Migalhas de Peso

Os turnos ininterruptos de revezamento e a jornada de trabalho

1. - Desde meados de 2003, quando o Tribunal Superior do Trabalho proferiu decisão, não unânime, acerca da jornada de trabalho nos turnos ininterruptos de revezamento, mediante interpretação bastante restritiva do art.7º, XIV, da CRFB/88, temos tido vontade de comentar a questão. A oportunidade surgiu agora com consulta específica de um cliente.

24/8/2005


Os turnos ininterruptos de revezamento e a jornada de trabalho


Juliana Bracks Duarte*


Leonardo Kaufman*


1. - Desde meados de 2003, quando o Tribunal Superior do Trabalho proferiu decisão, não unânime, acerca da jornada de trabalho nos turnos ininterruptos de revezamento, mediante interpretação bastante restritiva do art.7º, XIV, da CRFB/88, temos tido vontade de comentar a questão. A oportunidade surgiu agora com consulta específica de um cliente.


2. - Em primeiro lugar, é importante definir o que se entende por “turnos ininterruptos de revezamento”. Há quem acredite ser imprescindível que o empregado atue nos 3 diferentes horários (manhã, tarde e noite), pois só assim estaria configurado o rodízio típico, que altera a rotina e o relógio biológico do trabalhador. Vejamos algumas decisões ilustrativas:

“Turno ininterrupto. Caracterização. Não trabalha em turnos ininterruptos a pessoa que presta serviços das 6 às 14 horas e das 14 às 22 horas, pois justamente não trabalha no último horário, de forma a caracterizar a ininterruptividade.” (TRT 2ª Região – Processo nº 20000322053 – Acórdão nº 20000547578 – 3ª Turma - Julgado em 17.10.2000 - Juiz Relator Sérgio Pinto Martins – DJ in 31.10.2000)

“Horas extras - Turnos ininterruptos de revezamento – Configuração – Para que se configure o turno ininterrupto de revezamento, mister que o trabalhador labore, dentro do mesmo mês, de manhã, de tarde e de noite: em três jornadas diferentes, portanto.” (TRT da 3ª Região - RO nº 13554/99 – Juiz relator Rodrigo Ribeiro Bueno – DJMG in 4.3.2000)

“HORAS EXTRAS. TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. HORÁRIO FIXO. Como bem pondera Maurício Godinho Delgado, referindo-se ao turno ininterrupto de revezamento, "A situação enfocada pela Constituição configura-se caso o trabalhador labore ora essencialmente pela manhã, ora essencialmente pela tarde, ora essencialmente pela noite - por ser flagrante a agressão que semelhante sistemática de organização laboral impõe ao organismo do trabalhador. É a essa sistemática de trabalho que a Constituição pretendeu atingir, reduzindo o desgaste do trabalhador, ao proporcionar-lhe jornada mais estreita de trabalho." Confessando o obreiro que durante todo contrato de trabalho teria laborado por quatro anos no terceiro turno e até o seu desligamento no primeiro, resta caracterizado que esse turno foi de forma fixa, devendo ser a sua jornada aquela prevista no art. 7º, inciso XIII, da Carta Magna (oito horas diárias ou quarenta e quatro semanais), não a reduzida, privilegiada para os turnos inegavelmente ininterruptos. Recurso a que se dá provimento para excluir da condenação as horas extras e reflexos acima da sexta diária.” (TRT da 18ª Região – RO nº 01692-2003-001-18-00-2 - Juíza Relatora Ialba Luza Guimarães De Mello - Publicação: DJE nº 14.445 do dia 1º.2.2005, pág. 44.)


