Ovídio Rocha Barros Sandoval
Absurda decisão do Conselho Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul
Cumpre recordar, inicialmente, que há 185 anos, no dia 11 de agosto de 1827, foram criados os Cursos Jurídicos no Brasil em Olinda-Recife e em São Paulo. Com a instalação das duas Escolas de Direito tinha início a formação jurídica dos brasileiros no território nacional.
A Escola do Recife foi instalada no Convento de Santo Antônio, enquanto a de São Paulo no Convento de São Francisco.
Se instaladas foram em dois Conventos da Igreja Católica, receberam, à evidência, a proteção de Nosso Senhor Jesus Cristo e sob a égide da Cruz passaram a ser conhecidas e respeitadas. Jesus Cristo tornou-se o Patrono Eterno das Escolas de Direito, então criadas, que vieram a ter, a partir do ano de 1827, influência fantástica na formação cultural, social e jurídica do Estado brasileiro.
A formação nacional do Brasil, desde o Descobrimento, foi forjada sob o signo da fé cristã e católica. A colonização foi obra da catequese, da incorporação do Novo Mundo ao Cristianismo. A luta pela unidade e a conquista do imenso território brasileiro só se explica pela fé cristã. J. F. Almeida Prado, reconhecidamente não católico, por exemplo, "atribui à fé a resistência aos holandeses e sua expulsão do Brasil".1
Todo povoado que surgia era habitado em torno de uma igreja ou capela. Daí porque são inúmeras as cidades que têm nomes de santos católicos, um Estado ostenta o nome de Espírito Santo, o Estado do Pará tem por capital Belém e o Rio Grande do Norte celebra o Natal de Jesus Cristo em sua capital.
Foi nesse quadro que o Brasil nasceu, cresceu, conseguiu sua Independência e forjou sua nacionalidade, cultura, formação e sob a égide de Cristo foi sedimentada a Nação brasileira.
Trata-se de uma realidade histórica, social e cultural inconteste. Negá-la seria abraçar o absurdo da ignorância e opor-se à verdade.
De outra parte, o sistema político do Estado brasileiro, em nenhum momento, chegou perto de uma teocracia abominável existentes em outros países.
A Constituição de 1891, por influência do Positivismo de Augusto Comte, tão em voga entre os militares daquela época, impôs a separação do Estado e Igreja e instituiu o chamado Estado laico, mas em momento algum negou a influência decisiva do Cristianismo na formação nacional do povo brasileiro, pois estaria se contrapondo ao óbvio. Bem por isso, o chamado Estado laico não pode significar a rejeição, pura e simples, dos valores cristãos presentes na Nação brasileira.
Todas as Constituições brasileiras, excetuadas a Constituição de 1891 e a Carta Política de 1937, invocam em seus preâmbulos, de forma expressa, que são promulgadas "sob a proteção de Deus". A Constituição Imperial de 1824, que deu início à História Constitucional do Brasil foi jurada em nome da Santíssima Trindade.
A invocação feita da "proteção de Deus", como está no preâmbulo da vigente Constituição, "significa que o Estado que se organiza e estrutura mediante sua lei maior reconhece um fundamento metafísico anterior e superior ao direito positivo".2
Se o preâmbulo da Constituição invoca a "proteção de Deus", somente pode referir-se à proteção do Deus dos cristãos – Jesus Cristo – pois sob sua proteção e dentro dos ensinamentos evangélicos foi construída a Nação brasileira.
Logo, conforme observa o eminente e brilhante Procurador de Justiça e Conselheiro do Conselho Superior do Ministério Público paulista dr. Walter Paulo Sabella, "pretender que da exposição do crucifixo" em prédios públicos "se possa inferir relação de dependência ou aliança com organizações religiosas", semelhante raciocínio levaria, "simetricamente, à mesma conclusão em face do fato de aceitar-se a estátua do Cristo Redentor em terras públicas, no Rio de Janeiro"3. Depois de recordar que "as religiões são fatos sociais", por isso mesmo, "a ostentação do crucifixo num prédio público não tornará, o Estado menos laico, nem a sua retirada lhe dará maior laicidade".
