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Cálculo do prazo decadencial em relação ao crédito indevido de ICMS

A aplicação do artigo 173, inciso I, do CT, e a busca do conceito de "exercício" para os fins do prazo de decadência.

26/3/2012

Adolpho Bergamini

Cálculo do prazo decadencial em relação ao crédito indevido de ICMS

Aplicação do artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, e a busca do conceito de "exercício" para os fins do prazo de decadência

1. Introdução

A despeito de serem temas por demais conhecidos, o ICMS e a decadência ainda são fontes de incontáveis controvérsias entre Fiscos e contribuintes. O embate chega ao seu clímax quando esses dois temas – ICMS e decadência – são analisados conjuntamente para se saber qual o termo inicial do prazo decadencial ao lançamento tributário de ofício, via Auto de Infração, que tenha como objeto o crédito do imposto apropriado indevidamente.

O propósito do presente ensaio é enfrentar o tema em todas as suas facetas.

Por essa razão, em proêmio serão analisadas as espécies de lançamentos atualmente existentes, mormente os lançamentos de ofício e por homologação, o prazo decadencial aplicável a cada qual, bem como a inserção do ICMS neste último.

Em seguida, o estudo terá como foco os aspectos jurídicos que orbitam a decadência no direito tributário e, após considerá-la no contexto da constituição do crédito tributário motivado pela apropriação indevida de créditos de ICMS.

Nessa oportunidade será demonstrado, do ponto de vista contábil e escritural, como os créditos de ICMS estão contextualizados no evento pagamento do tributo para, em seguida, enquadrá-lo na disciplina dada pelo artigo 150, §§1º e 4º do Código Tributário Nacional.

Seguindo a trilha natural de exame, a abordagem subsequente será a análise dos posicionamentos jurisprudenciais dos tribunais administrativos e judiciais sobre a aplicabilidade do artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, ou artigo 150, §4º, também do Código Tributário Nacional, para as situações em que os Fiscos Estaduais constituem crédito tributário a partir da glosa de créditos de ICMS apropriados indevidamente pelo contribuinte.

Por fim, estar-se-á diante do escopo que em verdade motivou este ensaio: perquirir a correta aplicação do prazo decadencial disciplinado pelo artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, bem como a busca do conteúdo semântico que o termo "exercício" exprime nesse contexto.

Feita essa introdução, segue agora, sem mais delongas, o exame do que fora proposto.

2. As espécies de lançamentos tributários: análise do prazo decadencial aplicável aos lançamentos de ofício e por homologação, bem como o enquadramento do ICMS neste último

De acordo com o artigo 150, do Código Tributário Nacional, o lançamento por homologação é aplicável aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de declarar à autoridade administrativa as operações tributáveis, calcular o montante devido e antecipar o seu pagamento sem prévio exame do Fisco. Tal pagamento extingue o crédito tributário sob condição resolutória de ulterior homologação, nos termos do §1º do artigo 150 do Código Tributário Nacional.

Isso só é possível porque, nas situações em que há o lançamento por homologação, é dado ao contribuinte conhecer os elementos da própria obrigação tributária, especialmente os aspectos material, temporal, espacial, quantitativo e subjetivo, bem como os meios ao seu pagamento.

Ou seja, conhecedor de todos os elementos que constituem a obrigação tributária, o contribuinte está autorizado a quitá-la antecipadamente e prestar as respectivas informações ao Fisco, que poderá, ou não, homologar esses procedimentos dentro do prazo de 05 (cinco) anos. Segundo o §4º do mesmo artigo 150 do Código Tributário Nacional, este prazo tem seu marco inicial na data da ocorrência do fato gerador.

Cabe aqui um breve aparte. Apesar de ser essa a norma contida no artigo 150, §4º, do Código Tributário Nacional, penso que em verdade o termo inicial do prazo decadencial aplicável aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação consiste no dia em que é entregue a declaração constitutiva do crédito tributário pelo contribuinte (DCTF em relação aos tributos federais e GIA em quanto aos estaduais). Afinal, somente com ela (a declaração constitutiva) é que será possível ao Fisco verificar a retidão do cálculo do tributo pelo contribuinte e, ainda, do pagamento por ele antecipado.

A par do lançamento por homologação, há o lançamento de ofício. Como tal devem ser entendidos aqueles tributos cujo adimplemento não é possível de ser cumprido pelo contribuinte sem que, antes, o próprio Fisco trace os limites da obrigação tributária, na forma do artigo 142 do Código Tributário Nacional. Tenha-se como exemplo o IPTU. Pelo fato de a base de cálculo do imposto ser, em regra, o valor venal do imóvel apurado segundo a Planta Genérica calculada pelo próprio Município, o proprietário (contribuinte) só poderá quitar a obrigação depois da respectiva notificação pelo Fisco Municipal.

O prazo decadencial aplicável aos tributos sujeitos ao lançamento de ofício é disciplinado pelo artigo 173, inciso I, também do Código Tributário Nacional, que dá como termo inicial o "primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado".

O ICMS é imposto cujo lançamento se dá por homologação, disso não há dúvidas, porquanto a legislação do imposto permite ao contribuinte adimplir a obrigação tributária ao lhe fornecer todos os elementos componentes da obrigação tributária e, ainda, mecanismos ao seu pagamento antecipado.

Por essa razão, deveriam ser aplicáveis ao ICMS, sempre, as regras do artigo 150, §4º, do Código Tributário Nacional1, inclusive em relação à apropriação de créditos indevidos pelo contribuinte, conforme será examinado nas linhas seguintes.

3. Aplicabilidade do artigo 150, §4º, do Código Tributário Nacional, ao cômputo do prazo decadencial aplicável à glosa de créditos indevidos de ICMS

Conforme é sabido, a incidência do ICMS ocorre na saída de mercadoria do estabelecimento do contribuinte ou na ocasião da prestação de serviços de transporte interestadual, intermunicipal ou de comunicação, sendo o seu valor calculado pela aplicação de uma alíquota ao valor da operação. Este resultado é o montante de imposto devido (despesa de ICMS), que será pago com (i) créditos e (ii) dinheiro.