“Turno ininterrupto de revezamento. Caracterização. Não se pode falar em turno ininterrupto de revezamento quando este é semanal e diurno. O que a lei procura proteger é a saúde física do trabalhador, que não é afetada por tal horário laboral, já que a agressão ao seu relógio biológico ocorre com a alteração de jornadas, em que se inclui o trabalho noturno(...)” (TRT da 17ª Região – Acórdão nº 1788/2000 – RO nº 861/99 – Juíza Relatora Maria Francisca dos Santos Laceda)

3. - Há, entretanto, opinião diversa, no sentido de que, para se configurar o turno ininterrupto de revezamento, é a empresa que deve trabalhar 24 horas, sem parar, independentemente de o empregado atuar ou não nos 3 turnos. Se o empregador tem atividade constante, então já bastaria para caracterizar o esquema de turno ininterrupto:

“TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO. A caracterização da existência de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento, segundo a previsão constitucional, exige que a atividade produtiva da empresa seja feita de forma contínua, com turnos abrangendo as 24 horas por dia, que haja distribuição dos horários de trabalho em turnos para cobrir todo o período de atividade da empresarial e que o trabalho desenvolvido do empregado seja feito em escala de revezamento semanal. Quando o empregado trabalha em escala de revezamento semanal, como na hipótese, com prestação de serviço em uma semana no horário diurno e em outra semana no horário noturno, fica caracterizado o regime de trabalho de revezamento, não importando se labora em dois ou três turnos, pois, em qualquer destes casos, há variação permanente de horário de trabalho e alteração do ciclo biológico do trabalhador. Recurso parcialmente provido.” (TRT da 19ª Região - RO nº 00881-2004-056-19-00-1 - Tribunal Pleno – Juiz Relator José Abílio - Decisão em 23.11.2004– DJ in 29.11.2004)


“TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO - LABOR EM DOIS TURNOS - NÃO DESCARACTERIZAÇÃO - O fato de se ativar o empregado em apenas dois turnos de revezamento não afasta a incidência do disposto no art.7º, XIV, da Carta Magna, sendo devidas como extraordinárias as horas laboradas após a 6ª diária.” (TRT 2ª Região – Processo nº 02970458009 – Acórdão nº 02980503392 – 7ª Turma - Julgado em 21.9.1998 - Juíza Relatora Gualdo Fórmica – DJ in 16.10.1998)

4. - Filiamo-nos à idéia de que é o trabalho em turnos diversos, com alternância de horário e prejuízo à rotina biológica e familiar, que configura, para o trabalhador, a caracterização do turno ininterrupto de revezamento. Se só a empresa atua 24 horas, mas o empregado labora em horário fixo, sem rodízio, não vislumbramos essa configuração.


5. - Pois bem, estando o empregado sujeito ao efetivo esquema de turno ininterrupto de revezamento, passamos a analisar a questão da jornada de trabalho praticada nesse sistema.


6. - O artigo 7º, XIV, da Constituição Federal trata do tema e autoriza a alteração da carga de 6 horas diárias, desde que por meio de negociação coletiva:

Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva.”

7. - Pela leitura isolada do dispositivo constitucional, tem-se a idéia de que as empresas não precisam pagar pelas horas excedentes à sexta trabalhada, se houver instrumento coletivo prevendo a alteração da jornada. Aliás, esse sempre foi o entendimento clássico e natural, como se observa em algumas ementas transcritas abaixo:

“A prorrogação da jornada somente será permitida se prevista em acordo coletivo (...) poderá a empresa que adota turno ininterrupto de revezamento acordar jornada normal de trabalho superior a 6 horas diárias, sem que sejam essas horas excedentes remuneradas com qualquer acréscimo.” (Vianna, Cláudia SallesVilela – Manuel Pratico das Relações Trabalhistas – 6ª Ed. – São Paulo – LTR, 2004 – página 589/590)

“ Turnos de Revezamento – Acordo coletivo – Validade do texto constitucional – É expresso em excepcionar a jornada especial de 6 (seis) horas para os turnos ininterruptos de revezamento, mediante negociações coletivas – Inciso XIV, parte final, do artigo 7º. Em havendo o ajuste coletivo, fruto da negociação coletiva, e não restando questionada a sua violação, não prospera o deferimento das horas extras, com base na jornada de 6 horas.” (TRT da 15ª Região – Acórdão nº 045306/2001 – ROS nº 012580/2000 – Decisão em 22.10.2001 – Primeira Turma – Juiz Relator Luiz Antônio Lazarim - DOE in 22.10.2001)


“Recurso provido parcialmente para excluir da condenação imposta à reclamada as horas extras do período de 1.10.1996 a 07.07.1997, haja vista que no referido período existia acordo coletivo que autorizava a jornada de 8 horas para os trabalhadores que laboravam em turnos ininterruptos de revezamento” (TRT da 17ª Região – Acórdão nº 1449/2000 – RO nº 5336/1998 – Decisão em 15.07.2000 –– Juiz Relator Miguel Brotto Dórea)

