Recente mudança na legislação do município de São Paulo cria limitação ilegal para a adoção do regime especial de incidência do ISS aplicável às sociedades uniprofissionais, que é tradicionalmente calculado com base em um valor fixo por profissional habilitado.
A modificação consta do artigo 18 da recente lei 15.406/11, que alterou o artigo 15 da lei 13.476/02. A mudança também foi compilada no decreto 52.703/11 (artigo 186), e simplesmente exclui do regime tributário tradicional das sociedades uniprofissionais as sociedades que "terceirizem ou repassem a terceiros os serviços relacionados à atividade da sociedade". As sociedades uniprofissionais naquela condição passam a pagar o ISS à alíquota de 5% sobre seu faturamento total (contrariamente ao regime previsto originalmente no decreto-lei 406/68 e mantido pela lei complementar 116/03).
Como se sabe, as sociedades uniprofissionais de profissão regulamentada (como as sociedades de advogados, contadores, médicos, engenheiros, arquitetos etc.) pagam o ISS com base em um valor fixo (em São Paulo o ISS é calculado trimestralmente sobre o valor de R$ 800,00 por profissional habilitado vinculado à sociedade), e não seguem a regra geral de incidência à alíquota de 5% sobre o preço do serviço. Trata-se de regra que, em princípio, só poderia ser modificada por lei complementar, em razão da matéria, por força do artigo 146 da Constituição Federal, e está prevista no decreto-lei 406/68, artigo 9º, § 1º (vide também lei complementar 116/03, cujo artigo 10 manteve a vigência do decreto-lei 406/68, no particular).
O tema já foi objeto de reiteradas decisões de nossos Tribunais, sendo de se citar, apenas para exemplificar, a Súmula n. 663 do Supremo Tribunal Federal ("Os §§ 1º e 3º do art. 9º do Decreto-lei 406/1968 foram recebidos pela Constituição") e o julgamento do Recurso Extraordinário de n. 200.324-7/RJ por aquela mesma Corte (Relator o Ministro Marco Aurélio). Confira-se, ainda, o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça nos autos do Agravo de Instrumento n. 458.005-PR (Relator o Ministro Teori Zavascki).
Ora, o artigo 9º do decreto-lei 406/68, ainda em vigor, não estipula que é proibida a terceirização para a sociedade uniprofissional que se submeter ao regime de valor fixo para fins de pagamento de ISS. Não se pode admitir que cada município, a seu exclusivo critério, crie condições adicionais para a aplicação daquele regime tributário – além daquelas previstas no decreto-lei 406/68 – pois isso retira da norma complementar federal justamente o seu papel de norma geral delimitadora da competência impositiva.
É também difícil definir o que seja "terceirização" para os fins da nova regra do Município de São Paulo. Na advocacia, por exemplo, a terceirização pode incluir desde a contratação de advogados correspondentes para acompanhamento de processos fora da comarca onde normalmente atua a sociedade, passando até pela contratação de autônomos para determinados trabalhos para os quais a banca não possui especialização. A redação normativa também é bastante dúbia, porque "repassar" a terceiros serviços relacionados à atividade da sociedade, a rigor, poderia abarcar até mesmo a singela indicação de outros profissionais ou escritórios para o atendimento de determinados clientes cujos interesses, por quaisquer razões, não possam ser patrocinados pela sociedade no caso concreto.
Por outro lado, o artigo 17 da lei 15.406/11 acrescentou o artigo 10-A à lei 13.476/02 justamente para criar a Nota Fiscal eletrônica do tomador do serviço, que deverá ser emitida por qualquer um que contratar pessoa física ou jurídica para a prestação de serviços sujeitos ao ISS, mesmo que não haja obrigação de retenção do imposto na fonte. Isso permitirá ao fisco conhecer eletronicamente o evento da terceirização - e, com isso, viabilizará que qualquer terceirização de sociedade uniprofissional possa levar a uma exclusão fazendária automática do regime atual de recolhimento do ISS.
Ao que parece, trata-se de singela tentativa de aumento de arrecadação por parte do fisco paulistano, e a nova regra – que já está em vigor desde sua regulamentação pelo Decreto 52.703/11 (publicado em 6/10/2011) – de qualquer forma só poderia ser aplicada no exercício financeiro seguinte ao da publicação, observada ainda a chamada anterioridade nonagesimal (vigência apenas após o prazo de noventa dias da publicação), conforme artigo 150 da Constituição Federal.
Mais uma vez, caberá ao já assoberbado Poder Judiciário impor os limites constitucionais à sanha arrecadatória municipal.
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* Rogério Pires da Silva é sócio do escritório Boccuzzi Advogados Associados
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