A proteção do consumidor político
Fernando Gustavo Knoerr*
Muito antes de se mostrar fiel às diretrizes partidárias, o político e seu partido devem se mostrar fiéis também às promessas que eles mesmos sustentaram, como modo de granjear a simpatia do eleitorado e de obter, como conseqüência, êxito eleitoral.
A própria propaganda eleitoral somente é possível após a escolha em convenção (art. 240 do CE), o que leva a afirmar que (i) a disputa eleitoral realmente se inicia apenas após as convenções partidárias; (ii) a propaganda deverá obrigatoriamente vincular o partido político. Esta última conclusão se reforça pela previsão de que “toda propaganda eleitoral será realizada sob a responsabilidade dos Partidos e por eles paga, imputando-se-lhes solidariedade nos excessos praticados pelos seus candidatos e adeptos” (art. 241 do CE) e ainda pela obrigação de que a propaganda “mencionará sempre a legenda partidária” (art. 242, primeira parte, do CE).
A propaganda eleitoral, a par de ser meio de formação e cooptação da vontade dos eleitores, recheia-se de promessas, de planos de governo, que devem ser entendidos como obrigações auto-impostas pelo candidato e pelo partido.
Postas estas promessas como preliminares da relação jurídico-política que será ulteriormente definida pela entrega do mandato, incide o dever de lealdade do eleito em favor do eleitor, na medida em que àquele não será dado transgredir as limitações que se impusera, sob pena de restar caracterizado um abuso no exercício das prerrogativas conferidas pelo mandato político.
No mercado político, quanto mais claras e empolgantes forem as promessas de campanha, mais eficazes se mostrarão no cumprimento do papel de motivar, de impelir o eleitorado no proferimento do voto. Não obstante, uma vez entregue o mandato, constituir-se-ão em supedâneo para um policiamento mais próximo e efetivo do cumprimento de um mandato que exigirá especial empenho de seu titular.
O cumprimento do mandato não se encontrará disciplinado apenas pela regra legislada, mas também, e de forma ainda mais específica, pelas limitações auto-impostas pelo candidato eleito. A propaganda eleitoral integra o regramento do mandato.
Resta claro que o descumprimento doloso das promessas postas como motivação da propaganda eleitoral caracterizam má-fé no cumprimento do mandato, vindo contra um fato próprio (venire contra factum proprium).
Embora em outra seara, a experiência jurídica brasileira já consagrou a previsão da má-fé caracterizada na forma de um venire contra factum proprium quando previu no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078, e 11.09.90) que a oferta integra o contrato.
Se a mesma regra de transparência da relação de consumo fosse aplicada à relação política estabelecida no mandato, o descumprimento das promessas de campanha eleitoral seriam a causa eficaz, e, é fácil supor, a mais freqüente, para a revogação do mandato.
A história tem mostrado - e o que hoje se vê a reforça - que a mesma proteção do consumidor privado merece saudável extensão ao consumidor político.
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*Mestre e Doutor em Direito do Estado e Membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional.
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