8. - Todavia, outros Tribunais Regionais entendem a questão de forma diferente, prestigiando não a negociação coletiva em si, mas, ao contrário, a saúde do trabalhador e o convívio familiar, que ficariam sobremaneira afetados com o trabalho em turnos alternados. Sob essa ótica, não se poderia admitir que as horas excedentes à sexta fossem remuneradas de modo normal, sem a incidência do adicional extraordinário:

“Turnos de Revezamento – Negociação Coletiva – Limite. A despeito de acordo coletivo que declare o turno de revezamento, ao empregado que labora revezando-se em horários ininterruptos freqüentemente alterados são devidas como extras as horas laboradas após a sexta diária, pois a negociação coletiva tem limites, não podendo prever disposições que possam vir a causar prejuízos à saúde do trabalhador. (TRT da 24ª Região – RO nº 948-2003-002-24-08 – Decisão em 31.3.2004 – Tribunal Pleno – Juiz Relator Tomás Bawden de Castro Silva – DJ in 21.5.2004)


“Turnos Ininterruptos de Revezamento – Jornada de Oito horas – Negociação Coletiva – Horas Extraordinárias – A constituição federal autoriza que sindicatos e empresas celebrem norma coletiva prevendo jornada de até oito horas para trabalhadores sujeitos a turnos ininterruptos de revezamento, devendo, entretanto, a sétima e a oitava horas ser consideradas horas extraordinárias e como tal remuneradas”. (TRT da 8 Região – RO nº 5363/1999 - Decisão em 9.2.2001 – Terceira Turma )

9. - Já outras decisões demonstram que as empresas podem, sim, por meio de um instrumento coletivo, majorar a jornada de 6 horas, mas desde que observem o limite semanal de 36 horas:

“TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. PREVISÃO EM INSTRUMENTO COLETIVO. Descabidos os argumentos da reclamada objetivando viabilizar o labor em sobrejornada por meio do acordo pactuado, porquanto a norma constitucional, ao se referir à negociação coletiva (aceitável o acordo), como forma de flexibilizar os turnos ininterruptos de revezamento, não autorizou, qualquer renúncia do benefício com o pagamento de horas extras para remunerar a jornada elastecida. A negociação fica limitada, a meu ver, à observância, sempre, da jornada semanal em 36 horas, sob pena de esvaziar a tutela constitucional". (TRT da 9ª Região- RO nº 11852/2000- Acórdão nº 04123/2001-2000, Juíza Relatora Rosemarie Diedrichs Pimpao – DJPR in 09-02-2001

10. - Esse posicionamento anterior foi exatamente o adotado pelos Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, em julgamento ocorrido em setembro de 2003:

EMBARGOS. TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO. VALIDADE. JORNADA SUPERIOR A 6 HORAS FIXADA EM ACORDO COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. EXTRAPOLAÇÃO DA JORNADA DE 36 HORAS SEMANAIS. PREJUDICIALIDADE. SAÚDE. EMPREGADO.

O artigo 7º, inciso XIV, da Lei Maior, ao contemplar a jornada de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento de 6 horas diárias, permitiu sua ampliação por meio de negociação coletiva.
Essa possibilidade de alteração de jornada, contudo, não é ilimitada, pois deve ser observada a compensação ou concessão de vantagens ao empregado. Nunca, porém, a eliminação do direito à jornada reduzida, como se verifica na hipótese.

O Acordo Coletivo pode estabelecer turnos ininterruptos de revezamento com jornadas superiores a seis horas, como ocorreu, desde que se observe o limite de 36 horas semanais, pois o limite semanal representa para o empregado a garantia de higidez física, uma vez que a redução do labor em turno ininterrupto de revezamento decorre de condições mais penosas à saúde.

O Acordo Coletivo em exame, ao fixar duração do trabalho de 8 horas e 44 semanais, contrariou as disposições de proteção ao trabalho, porquanto descaracterizou a jornada reduzida vinculada ao turno ininterrupto de revezamento, que é assegurada constitucionalmente pelo limite semanal de 36 horas.