Do ponto de vista contábil, ao realizar determinada venda, o contribuinte credita em conta de passivo "ICMS a Recolher" à contrapartida de em débito na conta "Despesa com ICMS", que é o imposto devido. O pagamento do ICMS se dará pelo crédito da conta "ICMS a Recuperar" em contrapartida a um débito no passivo "ICMS a Recolher", devendo o saldo credor existente ser debitado em contrapartida a um crédito da conta "Disponibilidades". Essa breve descrição deixa claro que os créditos de ICMS do contribuinte, lançados em conta de ativo a débito contábil, são indissociáveis do fato do pagamento do imposto.

Tais conclusões são confirmadas pelo exame da escrituração fiscal do ICMS. De acordo com a legislação, o imposto destacado na Nota Fiscal de aquisição é lançado como crédito no livro Registro de Entradas. Já o ICMS calculado a cada venda é destacado na Nota Fiscal emitida pelo contribuinte e registrado no livro Registro de Saídas. Ao final do mês, o total de débitos do imposto, que é a despesa tributária total no período, será diminuído do total dos créditos apropriados pelas entradas de mercadorias e, deste encontro de contas, surgirá o valor a pagar em dinheiro ao Fisco. Ou o valor do crédito a ser transportado ao período subsequente de apuração (hipótese de saldo credor).

Disso fica claro que, tanto do ponto de vista contábil como escritural, os créditos de ICMS realmente constituem moeda escritural de pagamento do imposto, porquanto reduzem o montante final a ser pago em dinheiro. Esse é, inclusive, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito, in verbis:

"[...] 3. O termo "cobrado" deve ser, então, entendido como "apurado", que não se traduz em valor em dinheiro, porquanto a compensação se dá entre operações de débito (obrigação tributária) e crédito (direito ao crédito). Por essa razão, o direito de crédito é uma moeda escritural, cuja função precípua é servir como moeda de pagamento parcial de impostos indiretos, orientados pelo princípio da não-cumulatividade [...]"

(STJ. AgRg no REsp 1065234 / RS. 1ª Turma. DJe 01/07/2010)

Ora, se assim o é, então a apropriação e utilização dos créditos de ICMS, ainda que indevidos, está no contexto do pagamento antecipado condicionado a ulterior homologação pelo Fisco de que trata o artigo 150, §1º, do Código Tributário Nacional. Logo, o prazo decadencial à glosa desses créditos indevidos deve ser disciplinado pelo §4º do mesmo dispositivo.

Há, entretanto, entendimentos de alguns Fiscos Estaduais pela aplicação do artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, ao cômputo do prazo decadencial que, em suma, sustentam que os valores eventualmente exigidos em auto de infração são lançados de ofício após as verificações fiscais, nos termos do artigo 149, incisos V e VIII, do Código Tributário Nacional.

São relativamente comuns autuações lavradas pelos Fiscos Estaduais glosando créditos de ICMS utilizados ao pagamento do imposto que, todavia, são perpetradas quando já decorrido o quinquênio contado da ocorrência do fato gerador (a apropriado dos créditos pelos contribuintes), ou da entrega da declaração constitutiva de crédito, nos termos do artigo 150, §4º, do Código Tributário Nacional. Fazem-no, os Fiscos, justamente porque a eles este fato é irrelevante em vista do entendimento segundo, sendo o auto de infração ato de ofício, deve ser aplicável o artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional.

Contudo, essa não parece ser a trilha mais adequada a se seguir. Afinal, a não homologação é atividade ínsita ao artigo 150, §1º, do Código Tributário Nacional. E o prazo para a não homologação é de 05 (cinco) anos contados do fato gerador do tributo, nos exatos termos do artigo 150, §4º. Admitir o deslocamento do início do prazo decadencial àquele previsto no artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, seria fazer letra morta do artigo 150, §§1º e 4º.

Dado este embate, fica evidente a necessidade de se examinar a jurisprudência administrativa e judicial.

4. A jurisprudência administrativa e judicial sobre a aplicabilidade do prazo decadencial à glosa de créditos indevidos de ICMS

A jurisprudência administrativa apresenta posicionamentos divergentes em relação à aplicabilidade dos artigos 150 ou 173 ao cálculo do prazo decadencial à glosa de créditos de ICMS.

O Conselho de Contribuintes do Estado do Rio de Janeiro já se manifestou favoravelmente à aplicabilidade do artigo 150, §4º, do Código Tributário Nacional. Vejamos:

"ICMS – CRÉDITO INDEVIDO

PRELIMINAR DE DECADÊNCIA acolhida. Não sendo comprovado dolo específico no caso das transferências de crédito de ICMS objeto da Inicial, não há que se falar na não aplicação do §4º do artigo 150 do CTN [...]”

(CC/RJ. 3ª Câmara. Recurso nº 35.818 (26.635). Acórdão nº 7.840)

"ICMS – PRELIMINAR DE EXTINÇÃO DE PARTE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO EXIGIDO NO LANÇAMENTO PELA DECADÊNCIA. O prazo inicial para a contagem da decadência para os impostos sujeitos ao chamado auto-lançamemto é o consignado no § 4º do art.150 do Código Tributário Nacional.

ICMS - CRÉDITO INDEVIDO – MATERIAL DE USO E CONSUMO DO ESTABELECIMENTO. Inadmissível o aproveitamento do crédito fiscal relativo à aquisição de materiais refratários de qualquer espécie, visto que são considerados bens de uso e consumo do estabelecimento, os quais somente darão direito a crédito do imposto a partir de 1.º de janeiro de 2011, ex vi do disposto pelos artigos 32, 33, § 2.º, e 83, inciso i, da Lei n.º 2.657/1996, com a redação da lei n.º 5.037/2007.

Recurso desprovido"

(CC/RJ. 1ª Câmara. Recurso nº - 30.440. Acórdão nº 7.681)

O Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais, por sua vez, tem se posicionado pela aplicação do artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, às autuações que tenham sido motivadas pela glosa de créditos indevidos de ICMS. Seguem precedentes nesse sentido:

"[...] Inicialmente, a Impugnante erige a decadência do direito da Fazenda Pública realizar o lançamento com fundamento no § 4º do art. 150 do Código Tributário Nacional (CTN). No entanto, tal dispositivo se refere à homologação tácita dos valores recolhidos pela Contribuinte por ocasião do lançamento realizado, e não dos valores não pagos que são submetidos ao lançamento de ofício, previsto no inciso I do art. 173 do CTN.

