Luiz Fernando Hofling
Meu naufrágio!
No final de 2003, como se aproximassem as festividades de final do ano, reuni toda a família e saímos, em navegação marítima, pela companhia Costa Cruzeiros, até Buenos Aires e Punta Del Este.
A celebração da virada do ano seria feita a bordo, com muitos espetáculos e fogos de artifício.
Desde o início da viagem, notava-se que o navio oscilava fortemente e que os banheiros das cabines estavam, constantemente, quebrados.
Quando, depois da estadia em Buenos Aires, o navio deveria dirigir-se a Punta Del Este, houve modificação do roteiro : em vez desta última cidade, a embarcação rumaria para Porto Belo .
Antes da chegada ao destino, na madrugada que antecederia a chegada a Porto Belo – e, felizmente, ainda no Rio da Prata, pois se o caso acontecesse no oceano, o navio poderia ter naufragado – houve uma pane geral nos equipamentos, derivada da quebra do eixo do motor, fato descrito pelo comandante como raríssimo: desligaram-se todas as luzes e motores e a embarcação ficou á deriva, no meio da noite .
Em consequência, o navio foi rebocado para o porto de Montevidéu, que estava próximo, ali permanecendo, até que os passageiros fossem convidados a desembarcar, para retornar a São Paulo por avião contratado pela companhia de navegação.
O "réveillon" foi passado a bordo, tendo os passageiros o privilégio de aspirarem os odores vindos de um navio transportador de ovelhas vivas, estacionado ao lado da embarcação.
Como a companhia oferecesse, como reparação, tão somente 20 % do valor da viagem, ajuizamos ação ordinária de reparação de danos econômicos e morais, perante a Quinta Vara Cível da Capital.
A essa ação, foi dada procedência, entendendo o Juiz que, nos termos do artigo 14, parágrafo 3 , incisos I e II do Código do Consumidor, o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar a inexistência do defeito ou que este ocorreu por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, o que, no caso, não acontecia .
Em segunda instância, manteve-se a decisão recorrida, que havia condenado a ré à devolução de parte expressiva do preço dos bilhetes, e, bem assim, ao pagamento de indenização por danos morais, a cada um dos participantes da desastrada experiência .
O valor das indenizações obtidas foi satisfatório, pois acabou por equivaler a cerca de duas vezes o valor despendido na aquisição do passeio.
Sabem como era o nome do navio?
Tratava-se do "Costa Allegra", que, segundo recente noticiário, ficou submetido à mesma emergência, na costa oriental da África, ficando, durante mais de uma semana, à deriva, em meio a um mar frequentado por piratas, à espera de que o rebocassem para o porto mais próximo.
Os participantes da viagem terão acesso, sem dúvida, se recorrerem aos tribunais brasileiros, o que poderão fazer, caso as passagens tenham sido adquiridas no país - à reparação não só de ordem econômica – o valor correspondente à viagem frustrada – como também de ordem moral – no caso deles muito maior porque ficaram à mercê das ondas, durante uma semana, sem ar condicionado e sem a utilização dos banheiros, além de submetidos ao risco de um assalto por piratas.
Ficará, entretanto, sem resposta a indagação: como pode um defeito dessa natureza, que se afirmava raríssimo – ocorrer por duas vezes, no mesmo navio?
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* Luiz Fernando Hofling é advogado do escritório Höfling, Thomazinho Advocacia
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