Recurso de Embargos não conhecido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de Revista nº TST-E-RR-435/2000-003-15-00.0, em que é Embargante PIRELLI CABOS S.A. e Embargado RONALDO APARECIDO ROQUE.

A 4ª Turma desta Corte, por intermédio do Acórdão de fls.180/184, afastou a aplicabilidade do rito sumaríssimo, porque a ação foi proposta antes da edição da Lei nº 9.957/2000, e não conheceu da Revista do Reclamado quanto ao tema turno ininterrupto de revezamento/negociação coletiva. Inconformado, o Reclamado interpõe Embargos à Seção Especializada em Dissídios Individuais (fls.186/195), com fundamento no artigo 894 da CLT. A impugnação não foi apresentada. Os autos não foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho. É o relatório. V O T O - CONHECIMENTO Satisfeitos os pressupostos comuns de admissibilidade, examino os específicos dos Embargos.

1.1 TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO. VALIDADE. JORNADA SUPERIOR A 6 HORAS FIXADA EM ACORDO COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. EXTRAPOLAÇÃO DA JORNADA DE 36 HORAS SEMANAIS. PREJUDICIALIDADE. SAÚDE. EMPREGADO.

A Turma não conheceu do Recurso de Revista do Reclamado por entender que o acordo coletivo da categoria, que fixava duração do trabalho de 8 horas diárias e 44 semanais, não podia prevalecer, porquanto não estabelecia melhorias salariais e sociais em contrapartida. Assentou à fl. 183: (...)

Quanto à Orientação Jurisprudencial nº 169 da SBDI-1/TST, por igual não a tenho como contrariado. O Eg. Regional de forma clara aponta a extrapolação da jornada de trinta e seis horas semanais ao consignar o cumprimento de quarenta e quatro horas. Assim, não afastou a validade da negociação coletiva, no sentido do aumento da jornada diária de seis horas, concluindo devidos os adicionais de horas extras sobre a jornada excedente àquela definida como compatível ao exercício do trabalho em turno ininterrupto de revezamento. Admitir-se que a jurisprudência iterativa, assim como o ordenamento maior tenha autorizado, pela via negociação coletiva, a adoção da jornada de oito horas diárias, sem remuneração, implicaria em descaracterização da jornada reduzida e do turno ininterrupto de revezamento, este fulcrado em trabalho mais penoso à saúde e à proteção do trabalhador.

O Reclamado sustenta que o não-conhecimento da Revista viola os artigos 896, alínea a, da CLT e 7º, incisos XIV e XXVI, da atual Carta Política, porque o acordo coletivo da categoria é válido e permitiu a ampliação da jornada de trabalho do empregado submetido ao turno ininterrupto de revezamento, independentemente do pagamento das 7ª e 8ª horas extraordinárias. Aponta contrariedade ao disposto no item nº 169 da Orientação Jurisprudencial da SDI-1, bem como indica arestos ao confronto de teses.

O Recurso não se viabiliza por divergência jurisprudencial, porque não foi conhecido, não havendo tese a ser contrastada.
Inservíveis os arestos de fls.192/194. A pretensão do Reclamado em obter a validade do Acordo Coletivo da categoria, que fixou duração do trabalho de 8 horas e 44 semanais ao trabalhadores sujeitos ao turno ininterrupto de revezamento, desafia o princípio de justiça social, notadamente no que concerne às regras de proteção à saúde física e mental do empregado, porque o intuito do legislador constituinte, no artigo 7º, inciso XIV, ao instituir jornada reduzida, foi o de proteger os trabalhadores das indesejáveis e prejudiciais conseqüências do labor em turnos ininterruptos de revezamento.

O artigo 7º, inciso XIV, da Lei Maior, ao contemplar a jornada de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento de 6 horas, permitiu sua ampliação por meio de negociação coletiva. Essa possibilidade de alteração de jornada, contudo, não é ilimitada, pois deve ser observada a compensação ou concessão de vantagens ao empregado. Nunca, porém, a eliminação pura e simples do direito à duração reduzida do trabalho, como se verifica na hipótese. O Acordo Coletivo pode estabelecer turnos ininterruptos de revezamento com jornadas superiores a seis horas, como ocorreu, desde que se observe o limite constitucional de 36 horas semanais, pois o limite semanal representa para o empregado a garantia de higidez física e mental, uma vez que a redução do labor em turno ininterrupto de revezamento decorre de condições mais penosas à saúde.