[...]

Sobre o tema, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais em decisão de 15/03/07 confirmou tal posição em acórdão assim ementado:

DIREITO TRIBUTÁRIO. PRAZO DECADENCIAL. CONVÊNIO 69/1998. ICMS/COMUNICAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. ILEGALIDADE. CDA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE CERTEZA E LIQUIDEZ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXECUÇÃO EMBARGADA. ART. 20, § 4.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NÃO HAVENDO PAGAMENTO DO TRIBUTO OU NÃO CARACTERIZANDO A HIPÓTESE DE HOMOLOGAÇÃO EXPRESSA OU TÁCITA PELA FAZENDA PÚBLICA DO LANÇAMENTO, NÃO SE APLICA O DISPOSTO NO ART. 150, § 4º, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL EM RELAÇÃO À DECADÊNCIA. INCIDE, NESTA SITUAÇÃO, A REGRA GERAL ESTABELECIDA PELO ART. 173, INC. I, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, CONFORME A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (...). TJMG – PROC. N.º 1.0024.05.692077-0/001(1); RELATORA DESEMBARGADORA MARIA ELZA; PUB. 30/03/2007.

Naquela decisão, ao analisar exigência sobre serviço preparatório de comunicação não levado à tributação pelo ICMS, mas tributado pelo ISS, a Contribuinte recolheu o saldo devedor mensal apurado, como na situação ora em análise. Entenderam os ilustres julgadores que não havendo o pagamento sobre aquela parcela, não há que se falar em homologação, mas sim em lançamento de ofício, ensejando aplicação da norma do art. 173, I do CTN.

[...]

Dessa forma, sob a luz do art. 173, inciso I do CTN, o prazo para a Fazenda Pública Estadual constituir o crédito tributário expirou em 31 de dezembro de 2010, não ocorrendo a decadência relativamente ao crédito tributário exigido, uma vez que a Autuada foi regularmente intimada da lavratura do Auto de Infração em 23 de novembro de 2010, conforme consta às fls. 06 dos autos [...].

(CC/MG. Acórdão: 19.289/11/2ª. PTA/AI: 01.000167930-62).

Já a jurisprudência do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais do Estado do Rio Grande do Sul não é uniforme quanto à aplicação do artigo 150, §4º, do Código Tributário Nacional, ao cômputo do prazo decadencial à glosa de créditos indevidos de ICMS. Vejamos:

"[...] A decisão de 1ª instância apresentou manifestação sobre todos os argumentos trazidos aos autos, expondo, ainda que objetivamente, as razões pelas quais chegou à conclusão final”. Assim sendo, não enxergo ausência de fundamentação na decisão singular, razão pela qual afasto tal preliminar.

Já em relação à decadência, consta que o lançamento em questão, datado de 14-09-2009, refere-se ao período compreendido entre janeiro de 2004 e março de 2006.

Entendo, pois, que o auto de lançamento não poderia abarcar operações anteriores ao dia quatorze de setembro do ano de 2004, em face do implemento do prazo decadencial de cinco anos.

Necessário referir que tenho acompanhado o novo posicionamento de parte desta Colenda Primeira Câmara, inaugurado pelo eminente Juiz, Dr. Rafael Nichele, no que tange à aplicação da regra constante do §4º do artigo 150 do CTN [...]"

(TARF/RS. Recurso nº 1269/10. Acórdão nº 478/11. Processo nº 116527-14.00/10-9)

Conforme já adiantado, tal decisão não é o entendimento unânime do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais do Rio Grande do Sul, afinal, há decisões aplicando o artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, combinado com o artigo 149, também do Código Tributário Nacional, ao argumento de que a apropriação do crédito de ICMS, posteriormente tido como indevido, reduziu o imposto a pagar sem que houvesse a configuração do evento pagamento antecipado (em dinheiro), de modo ser impossível aplicar a regra da homologação pelo simples fato de não haver qualquer atividade homologatória nessa situação. Seguem os trechos relevantes do precedente:

"[...] 1. decadência:

Com referência a preliminar de decadência evidenciada pela recorrente em seu apelo voluntário, destaco que o meu posicionamento está consolidado de acordo com os doutrinadores clássicos do Direito Tributário Brasileiro, onde no meu entender, salvo melhor juízo, a solução do impasse encontra-se na parte em que se estuda as modalidades do lançamento, a saber:

1 - O Lançamento Direto refere-se às hipóteses em que o lançamento, por determinação legal, deve ser efetuado de ofício pela autoridade administrativa, conforme disposição contida no Art. 149, inciso I, do Código Tributário Nacional. Como exemplo citamos o Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA). Alguns autores entendem que esta modalidade encontra-se absorvida pela modalidade do lançamento de ofício.

2 - Lançamento por Homologação é o lançamento feito quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa no que concerne a sua determinação. Opera-se pelo ato em que a autoridade, tomando conhecimento da determinação feita pelo sujeito passivo, expressamente a homologa. Em outras palavras, é do sujeito passivo a atribuição de operar o lançamento e a efetuar (antecipar) o pagamento do tributo e o sujeito ativo, limitando-se a homologá-lo, expressa ou tacitamente, mantendo, contudo, uma fiscalização genérica. Encontra-se previsto no art. 150 do CTN e citamos como exemplo o IPI, ICMS e o ISSQN.

3 - Lançamento por Declaração é aquele constituído em face de declaração fornecida pelo contribuinte ou terceiro, quando um ou outro presta à autoridade administrativa informações quanto à matéria de fato indispensável a sua efetivação. Sintetizando, é a modalidade em que o sujeito passivo fornece os elementos e o sujeito ativo efetua o lançamento. Sua fundamentação encontra-se no art. 147 do CTN e citamos como exemplo a Declaração Anual de Imposto de Renda, tanto na pessoa física como jurídica.

4 - O lançamento de ofício ou suplementar é aquele que é efetuado por iniciativa da autoridade administrativa, independentemente de qualquer colaboração do sujeito passivo. Qualquer tributo pode ser lançado de ofício, desde que não tenha sido lançado regularmente na outra modalidade. Resumindo, é a modalidade em que o próprio Fisco efetua o lançamento, por sua iniciativa própria. A Fundamentação legal encontra-se no art. 142 do CTN.

