Por um lado, pode ser considerada relevante e meritória a ideia que estaria na origem da proposta de nova codificação do direito comercial brasileiro: revalorizar os princípios e valores caros à atividade comercial e à classe empresarial. Mas, por outro lado, também se deve reconhecer que os princípios e os valores a orientar o direito empresarial concorrem, hoje, com princípios oriundos de outros ramos do direito, plenamente estabelecidos por terem se mostrado igualmente louváveis e dignos de consideração.
Nesse sentido, é necessário que se busque um equilíbrio entre os diversos princípios. E, se eventualmente se mostrarem inconciliáveis, a preocupação passa a ser a de discutir qual princípio deve prevalecer sobre os demais tendo em vista os valores relacionados e as consequências econômicas e sociais da adoção de determinada posição. E tudo isso sem que, ao mesmo tempo, desse procedimento decorra um deletério desbalanceamento do sistema jurídico uno e coeso.
Ressaltamos que, embora caibam críticas à disciplina que está disposta, no atual Código Civil, para pontuais temas que entram na esfera do direito comercial – notadamente, como se aponta, no que respeita à parte que cuida da disciplina das sociedades limitadas –, devemos ter presente que qualquer documento legislativo de monta, como o atual código projetado ou outros códigos vindouros, jamais estará isento da identificação de imperfeições regulatórias e de protestos por parte dos seus destinatários.
Entendemos, enfim, salutar que a discussão se encaminhe de forma mais ampla, profunda e multidisciplinar.
Dadas essas premissas, despontam, por exemplo, as seguintes indagações:
Seria, de fato, um novo código comercial o instrumento mais adequado para alcançar os objetivos de revalorização dos princípios do direito empresarial e de aperfeiçoamento das pontuais disciplinas? Ou a estabilidade dos códigos – elemento importantíssimo para a firmeza das instituições jurídicas – deveria ser preservada, cabendo à doutrina e à jurisprudência o papel reparador e de aperfeiçoamento do sistema jurídico no que tange à matéria empresarial?
Finalmente, se se julgar que um novo código comercial é realmente necessário, seria especificamente aquele projeto de código comercial, já em formal tramitação legislativa, que deveria prevalecer em sua integridade?
Ademais, o andamento do atual processo de debate legislativo do projeto é o mais apropriado para colher as diversas contribuições que se poderia dar a um novo código comercial?
Com o genuíno objetivo de contribuir para os debates que vêm se acumulando, visando ainda à ampliação da margem de segurança jurídica, econômica e institucional, organizar-se-á na Direito GV um ciclo de mesas redondas para tratar dessas questões, segundo algumas delimitações temáticas que, desde já, julgamos mais prementes, quais sejam: princípios do direito comercial, definição de empresário, matérias societária (limitada e sociedade anônima) e de recuperação de empresas e a tutela do processo civil pelos dispositivos do código projetado.
Já se teve a oportunidade de receber Fábio Ulhoa Coelho na Direito GV, no primeiro semestre de 2011, para uma explanação dos propósitos de um novo código comercial.
Os eventos que agora se propõem terão características interdisciplinares, a interessar não só à classe jurídica, mas também aos empresários, administradores, economistas, contadores etc., com o objetivo de compreender qual a intenção da proposta de nova codificação; se o atual projeto em tramitação reflete referida intenção; e, enfim, quais os potenciais impactos e custos que a eventual nova regulamentação viria a ter para os agentes econômicos.
O primeiro debate será realizado em maio e abordará o tratamento dado às sociedades anônimas no projeto de código em tramitação e suas potencias consequências – positivas ou negativas –, tendo como norte discutir temas a partir de dissonâncias apresentadas pelo projeto em relação à vigente lei 6.404/76, a exemplo da tutela do voto múltiplo e das operações societárias, bem como da escolha de trazer ao projeto apenas alguns pontos da lei das sociedades por ações em detrimento de outros com vistas à sistematização propugnada pela "justificação" do projeto contida na página eletrônica do Ministério da Justiça.
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* Angela Donnagio e Ligia Paula Pires Pinto Sica são pesquisadoras, Danilo Borges Santos Araújo e Viviane Müller Prado são professores e Roberta Nioac Prado é coordenadora do Grupo de Empresas Familiares, todos membros da Direito GV
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