Nesse contexto, o Acordo Coletivo pactuado, ao fixar duração do trabalho de 8 horas diárias e 44 semanais, contrariou as disposições de proteção ao trabalho, na medida em que descaracterizou a jornada reduzida vinculada ao turno ininterrupto de revezamento, que é assegurada constitucionalmente pelo limite semanal de 36 horas. Não se constata, ademais, contrariedade ao disposto no item nº 169 da Orientação Jurisprudencial da SDI-1, porquanto não se afastou a validade da negociação coletiva, quanto ao aumento da jornada de seis horas. Somente é inválida a duração do trabalho normal superior a trinta e seis horas semanais constatada pelo Regional, uma vez que lesiva à saúde do trabalhador que labora em turnos ininterruptos de revezamento. Incólume o artigo 7º, incisos XIV e XXVI, da Constituição vigente. Não conheço. ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, não conhecer dos Embargos, vencidos os Exmos. Ministros Vantuil Abdala, Rider Nogueira de Brito e João Batista Brito Pereira. Brasília, 22 de setembro de 2003. CARLOS ALBERTO REIS DE PAULA Relator

(Tribunal Superior do Trabalho - E-RR - 435/2000-003-15-00 - Ministro Relator Carlos Alberto Reis de Paula - DJ in 25/06/2004)

11. - No julgamento que gerou o acórdão acima, houve divergência por parte dos Ministros Vantuil Abdala, Rider Nogueira de Brito e João Batista Brito Pereira, com base na alegação de que a regra disposta no artigo 7º, inciso XIV, traz uma hipótese clara de exceção, que prevê a negociação. Uma preocupação dos referidos magistrados vencidos foi a de não se poder presumir que a negociação é sempre falha e maléfica ao trabalhador. Seria preciso provar que os empregados perderam direitos, que foram forçados a aceitar o acordo coletivo, sem qualquer barganha, sem o recebimento de vantagens outras, até mesmo, quem sabe, a preservação dos postos de trabalho. Só com a análise das circunstâncias fáticas da própria negociação é que se poderia invalidar a cláusula do instrumento coletivo e determinar o pagamento das horas extras. Foi esse, em síntese, o posicionamento dos votos vencidos, com o qual concordamos.

 

12. - Não obstante, é certo que aquele acórdão do C. TST já serviu como precedente em outro caso julgado perante aquele Tribunal, além de recentíssima decisão do E. TRT Gaúcho, publicada em 29/07/2005, conforme se verifica abaixo, respectivamente:

“RECURSO DE REVISTA. TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. FIXAÇÃO DE JORNADA SUPERIOR A SEIS HORAS MEDIANTE NEGOCIAÇÃO COLETIVA. NÃO OBSERVÂNCIA AO LIMITE SEMANAL DE 36 HORAS. NEGÓCIO JURÍDICO DESPROVIDO DE VALIDADE. A igualdade, a confiança e o respeito pela dignidade e integridade física e moral do trabalhador são resguardadas, quando os preceitos constitucionais e os princípios que os norteiam são postos em prática. Neste sentido, já se firmou esta Corte, suplantando o aresto trazido pela Reclamada em seu recurso de revista. A Seção de Dissídios Individuais 1, no Processo TST-ERR-435/2000-003-15.00.0, tendo como relator o Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, decidiu que o acordo coletivo de trabalho, ao fixar turnos ininterruptos de revezamento, deve atender o limite de 36 horas semanais. Destacou aquela Corte que não se afasta a possibilidade e validade de negociação coletiva sobre os turnos aludidos, todavia, era indispensável observar o limite constitucional de 36 horas semanais. Tendo o Regional condenado a Reclamada ao pagamento das horas extras excedentes da 6ª diária, com o adicional de 50% porque o Reclamante trabalhava 8 horas por dia e 42 semanais, aplicou à espécie os arts. 7º, XIV e XXVI, da Constituição Federal, bem como a Orientação Jurisprudencial nº 169 da SDI 1 do TST. Recurso conhecido e não provido.” (Tribunal Superior do Trabalho - Recurso de Revista nº 691327/2000 – 1ª Turma – DJ in 14.11.2003)