Frisamos que nas modalidades de lançamento por homologação e por declaração a iniciativa é do Sujeito Passivo enquanto que no lançamento direto e no de ofício a iniciativa é do Fisco.

O lançamento com base em declaração não gera efeitos confirmatório-extintivos-extintivos, uma vez que o pagamento somente se dá após notificação regular do ato feita ao sujeito passivo, o qual poderá optar pelo pagamento ou não, sendo esta a principal diferenciação com o lançamento por homologação que desencadeia efeitos confirmatórios-extintivos, porque somente se aperfeiçoa com o pagamento e a confirmação-extinção do crédito por meio do ato homologatório, expresso ou tácito.

O pagamento por homologação somente é passível de concretização se existiu pagamento. Não tendo o contribuinte antecipado o pagamento devido, nem expressa, nem tacitamente, dar-se-á a homologação. Nesse caso então, poderá ter lugar o lançamento de ofício, disciplinado no art. 149 do CTN.

A inexistência de pagamento de tributo que deveria ter sido lançado por homologação, ou a prática de dolo, fraude ou simulação por parte do sujeito passivo ensejam a prática do lançamento de ofício, ou revisão de ofício, prevista no art. 149. Inaplicável se torna então a forma de contagem disciplinada no art. 150, § 4º, do CTN, própria para homologação tácita do pagamento (se existente). Ao lançamento de ofício, aplica-se a regra geral do prazo decadencial de cinco anos e a forma de contagem fixada no artigo 173 do CTN. Dessa forma, compreende-se a ressalva constante no § 4º, do art. 150 do CTN: "salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação".

O caso dos autos envolve a modalidade de lançamento de ofício. O art. 173 do CTN estabelece que o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. Por conseguinte, na data em que constituído, não havia ainda o direito sido fulminado pela fluência do prazo decadencial, que no caso ocorreria somente em 31/12/2005 [...]”.

(TARF/RS. Recurso nº 1233/10. Acórdão nº 490/11. Processo nº 123960-14.00/10-4)

A Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo por longo tempo sustentou que o prazo decadencial à glosa de créditos indevidos de ICMS havia de ser calculado pelo artigo 150, §4º, do Código Tributário Nacional, conforme segue abaixo:

"ICMS. CRÉDITO INDEVIDO DO IMPOSTO REFERENTE VALORES SUPERIORES AOS DESTACADOS EM DOCUMENTO FISCAL e CRÉDITOS SEM COMPROVAÇÃO DE ORIGEM – DECADÊNCIA PARCIAL. Conheço do recurso, mas nego-lhe provimento nos termos do pacificado entendimento desta Câmara Superior de que é aplicável o artigo 150, § 4° do CTN. RECURSO CONHECIDO. NEGADO PROVIMENTO. DECISÃO NÃO UNÂNIME".

(TIT/SP. Câmara Superior. Processo DRTC-II-886369/2007)

"ICMS. DECADÊNCIA - ACUSAÇÃO REFERENTE A CRÉDITO INDEVIDO DO IMPOSTO POR ENTRADA DE MERCADORIA ACOMPANHADA DE DOCUMENTAÇÃO INIDÔNEA. Nossos tribunais superiores não têm jurisprudência firmada a respeito do tema "decadência". PEDIDO DE REFORMA DE JULGADO NÃO CONHECIDO. DECISÃO NÃO UNÂNIME”.

(TIT/SP. Câmara Superior. Processo DRTC II-562797/2007)

"ICMS. I - CRÉDITOS INDEVIDOS RELATIVOS À ENTRADA DE MERCADORIAS NO ESTABELECIMENTO ACOBERTADAS POR NOTAS FISCAIS QUE NÃO ATENDAM AS CONDIÇÕES PREVISTAS NO RICMS/00. Pedido de Reforma de Julgado Administrativo requerido pela FESP. Alegação de interpretação quanto à decadência divergente da adotada pelo Superior Tribunal de Justiça. A Fazenda Pública não logrou êxito ao demonstrar a divergência, havendo ausência de requisito de admissibilidade para o apelo, uma vez que nossos Tribunais Superiores não têm jurisprudência firmada a respeito do tema. PEDIDO DE REFORMA DE JULGADO NÃO CONHECIDO. DECISÃO NÃO UNÂNIME".

(TIT/SP. Câmara Superior. Processo DRT 12-2478/2008)

O aludido posicionamento, firme na aplicação do artigo 150, §4º, do Código Tributário Nacional, às autuações motivadas pela glosa de créditos indevidos de ICMS, instigou a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo a divulgar o Ofício Circular nº 002/2010, dando orientação (i) à Diretoria Executiva da Administração Tributária a observar a jurisprudência da Câmara Superior do TIT sobre a matéria para o planejamento de ações fiscais e à lavratura de Autos de Infração e Imposição de Multa, bem como (ii) à Diretoria da Representação Fiscal para não interpor recursos ou formular pedidos postulando a aplicação de regra diversa daquela fixada nos Acórdãos da Câmara Superior. Na justifica do referido administrativo, está dito que "a medida se impõe em razão de que tais recursos não apresentam possibilidade de êxito em face da jurisprudência atual, retardando, inclusive, a cobrança de crédito tributário remanescente pela Fazenda Pública, dado que na grande maioria dos casos se verifica a manutenção das infrações em valores muito superiores aos itens cancelados por decadência". Segue o seu inteiro teor:

"O Coordenador da Administração Tributária, no uso de suas atribuições legais, considerando as decisões emanadas pela Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas acerca do prazo decadencial para constituição do crédito tributário decorrente de creditamento indevido do ICMS; considerando a relevância da matéria; considerando os princípios da eficiência e da economia processual e a necessidade de padronizar os procedimentos no âmbito das diretorias da CAT, resolve:

I - A Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas vem decidindo reiteradamente, em sede de Recurso Especial, que a regra de decadência aplicável aos lançamentos de ofício por creditamento indevido de ICMS, sem que haja comprovação de dolo, fraude ou simulação, é aquela contida no artigo 150, §4º do Código Tributário Nacional - CTN, segundo o qual a Administração dispõe do prazo de cinco anos para constituir o crédito tributário, contados a partir da ocorrência do fato gerador. Dezenas de processos já foram julgados nesse mesmo sentido.

