partir de 30 de maio de 2012.

No sistema atual, de notificação a posteriori (em 15 dias úteis do signing), quem realiza uma operação empresarial de notificação obrigatória, preocupa-se, basicamente, com dois grandes riscos: (i) de mérito, isto é, com uma decisão negativa do CADE face uma excessiva concentração (de imposição de severas restrições – caso Sadia/Perdigão - 2011, ou de veto da operação – caso Saint- Gobain/Owens Corning - 2008); e (ii) de intempestividade da notificação (multas de R$ 120 mil a R$ 12 milhões), tendo em vista que devem ser notificadas em até 15 dias úteis da data de sua realização (segundo a jurisprudência do CADE, a realização se dá na assinatura do primeiro documento vinculativo entre as partes). De 1998 a 2002, período de formação da jurisprudência sobre primeiro documento vinculativo, a intempestividade motivara a grande maioria das multas aplicadas pelo CADE.

No mérito, as partes aceleravam os atos de consumação da operação (como incorporação de ações, unificação de administrações, demissão de funcionários etc.) puramente em resposta aos incentivos econômicos para o negócio (recebimento do preço v. entrega da coisa transacionada). Logo, criava-se usualmente uma situação irreversível (fato consumado) tornando menos eficaz uma decisão futura de restrições ou de veto por parte do CADE.

Visando ajustar os incentivos das partes de uma operação empresarial de modo a evitar o fato consumado, em meados de 2002 o CADE criou os institutos da Medida Cautelar e do Acordo de Preservação da Reversibilidade da Operação (APRO), por meio dos quais, em operações com elevados riscos para a concorrência, os negócios eram paralisados de forma cautelar, impedindo-se a realização de atos de consumação antes que a operação fosse julgada. Mesmo assim, o problema do fato consumado não fora completamente resolvido, principalmente em razão: (i) da flexibilização dos APROs e Medidas Cautelares por parte do CADE, ao longo da instrução do caso; (ii) da dificuldade de monitoramento do cumprimento das obrigações fixadas; e, assim, (iii) do constante descumprimento de tais medidas por parte dos agentes econômicos.

Com o objetivo de incorporar o modelo internacional (EUA e UE), a NLAB implementou a análise prévia, ou sistema de controle a priori de operações empresariais, em que as operações não podem ser consumadas (não pode haver o closing) antes da decisão final do CADE (Art. 88, da NLAB – algo semelhante à conhecida anuência prévia nos setores regulados, como telecomunicações e transportes). Assim, além do risco relativo ao mérito do negócio (aprovação parcial ou veto), os agentes econômicos têm que enfrentar o que internacionalmente é conhecido como gun jumping.

Jumping the gun (ou gun jumping) é a prática de atos de consumação da operação antes do julgamento pela autoridade antitruste. A experiência internacional, que provavelmente servirá de base para a formação da jurisprudência do CADE, arrola algumas hipóteses que ensejariam gun jumping: alocação de clientes; paralisação de marketing competitivo entre as partes; unificação de gestão; compartilhamento de informações sobre preços, capacidade de produção e estratégias comerciais (casos Gemstar/TV Guide, 2003, e Qualcomm/Flarion, 2006, ambos dos EUA); ações que alterem os incentivos entre os players, como comercialização de produtos da empresa adquirida (caso Bertelsmann/Kirch/Premier, 1998, UE); unificação do exercício de poder dentro das companhias, como deixar de realizar negócios e oferecer descontos em função da eventual operação (caso Computer Associates / Platinum Technology, 1999, EUA); compartilhar informações confidenciais (lista de clientes, preços, estratégias etc.) por razões diversas das perguntas de due diligence (caso Gemstar/TV Guide, 2003, EUA).

Além da multa elevada pela prática de gun jumping (de R$ 60 mil a R$ 60 milhões), as partes poderão ter seu negócio declarado nulo e sofrer investigação por prática de cartel, dada a natureza dos atos de consumação (em operações de concentração horizontal - realizadas entre concorrentes - o compartilhamento de informações como lista de clientes e preços podem alterar os incentivos das partes para concorrer). Portanto, uma boa medida para evitar esse risco decorreria da seguinte questão: "o que você falaria ao seu concorrente, se não houvesse qualquer operação em andamento?"

Como as autoridades já sinalizaram que deixarão a cargo da jurisprudência a identificação dos limites do gun jumping, o primeiro período de vigência e aplicação da NLAB será possivelmente penoso para os particulares – tal como a história do primeiro documento vinculativo (entre 1998 e 2002). Assim, a fim de se evitar exposição a esse risco, é importante, sempre que possível, que os profissionais de direito antitruste sejam envolvidos no início das negociações e troca de informações em M&As, para se evitar a incidência do gun jumping e penas acessórias, dado que a ideia de atos de consumação provavelmente decorrerá da experiência/jurisprudência do CADE desenvolvida nos últimos 17 anos de aplicação efetiva da lei antitruste no Brasil.

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* Eduardo Molan Gaban é o sócio responsável pela área Antitruste/Concorrencial do escritório Machado Associados Advogados e Consultores

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