“Recurso ordinário da reclamada. Recurso adesivo do autor. Matéria comum. Horas extras e reflexos. a) Turnos ininterruptos de revezamento. A expressão salvo negociação coletiva constante do artigo 7º, inciso XIV, da Carta Magna não tem o condão de permitir o elastecimento da jornada semanal de 36 horas semanais, autorizando, apenas, a adoção de regime de compensação horário, desde que observada tal limitação temporal. Hipótese em que inobservada a finalidade última de tal dispositivo constitucional, qual seja, proteger os trabalhadores sujeitos a trabalho mais penoso, decorrente das sucessivas alterações horárias a que expostos. Apelo do autor que se acolhe para determinar sejam consideradas extras as horas laboradas a contar da 6ª diária.(...) (TRT da 4ª Região – Processo nº 10354-2004-561-04-00-3 (RO) – Juiz Relator João Pedro Silvestrin - Data de Publicação: 29/07/2005)

13. - Vemos que o Tribunal Superior do Trabalho (seguido recentemente pelo da 4a Região) vem fazendo uma interpretação restritiva do dispositivo constitucional, para entender que a Constituição Federal permitiu a ampliação da jornada de 6 horas no turno ininterrupto, por meio de negociação coletiva, mas desde que seja observada a carga semanal de 36 horas, em respeito à saúde física e mental do trabalhador que opera em turno de revezamento. Essa ressalva de limitação semanal não consta expressamente do artigo, mas tem sido a tônica das decisões do Tribunal Superior.

14. - E vale lembrar ainda a redação da Orientação Jurisprudencial nº 169, mantida pelo C. TST, que repete o artigo da Constituição, também sem qualquer menção à limitação de carga semanal:

“quando há na empresa o sistema de turno ininterrupto de revezamento, é valida a fixação de jornada superior a seis horas mediante a negociação coletiva”.

15. - Segundo o Tribunal Superior do Trabalho, não haveria qualquer conflito entre a OJ e as recentes decisões proferidas pela Corte, o que é até uma manifestação de coerência, pois, de fato, a OJ apenas repete o artigo constitucional, que vem sendo interpretado com base na existência de uma ressalva semanal de 36 horas. Concordando ou não com a posição, é certo que o que vale para o artigo 7º, XIV, tem que valer para a OJ, pois os textos são praticamente idênticos.


16. - Em que pese o entendimento do TST, como não há obrigação legal de obediência hierárquica, muitos Regionais continuam decidindo de forma contrária e prestigiando a negociação coletiva realizada. Como exemplo, citamos recente acórdão do Tribunal Regional da 2ª Região (São Paulo), cujo relator foi o professor e magistrado Sérgio Pinto Martins:


“Turnos ininterruptos. Negociação Coletiva. O inciso XIV do artigo 7º da Lei Maior exige apenas negociação coletiva para aumentar a jornada nos turnos ininterruptos. Não se fala em compensação para o aumento de jornada, apenas a participação do sindicato da categoria” (TRT da 2ª Região – Acórdão nº 2005027694 – Processo nº 00104-2003-491-02-00 – Decisão em 05.05.2005 – Segunda Turma – Juiz Relator Sérgio Pinto Martins – DOE/SP, in 24.5.2005)

17. - Diante da polêmica jurisprudencial, as empresas devem estar cientes dos riscos da adoção de um turno ininterrupto cuja jornada semanal seja superior a 36 horas, pois o C. TST vem privilegiando a saúde do trabalhador e o desgaste físico e emocional que o rodízio traz, com a condenação em horas extras de todas aquelas que ultrapassarem esse teto.


18. - Não concordamos com essa interpretação, pois o artigo constitucional não traz essa limitação semanal, sendo que, a nosso ver, o entendimento do TST acaba desvalorizando a negociação coletiva e até pondo em risco a segurança jurídica das relações, pois, no passado, a celebração de um instrumento coletivo para aumento da jornada nos turnos era corrente e pacífico. Um advogado que outrora assessorou a empresa na negociação, com base em norma constitucional, não sabe como explicar ao cliente a condenação em pagamento de horas extras inimagináveis tempos atrás. Essa incerteza que assola o país, seja na ciranda financeira, na política, no judiciário, traz prejuízos morais sérios.