II - Em face de tais decisões, a Fazenda Pública vem interpondo Pedidos de Reforma de Julgado, sustentando que as decisões proferidas em Recurso Especial divergem da jurisprudência consolidada no Poder Judiciário, no que diz respeito à regra de decadência aplicável aos lançamentos fiscais por creditamento indevido de ICMS. Nesses pedidos, a Fazenda Pública postula a aplicação do disposto no artigo 173, inciso I, do CTN para os casos da espécie, na qual o prazo de cinco anos começa a fluir a partir do 1º dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.

III - Em sessão monotemática realizada no dia 16 de setembro de 2010, o órgão pleno do TIT procedeu ao Julgamento de vinte pedidos de reforma de julgado apresentados pela Fazenda Pública e concluiu, por expressiva maioria de votos, pelo não conhecimento dos pedidos, por ausência de pressuposto de conhecimento definido no artigo 50, inciso II, da Lei nº 13.457/2009. O órgão de julgamento entendeu que não há jurisprudência consolidada sobre a matéria nos tribunais superiores, no caso, o Superior Tribunal de Justiça, impossibilitando o conhecimento dos apelos. Nesse sentido, as decisões recorridas restaram inalteradas. Dos dezesseis juízes que integram a Câmara Superior, treze votaram pelo não conhecimento e três votaram pelo conhecimento.

IV - A decisão da Câmara Superior em sede de Pedido de Reforma de Julgado é definitiva no âmbito do contencioso administrativo tributário, dela não cabendo qualquer tipo de Recurso. Muito embora não signifique o fim das discussões jurídicas sobre o tema, esses julgados sinalizam forte entendimento do Tribunal de Impostos e Taxas e servirão de baliza para o julgamento dos demais processos versando sobre o mesmo tema.

V - Nesse sentido, até que sobrevenha eventual modificação do entendimento dos Tribunais Superiores do Poder Judiciário no que se refere à matéria objeto deste ofício, observar-se-á o que segue:

1 - A Diretoria Executiva da Administração Tributária - DEAT - observará a jurisprudência da Câmara Superior do TIT sobre a matéria, no que se refere ao planejamento da ação fiscal e à lavratura do Auto de Infração e Imposição de Multa.

2 - A Diretoria da Representação Fiscal não deverá interpor recursos ou formular pedidos postulando a aplicação de regra diversa daquela fixada nos Acórdãos da Câmara Superior, especificamente no que se refere à matéria versada nesse Ofício. A medida se impõe em razão de que tais recursos não apresentam possibilidade de êxito em face da jurisprudência atual, retardando, inclusive, a cobrança de crédito tributário remanescente pela Fazenda Pública, dado que na grande maioria dos casos se verifica a manutenção das infrações em valores muito superiores aos itens cancelados por decadência".

Contudo, na sessão realizada em 22 de março de 2011, a Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas modificou o seu posicionamento quanto à matéria, passando a entender que, às autuações que tenham como objeto o creditamento indevido de ICMS, devem ser aplicadas as regras do artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, em detrimento ao artigo 150, §4º, do mesmo diploma, a exemplo do que se pode verificar pela leitura das ementas abaixo transcritas:

"ICMS. REFORMA DE JULGADO. CREDITAMENTO INDEVIDO. DECADÊNCIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 173, I DO CTN. ANTAGONISMO ENTRE A DECISÃO REFORMANDA E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. Está firmada, consolidada e pacificada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça para aplicar a regra do artigo 173, I do CTN nos casos de aproveitamento irregular de créditos do ICMS. PEDIDO CONHECIDO. PROVIDO. DECISÃO NÃO UNÂNIME. Vencido o voto do juiz relator pelo não conhecimento do pedido".

(TIT/SP. Câmara Superior. Processo DRT 12-921223/06).

"ICMS. REFORMA DE JULGADO. CREDITAMENTO INDEVIDO. DECADÊNCIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 173, I DO CTN. ANTAGONISMO ENTRE A DECISÃO REFORMANDA E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. Está firmada, consolidada e pacificada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça para aplicar a regra do artigo 173, I do CTN nos casos de aproveitamento irregular de créditos do ICMS. PEDIDO CONHECIDO. PROVIDO. DECISÃO NÃO UNÂNIME".

(TIT/SP. Câmara Superior. Processo DRT 12-921154/2006).

Fê-lo, a Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, seguindo o entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça quanto à aplicabilidade do artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, à contagem do prazo decadencial para o Fisco constituir crédito tributário em relação à apropriação de crédito indevido de ICMS. In verbis:

"[...] 3. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento no sentido de que, havendo creditamento indevido de ICMS, o prazo decadencial para que o Fisco efetue o lançamento de ofício é regido pelo art. 173, I, do CTN, contando-se o prazo de cinco anos, a partir do primeiro dia do exercício seguinte à ocorrência do fato imponível, donde se dessume a não ocorrência, in casu, da decadência do direito de o Fisco lançar os referidos créditos tributários.

Agravo regimental improvido"

(STJ. AgRg no REsp 1199262 / MG. Rel. Min. Humberto Matins. DJe 09/11/2010)

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. ICMS. CREDITAMENTO INDEVIDO DO IMPOSTO. LANÇAMENTO DE OFÍCIO. APLICAÇÃO DA REGRA PREVISTA NO ART. 173, I, DO CTN. SUPOSTA OFENSA AOS ARTS. 19 E 20 DA LC 87/96. ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDADO NO ART. 155, § 2º, II, DA CF/88. ENFOQUE CONSTITUCIONAL DA MATÉRIA.

1. Havendo creditamento indevido de ICMS, o prazo decadencial para que o Fisco efetue o lançamento de ofício é regido pelo art. 173, I, do CTN, razão pela qual a decadência não ficou caracterizada no caso dos autos, como bem observou o Tribunal de origem.

Nesse sentido: REsp 842.413/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 19.10.2006; REsp 979.228/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 16.4.2009"

(STJ. AgRg no Ag 1273246 / RS. Rel. Min. Mauro Campbell Marques. DJe 03/09/2010)

Diante desse novo panorama, os esforços não devem se inclinar à investigação de qual o dispositivo a regulamentar a contagem do prazo decadencial para que o Fisco efetue o lançamento relativo à apropriação de créditos indevidos de ICMS, já que, apesar de alguns tribunais administrativos ainda aplicarem o artigo 150, §4º, do Código Tributário Nacional, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou pela aplicação do artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, no que foi seguido por alguns órgãos de julgamento administrativo, a exemplo do novel entendimento da Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo.