Do fato mesmo "de ser a religião um fato social, emerge, 'ipso facto', a ingente dificuldade de distinguir, em fronteiras nítidas, se as coisas tidas como da religião, como seus símbolos, pertencem apenas aos domínios do campo religioso ou se amalgamam e difundem pelos domínios da cultura, da tradição, do costume”. E tanto "as coisas são assim que Arnold Toynbee, o grande historiador inglês, chegou a sustentar que as próprias civilizações se desenvolvem nas linhas conceptuais de uma religião fundamental e entram em agonia quando se esvai o poder vital dessas religiões".4
Há três anos, aturdido e estupefato, tomei conhecimento de que o então Presidente Desembargador Luiz Zwitter do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, mandou retirar das salas e dependências do prédio daquela Corte os crucifixos que ali se encontravam. Sua Excelência confessa-se judeu, maçom e espírita. Com todo o respeito, uma estranha mistura de posições diante da vida... Em razão disso escrevi um artigo publicado pelo nosso Migalhas sob o título "O 11 de agosto e a Cruz de Cristo".
Tratava-se de uma infeliz deliberação unilateral e solitária do seu Presidente e tão contrária à formação nacional, social, cultural e religiosa do povo brasileiro sedimentada em cinco séculos. Não poderia acreditar que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não tivesse em seus quadros homens que professassem a fé cristã e conhecessem a História brasileira. Recordo-me que, alguns anos atrás, o pai daquele Desembargador, ministro Waldemar Zweitter, no Superior Tribunal de Justiça, propôs a retirada da Cruz de Cristo das salas e dependências daquele Tribunal. Houve a reação, como não poderia deixar de ser, de várias vozes e entre elas se encontrava a do meu querido e saudoso Amigo Ministro Domingos Franciulli Netto com o testemunho de sua coragem de verdadeiro cristão e defensor da fé que animou a formação nacional do povo brasileiro. Parecia ser de família (pai e filho), a revolta contra a Cruz – um dos símbolos mais antigos da civilização humana.
A deliberação solitária e absurda do antigo Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro repete-se agora em uma decisão colegiada do Conselho Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul. Pergunta-se, pelo Regimento Interno daquele Tribunal, tão despropositada e absurda decisão não terá que passar pelo crivo do seu Órgão Especial?
Os desembargadores que integram o Conselho Superior da Magistratura são brasileiros e homens que se dedicam ao estudo. Logo, não podem desconhecer a realidade da formação cristã da Nação em que nasceram.
Suas Excelências não podem desconhecer a fundamental importância de Jesus Cristo na História da Humanidade que se divide em dois períodos: antes e depois de seu Nascimento, muito embora haja nascido em uma pequena vila da Judéia e não tenha se afastado mais do que trezentos quilômetros do lugar onde nasceu.
O insuspeito Benedetto Croce teve a oportunidade de constatar: "O Cristianismo foi a maior revolução que a humanidade jamais realizou", enquanto Hegel, ao tratar da realidade histórica de Jesus Cristo afirma: "Até aqui chega a história e daqui recomeça".6
Com efeito, "todos encalham no momento de lançar a passarela entre o obscuro Jesus da História e o deslumbrante Cristo da fé".7
Queiram ou não os senhores Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a Cruz será o eterno símbolo da Morte e Ressurreição em Jesus Cristo. Sob esse símbolo eterno nasceu, evoluiu e se formou a Nação brasileira.
Com rara felicidade, o eminente Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho observa: "No caso da Magistratura, os valores cristãos se tornam ainda mais fortemente 'fonte de inspiração' para as decisões, uma vez que 'fazer justiça' é, de certo modo, exercer um atributo divino. A justiça humana será tão menos falha quanto mais se inspirar na justiça divina".8
Após o início de minha conversão – antes fui ateu e depois agnóstico – aprendi que "quando a fé em Deus começa a desaparecer, também o espírito de união fraterna perde sua base, abrindo-se o caminho para a luta de todos contra todos, luta que só conhece o direito do mais forte".
Com efeito, "quando se perde a dimensão vertical da filiação divina, torna-se mais difícil vivenciar a dimensão horizontal da fraternidade humana" e "só podemos nos chamar realmente irmãos, porque temos um Pai Comum" e, por outro lado, "Cristo mostrou a dignidade imensa do mais humilde dos homens, fazendo-se trabalhador manual e, sendo mestre, lavando os pés dos seus discípulos".9
Estado laico não é sinônimo de Estado ateu ou agnóstico, mas sim de um Estado que adota a liberdade de todas as crenças religiosas e garante sua prática, como também respeita, como não poderia deixar de respeitar, os valores cristãos que deram base à formação da Nação brasileira.