19. - Se se quer demonstrar preocupação, mais que louvável, com a saúde do trabalhador, que se promova a alteração no texto constitucional, ou até na redação da OJ 169, o que seria mais rápido por ora (apesar de possível inconstitucionalidade material), mas que essa mudança “legislativa” não afete situações pretéritas, passando a valer somente para o futuro, propiciando a adequação das empresas à nova realidade. Muito embora a imposição de nova ordem constitucional produza efeitos de imediato, que se preveja a vigência a partir de determinada data.


20. - No máximo, na pior das hipóteses, que se anulem, hoje, apenas os instrumentos coletivos comprovadamente negociados de forma falha, com coação, sem a concessão de qualquer vantagem ao trabalhador que teve a jornada no turno aumentada. Sem essa prova do vício, o que não pode ser presumido em hipótese alguma, pois a boa-fé, sim, se presume e não o contrário – apesar de o cenário político motivar pensamento diferente –, há que serem respeitados os pactos coletivos, celebrados com intermediação de sindicatos organizados e legitimados a tanto.


21. - Recomendamos às empresas que querem continuar acreditando na negociação verdadeira e na adoção de turnos superiores a 36 horas semanais, a cautela de incluir no corpo do instrumento coletivo os motivos da transação, os bastidores econômicos-políticos, as vantagens “x”, “y” e “z” recebidas pelos trabalhadores etc. Pelo menos será uma tentativa de prova, com base nos argumentos vencidos dos Ministros Vantuil Abdala, Rider Nogueira de Brito e João Batista Brito Pereira, de que não houve coação, mas, ao revés, uma barganha favorável aos empregados.


22. - Por fim, lembramos, ainda, a necessidade de concessão de intervalo de 1 hora para almoço e descanso, nos termos do art.71 da CLT. O fato de ser um turno ininterrupto não quer dizer que o intervalo é suprimido, mas sim que a atividade empresarial é constante. Não é a jornada que é ininterrupta, como defendiam alguns, mas o esquema de alternância de equipes de trabalho é que não pára. Aliás, na própria jornada reduzida de 6 horas, há o intervalo de 15 minutos, consoante art.71, §1º, da CLT. Ou seja, mesmo trabalhando 6 horas no turno ininterrupto, a jornada já seria interrompida ao menos 15 minutos, o que, por óbvio, não descaracterizaria o sistema. O TST tem a Súmula 360 a respeito, que aliás incorporou a antiga OJ 78:

Súmula nº 360 - Turnos ininterruptos de revezamento. Intervalos intrajornada e semanal. A interrupção do trabalho destinada a repouso e alimentação, dentro de cada turno, ou o intervalo para repouso semanal, não descaracteriza o turno de revezamento com jornada de 6 (seis) horas previsto no art. 7º, XIV, da CF/1988. (Res. 79/1997, DJ 13.01.1998)

23. - Concluímos, portanto, respeitando demais a preocupação com a saúde mental e física do trabalhador que é sobrecarregado com o trabalho em horários alternados, em benefício da empresa e da própria sociedade, a qual usufrui os serviços 24 horas, sem se dar conta do homem que esteve batalhando por trás daquele conforto. Todavia, enquanto não houver regra constitucional que abarque essa proteção, somos pela segurança jurídica das relações e pelo respeito àqueles que acreditaram estar cumprindo a lei em um país já tão carente dessa conduta.
_______________________

*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados


* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.


© 2004

. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS

 

 

 

 

 

 

 

 

____________________





Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Tema 1348 do STF: Imunidade do ITBI nas holdings e seus impactos

4/11/2024

É constitucional a proposta de “só preto pode falar”?

5/11/2024

Direito ao distrato em casos de atraso na obra: O que diz a lei

4/11/2024

Seria o vínculo trabalhista a única forma de proteção social?

4/11/2024

Os contratos de distribuição e seus aspectos jurídicos em mercados regulados: O setor farmacêutico

4/11/2024