Assumindo, pois, que o artigo 173, inciso I, é a norma aplicável, então o que se torna relevante nesse contexto é compreender a sua correta aplicação, em especial o que significa a expressão exercício para os fins da decadência tributária.

5. A aplicação do artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, e a busca do que seja exercício aos fins da contagem do prazo decadencial

O artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, conta com a seguinte redação:

"Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado"

O vocábulo exercício exprime inúmeros conteúdos semânticos e, consequentemente, diversas unidades de tempo para medi-lo. Dada a falta de definição deste conceito aos fins do prazo decadencial, é necessário construí-lo a partir de uma interpretação sistêmica do ordenamento jurídico.

Ao se referir ao exercício social, por exemplo, o artigo 175 da Lei nº 6.404/76 dispõe que, em regra, sua duração será de 01 (um), mas poderá ter outra duração a depender do estatuto da sociedade.

Já o artigo 150, inciso III, alínea "b", da Constituição Federal, refere-se ao termo exercício financeiro para regulamentar o princípio constitucional da anterioridade. Neste caso específico, a jurisprudência equiparou o conceito de exercício financeiro ao de exercício civil para garantir a esperada segurança jurídica das relações tributárias, evitando que o contribuinte seja surpreendido com leis que venham a instituir ou aumentar tributos no apagar das luzes de todos os anos. Para esses fins exclusivos, o vocábulo exercício deve ser entendido como o período compreendido entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de cada ano.

Ocorre que o exercício dito no texto do artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, não é aquele tratado na Lei das Sociedades por Ações, tampouco o exercício financeiro mencionado no artigo 150, inciso III, alínea "b", da Constituição Federal.

É necessário, pois, caracterizá-lo devidamente.

A redação do já mencionado artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, dá conta que o exercício lá referido é o seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. Para saber, então, qual o exercício dito no citado dispositivo, é necessário saber, antes, o momento a partir do qual lançamento de ofício (via Auto de Infração) pode ser efetuado.

Em se tratando de tributos sujeitos ao lançamento por homologação, tal possibilidade existe a partir da entrega da declaração do contribuinte que constitui crédito tributário, nos termos do artigo 150 do Código Tributário Nacional.

A corroborar essas conclusões, tenha-se em conta que o Superior Tribunal de Justiça, ao ser instado a se manifestar sobre essa sistemática em relação à denúncia espontânea, decidiu que o contribuinte que entrega declaração constitutiva do crédito tributário (GIA, DCTF, etc.), mas realiza o pagamento antecipado a destempo, não poderá fazê-lo com a exclusão da multa (moratória ou punitiva) porque, segundo o entendimento firmado, a entrega da declaração tem o efeito de iniciar o "procedimento administrativo ou medida de fiscalização" relatado no artigo 138, parágrafo único, do Código Tributário Nacional2. Aliás, o mesmo Superior Tribunal de Justiça, em outras oportunidades, vem decidindo que "a apresentação perante o Fisco da Guia de Informação e Apuração de ICMS (GIA) equivale ao próprio lançamento".

Assentada a premissa segundo a qual a entrega de declaração, pelo contribuinte, tem o efeito de constituir crédito tributário e, ainda, dar início ao "processo administrativo ou medida de fiscalização" por parte do Fisco, tanto que a partir daí o contribuinte já não pode mais se valer da denúncia espontânea, é intuitivo concluir que, por meio dessa declaração, o Fisco já está habilitado a analisar as informações prestadas, apurar eventuais irregularidades no lançamento e, eventualmente, realizar de ofício a sua revisão, via Auto de Infração, nos termos do artigo 149, inciso V, do Código Tributário Nacional.

Por essas razões, o conceito do exercício mencionado no artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, está afeto ao período de apuração de determinado tributo e, em função de seu encerramento, à possibilidade de o Fisco efetuar o lançamento de ofício pelo conhecimento prévio das informações prestadas pelo contribuinte em suas declarações.

É essa a orientação que se afigura mais adequada em função da interpretação que se extrai do artigo 173, inciso I, em si mesmo considerado. Para averiguar a veracidade de tal afirmação, socorrer-me-ei da análise histórica do aludido dispositivo, bem como das motivações do legislador ao introduzi-lo no ordenamento jurídico, nos termos apostos no Trabalho da Comissão Especial do Código Tributário Nacional, publicado em 19543.

Por seu exame, verifica-se que o artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, estava originalmente idealizado no artigo 138 do Projeto do Código, que em seu §1º traz os limites do conceito de exercício. Vejamos:

"Art. 138. O direito de a Fazenda Pública exercer a atividade prevista na legislação tributária para a constituição do crédito extingue-se, salvo quando menor prazo seja expressamente fixado na lei tributária, com o decurso do prazo de cinco anos, contados:

I – Do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

[...]

§1º. Considera-se iniciado o exercício da atividade a que se refere este artigo pela notificação, ao contribuinte, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento [...]"

A primeira vista, seria crível dizer que, para os fins do prazo decadencial, o §1º do artigo 138 do Projeto do Código preconizava o termo inicial do prazo decadencial como sendo os atos de ofício dos Fiscos (as notificações ditas no dispositivo) preparatórios e indispensáveis ao lançamento tributário. Mas, para que essa interpretação seja atualizada aos tempos hodiernos, é necessário apresentar as exposições de motivos da Comissão para assim definir o marco inicial do prazo decadencial, cujos trechos mais relevantes seguem abaixo transcritos:

"[...] Na fixação dos prazos, a Comissão manteve o de cinco anos, tanto para a caducidade do direito como para o seu exercício, por ser o tradicional em nosso direito quanto aos créditos e obrigações da Fazenda Pública; mas, atendendo às possibilidades de retardamento de seu termo inicial (art. 138 ns. I e II), e de interrupção de seu decurso (art. 139, § único), fixou, no art. 138, §3º, um prazo máximo igual ao de extinção das obrigações pessoais, como já previa o art. 216 do Anteprojeto (Código Civil, art. 177). Ficaram assim rejeitadas as sugestões 52, 178, 237, 252, 252, 527 e 761.