O nome de Deus, para o cardeal Sebastião Leme, arcebispo do Rio de Janeiro, em homilia de 31/5/1931, "está cristalizado na alma do povo brasileiro. Ou o Estado, deixando de ser ateu e agnóstico reconhece o Deus do povo, ou o povo não reconhecerá o Estado".
Não se há de olvidar, para possível espanto de alguns, que a religião cristã foi a base moral na qual as instituições do Estado brasileiro se estabeleceram.
Para o Papa Bento XVI, "a tendência que, por assim dizer, admite Deus como opinião privada, mas lhe recusa o domínio público, a realidade do mundo e a nossa vida, não é tolerância, mas hipocrisia".10
O consagrado escritor Graham Greene, em bela página de uma de suas obras, termina por dizer: "Se eu tivesse de partir esta noite e me perguntassem o que mais me comove neste mundo, responderia talvez que é a passagem de Deus pelo coração dos homens. Tudo se perde no amor, e embora seja verdade que seremos julgados segundo o amor, é igualmente fora de dúvida que seremos julgados pelo amor, que outro não é senão Deus".11
Com razão afirma o Papa PAULO VI, "uma concepção do mundo, segundo a qual esse mundo se explicaria por si mesmo, sem ser necessário recorrer a Deus; de tal sorte que Deus se torna supérfluo e embaraçante" está a representar um secularismo que "para reconhecer o poder do homem, acaba por privar-se de Deus e mesmo por O renegar”. 12
A Justiça é obra do homem como colaborador de Deus e RUI BARBOSA dizia "sem Deus não pode haver justiça".
Portanto a presença da Cruz de Cristo nas salas dos Juízes e Tribunais é confirmação da realidade da formação cristã da Nação brasileira e serve para relembrar, com Rui Barbosa, que "sem Deus não pode haver justiça". Dizer-se que "o julgamento em sala com expressivo símbolo de uma igreja e sua doutrina não parece a melhor forma de se mostrar o Estado-Juiz equidistante dos valores em conflito" nada mais representa do que uma afirmação vazia, como se o símbolo da Cruz tivesse a possibilidade de influir o Estado-Juiz em dirimir os "valores em conflito". Aceitar-se tão estapafúrdia afirmativa, como o símbolo da Cruz sempre esteve presente em todas as salas dos Juízes e dos Tribunais, especialmente, a partir da Constituição Imperial de 1824, o "Estado-Juiz", há mais de 187 anos, nunca esteve equidistante dos valores em conflito...
O Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao mandar retirar das salas e dependências do prédio daquele Tribunal a Cruz de Cristo, nada mais fez do que negar nossas origens e a formação nacional do povo brasileiro, além de lançar às urtigas a realidade de que a nossa Constituição foi promulgada "sob a proteção de Deus" e diante de nossa história queira ou não aquele Conselho, "sob a proteção do Filho de Deus Nosso Senhor Jesus Cristo".
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1 “Apud” JOÃO SCATIMBURGO, “Tratado Geral do Brasil”, Companhia Editora Nacional, S. Paulo, 1ª. Ed., 1973, pg. 31.
“Se a fazenda del-rei fornecia recursos à Igreja, não era menos certo que o sentido missionário obedecia à densa fidelidade de Portugal à religião católica” (idem).
2 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO, Jornal “O Globo” de 14.4.2009.
3 Parecer no Pt. n. 48723/07, de 27.8.2007.
4 Idem.
5 Revista “Isto É”, edição de 12.8.2009, pg. 33.
6 VITTORIO MESSORI, ob. cit., pgs 100 e 101.
7 Idem, pg, 185.
8 Artigo citado.
9 IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO, artigo citado.
10 Homilia de Abertura do Sínodo dos Bispos em 21.10.2005.
11 “Apud” CHARLES MOELLER, “Literatura do Século XX e Cristianismo”, Ed. Flamboyant, São Paulo, 1958, vol. I, pg. 420.
12 Idem, n. 55, pg. 58.
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