Na fixação do termo inicial do prazo de caducidade do direito de constituir o crédito (art. 138 ns I e II e seu §1º), o Projeto teve em vista que o seu decurso deve partir da data em que o fisco teve, real ou presumidamente, conhecimento da ocorrência do fato gerador da obrigação. A doutrina moderna, tendo em vista que a extinção de direitos e ações pelo decurso do tempo não tem por fundamento beneficiar o devedor, nem, inversamente, prejudicar o credor, admite aquela extinção mesmo que a inércia do credor seja fruto do desconhecimento da situação de fato. Ao direito tributário, entretanto, essa conclusão não é rigorosamente aplicável, de vez que o fato gerador do direito prescribendo é pessoal do devedor, tanto assim que a doutrina italiana sustenta que o direito do fisco ao tributo só começa a extinguir-se com o lançamento, isto é, a partir do momento em que aquele está em condições de exigir o cumprimento de uma obrigação caracterizada e liquidada (Giannini, Il Rapporto Giuridico d'Imposta, p. 314; Tesoro, Principii di Diritto Tributario, p. 503; Pugliese, Istituzioni di Diritto Finanziario, p. 394).

Sem chegar a esse extremo, o art. 138 nº I subordina o início do prazo de decadência à possibilidade de ser efetuado o lançamento, disposição que, combinada com as do art. 111, permitiu dispensar a casuística dos arts. 212 §1º, 213 e 214 do Anteprojeto. Temperando a rigidez do dispositivo, os §§1º e 2º do art. 138 fixam limites à atividade fiscal que configura o exercício do direito à constituição do crédito, afastando ainda o seu efeito interruptivo, por se tratar de hipótese de decadência. Ficaram, assim, prejudicadas as sugestões 176, 177, 450, 526, 547, 970 e 971 [...]" (grifei)

Pelos motivos literais expostos alhures, fica claro que, para os fins do prazo decadencial, em sua gênese "o Projeto teve em vista que o seu decurso deve partir da data em que o fisco teve, real ou presumidamente, conhecimento da ocorrência do fato gerador da obrigação". Mais ainda, fica claro que o artigo 138 nº I do Projeto, atualmente vigente na redação do artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, “subordina o início do prazo de decadência à possibilidade de ser efetuado o lançamento” por parte do Fisco.

Nesse contexto, aplicando tudo o quanto fora até aqui exposto ao ICMS, é correto afirmar que, se a apuração do imposto é mensal, então também o seu exercício deve ser mensal. Nesse sentido, em relação ao caráter mensal da apuração do ICMS, calha ressaltar, aqui, que esse tem o sido o entendimento da jurisprudência, a exemplo do que se verifica de precedentes dos Tribunais de Justiça do Estado de São Paulo e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro5.

Consequentemente, seguindo a regra do artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, o prazo decadencial aplicável ao Fisco efetuar o lançamento de ofício deve ter início no exercício (mês) subsequente àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, que consiste no mês de entrega da GIA, porquanto este é o documento que constitui crédito tributário e permite ao Fisco efetuar o lançamento tributário de ofício após analisar as informações prestadas pelo contribuinte, inclusive os créditos do imposto apropriados indevidamente.

Em outras palavras, segundo o artigo 173, inciso I, do CTN, o prazo decadencial à glosa de créditos indevidos de ICMS deve ter início no primeiro dia do terceiro mês subsequente ao do fato gerador, afinal, (i) no mês seguinte ao do fato gerador há a entrega da GIA, (ii) no mês subsequente ao da entrega da GIA o Fisco Estadual já pode iniciar a fiscalização; e (iii) no mês seguinte a este tem início o prazo decadencial.

Não é demais lembrar, por fim, que essa proposta aplicação do mencionado dispositivo foi aventada em voto vista do Juiz Eduardo Perez Salusse, da Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas, na ocasião da sessão realizada em 22 de março de 2011, quando, conforme já dito alhures, o órgão de julgamento entendeu pela aplicação do artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, para disciplinar o prazo decadencial à glosa de créditos indevidos de ICMS. In verbis:

"[...] Admitindo-se a aplicação da regra do artigo 173 do CTN para o caso de crédito indevido, qual seria o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, considerando que o ICMS é apurado em exercícios mensais? A expressão “exercício” do art. 173 do CTN refere-se a períodos mensais no caso de ICMS, conforme jurisprudência de alguns tribunais do país [...]" (grifei)

Essa também foi a posição adotada pelo Juiz Celso Alves Feitosa, da Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, em seu voto proferido no processo DRT 14- 889.722/07, Auto de Infração 3.085.224 9. Vejamos:

"[...] O faço, ainda, porque exercício, em meu entender deve ser considerado o período de gestação do quanto devido, que é mensal, enquanto apurado em tal período, a partir do qual exercício é o mês seguinte, com força executiva (arts. 24 da LC 87/96; 87 e 253 do RICMS). Ainda, mesmo que pudesse ser ignorado que o artigo 150 se põe como norma especial frente a uma norma geral [...]"

No aludido voto há, ainda, transcrições de jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça que dão suporte ao entendimento aqui manifestado, entre eles o de maior expressão é o REsp 719350/SC:

"[...] 2. Nesse segmento, o dies a quo do prazo quinquenal da aludida regra decadencial rege-se pelo disposto no artigo 173, I, do CTN, sendo certo que o "primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado" corresponde, iniludivelmente, ao primeiro dia do exercício seguinte à ocorrência do fato imponível, ainda que se trate de tributos sujeitos a lançamento por homologação, revelando-se inadmissível a aplicação cumulativa/concorrente dos prazos previstos nos artigos 150, § 4º, e 173, do Codex Tributário, ante a configuração de desarrazoado prazo decadencial decenal (Alberto Xavier, "Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro", 3ª ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2005, págs. 91/104; Luciano Amaro, "Direito Tributário Brasileiro", 10ª ed., Ed. Saraiva, 2004, págs. 396/400; e Eurico Marcos Diniz de Santi, "Decadência e Prescrição no Direito Tributário", 3ª ed., Max Limonad, São Paulo, 2004, págs. 183/199) [...]"

(STJ. REsp 719350/SC. DJe 21/02/2011)

(grifei)

6. Conclusão

Em resumo aos argumentos apresentados neste ensaio, é possível concluir que, segundo a interpretação sistemática dos artigos 150, §4º, e 173, inciso I, ambos do Código Tributário Nacional, o prazo decadencial hábil a regulamentar o prazo decadencial à glosa de créditos indevidos de ICMS deve ser aquele previsto no artigo 150, §4º, afinal, a apropriação e utilização do crédito do imposto, mesmo que indevido, se insere no contexto do pagamento do tributo, nos termos preconizados no artigo 150, §1º.

Contudo, tendo em vista a sedimentação do entendimento acerca da aplicação do artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional, deve ser perquirida qual a correta aplicação de sua redação, especialmente a interpretação do vocábulo "exercício" para os fins do prazo decadencial.

E, ao fim e ao cabo do presente estudo, a conclusão mais adequada sobre o tema é que este termo “exercício” corresponde ao período de apuração do tributo que, aplicado ao ICMS, deve ser entendido como mensal, e não anual, tendo como termo inicial a data da constituição do crédito tributário pela entrega da GIA.

Logo, o prazo para o Fisco constituir crédito tributário em razão da apropriação de créditos indevidos de ICMS deve se iniciar no primeiro dia do segundo mês subsequente ao do fato gerador, porque (i) no mês seguinte ao do fato gerador há a entrega da GIA, (ii) no mês subsequente ao da entrega da GIA o Fisco Estadual já pode iniciar a fiscalização; e (iii) no mês seguinte a este tem início o prazo decadencial.

____________

1 A única exceção seria a hipótese de o contribuinte agir de má-fé, consoante a parte final do mencionado artigo 150, §4º, do Código Tributário Nacional.

2 “TRIBUTÁRIO. ICMS. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. TRIBUTO DECLARADO PELO CONTRIBUINTE E NÃO PAGO NO PRAZO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. SÚMULA 360/STJ.

1. Nos termos da Súmula 360/STJ, "O benefício da denúncia espontânea não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a destempo". É que a apresentação de Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA, de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de constituição do crédito tributário, dispensando, para isso, qualquer outra providência por parte do Fisco. Se o crédito foi assim previamente declarado e constituído pelo contribuinte, não se configura denúncia espontânea (art. 138 do CTN) o seu posterior recolhimento fora do prazo estabelecido.

2. Recurso especial parcialmente conhecido e, no ponto, improvido. Recurso sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08” (STJ. REsp nº 886.462 e 962.379. 1ª Seção. DJe 28/10/2008)

3 Trabalho da Comissão Especial do Código Tributário Nacional, composto e impresso nas Oficinas do Serviço Gráfico do IBGE, Rio de Janeiro, 1954, pgs. 227 e 228.

4 "[...] Destarte, entre o creditamento extemporâneo com correção monetária de operações com combustíveis, levado a efeito em agosto/92, que determinou o início do prazo decadencial no dia 01.09.92 (o ICMS tem exercício mensal e não anual), e a lavratura do Auto de Infração e Imposição de Multa (28.01.95), não intermediou prazo superior a cinco anos. Portanto, não padece o crédito de tal defeito temporal [...]” (TJSP – Apelação 9116248-28.2002.8.26.0000. Julgado em 18/04/2006) (grifei)

"[...] ICMS. imposto não-cumulativo. Legislação do ICMS que reconhece o direito de creditar-se de todas as entradas de matérias primas, produtos intermediários e de embalagens, desde que o produto final, seja alcançado pela oneração fiscal, imposto que não incide em cascata, mas em cada etapa da circulação da mercadoria, abatendo-se o valor destacado em etapa anterior. Princípio da não cumulatividade adotado pela Constituição de 1988, pelo menos até o advento da Lei Complementar n° 87/96, dá direito ao crédito do ICMS os produtos intermediários e de consumo vinculados, necessariamente, no consumo do processo produtivo. Sendo consumido ou integrando o produto cuja saída seja tributada, o crédito é sempre possível. Preliminar rejeitada, recursos improvidos e desacolhido o reexame necessário. [...] Assim, andou bem a r. sentença, que merece ser mantida, quando esclarece que "após a apuração mensal, o crédito não apropriado ou não compensado no próprio exercício mensal, só pode ser escriturado devidamente corrigido, assim como o débito não pago na época oportuna, só pode ser liquidado devidamente corrigido [...]" (TJSP. Apelação 9111347-22.1999.8.26.0000. Julgado em 13/09/2004) (grifei)

5 "TRIBUTÁRIO. - EXECUÇÃO FISCAL. - ICMS. APURAÇÃO MENSAL - EXERCÍCIOS DE NOVEMBRO E DEZEMBRO DE 1999 - ESGOTAMENTO DE TODOS OS MEIOS PARA CITAÇÃO PESSOAL: encerramento irregular das atividades da sociedade empresária. - CITAÇÃO EDITALÍCIA CONSUMADA EM JANEIRO DE 2006 - Apelação do ESTADO afirmando que a constituição definitiva do crédito tributário somente teria ocorrido em 24.04.2001 quando se encerrou o processo administrativo. - Hipótese de autolançamento lançamento por homologação (art. 150 § 4º CTN) apuração mensal do imposto devido - Inocorrência de homologação do autolançamento - Lavratura de auto de infração em 18.04.2000 - ajuizamento da execução fiscal em 20.11.2001 - interrupção da prescrição procedência liminar do apelo com fundamento no artigo 557, §1º A DO CPC" (TJRJ - Apelação 26963 RJ 2009.001.26963, Julgamento: 22/07/2009, 18ª Câmara Cível. DOE 24/07/2009) (grifei)

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* Adolpho Bergamini é advogado e professor. Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT/SP). Pós-Graduado em Direito Tributário pela PUC/SP e em Tributação do Setor Industrial pela FGV/SP – Gvlaw. Autor e coordenador de obras doutrinárias dedicadas ao Direito Tributário. Membro do Comitê Técnico da Revista de Estudos Tributários da IOB, do Conselho Consultivo da APET, do Conselho Editorial da Revista de Direito Tributário da APET e do Conselho Editorial da Revista de Estudos Aduaneiro, Marítimo e Portuário da IOB/IEM

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